Por
mais absurdo, Camargo faz sentido num governo negacionista e 'daltônico'
O
presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton
Mourão têm posições divergentes numa série de questões, inclusive
na política externa e na importância das vacinas contra a covid-19, mas em algo
eles estão perfeitamente em sintonia: ambos dizem abertamente que não
há racismo no
Brasil. Nesse caso, o negacionismo não é exclusividade do presidente.
Ao se dizer “daltônico”, Bolsonaro admite que não consegue ver
a realidade, os fatos e estatísticas, mostrando, por exemplo, que 75% das
mortes violentas no país que governa são de pretos e pardos. Para disfarçar,
tira pilhas de fotos com o deputado Hélio Negrão. E Mourão, que já chocou ao falar em “malandragem dos africanos”, voltou
à carga. Quando? No dia da Consciência Negra, quando João Alberto foi
assassinado brutalmente, como George Floyd nos EUA, por... ser negro.
“Digo com toda a tranquilidade: não existe racismo no Brasil”, declarou Mourão, que chama negros de “pessoas de cor” e, depois de morar nos Estados Unidos, garante que “racismo tem é lá”, aqui “a sociedade é misturada”. Como não é ignorante, muito pelo contrário, deveria olhar os dados oficiais sobre desigualdade, escolas, prisões, violência policial, mercado de trabalho. O racismo é real, massacrante.
A
ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, criticou duramente a morte de
João Alberto, o Beto, mas sem usar a palavra “racismo” e sem sequer dizer que
ele era negro – aliás, como omitiu a própria ocorrência policial. E o
presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, um negro doentio que nega o
racismo, diz que a escravidão foi boa e acusa os movimentos negros de “escória
maldita”, fez ainda pior. Em vez de repúdio ao massacre do Beto por dois
seguranças brancos – o que não mereceu um gesto ou manifestação dele –, Camargo
pregou o fim do Dia da Consciência Negra, porque “não existe racismo estrutural
no País”. Partindo de brancos já é inadmissível; de um negro, é imoral. E um negro
que preside o órgão responsável pelo rico acervo da história dos
afrodescendentes no Brasil.
Por
mais absurdo que Camargo seja, porém, ele faz todo sentido num governo que
nomeia um cidadão que jamais pisara na Amazônia para o Meio Ambiente, um
embaixador júnior de textos e discursos sem nexo para o Itamaraty, uma mulher
que é contra os avanços civilizatórios para o Ministério da Mulher, Família e
Direitos Humanos.
E
na Educação? Um estrangeiro que se atrapalhava com o português, um
desqualificado que ameaçava prender os ministros do Supremo, um fraudador de
currículos e agora um pastor para quem os gays são fruto de “famílias
desajustadas”. Sem falar, claro, de um general intendente para o Ministério da
Saúde em plena pandemia e de um secretário de Cultura que usava eventos
oficiais para divulgar textos e símbolos nazistas. Camargo, portanto, está em
casa.
Uma
única palavra resume tudo isso: negacionismo. Porém, ministros e secretários
não passam de meros papagaios e executores de políticas que aterrorizam o mundo
e o novo presidente dos EUA, Joe Biden, mas vêm “de cima”. Embriagado pela
ideologia e por uma desconcertante ignorância sobre tudo, o presidente nega
racismo, pandemia, queimadas, ciência, estatística e, principalmente, bom senso
e bons modos.
Não, Bolsonaro não é culpado pelo assassinato do Beto, mas ele precisa admitir que o racismo existe, é imoral e criminoso e que o Dia da Consciência Negra é um grito de alerta, de socorro e de Justiça. Mulher branca, eu jamais seria trucidada por dois brutamontes covardes num supermercado. Beto foi por ser um homem negro e pobre, como tantos filhos, pais, irmãos e maridos trucidados neste País todos os dias, toda hora. É racismo, sim! Vidas negras importam!
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