Desigualdade
não explica assassinato de Beto Freitas em Porto Alegre
Só
na semana que vem será possível medir o impacto eleitoral do assassinato
de João Alberto Silveira Freitas pela milícia formalizada da rede
francesa Carrefour em Porto Alegre. No dia 9 de novembro de 1988 uma tropa do
Exército matou três operários que ocupavam a usina de Volta Redonda. Seis
dias depois, para surpresa geral, a petista Luiza
Erundina foi eleita para a Prefeitura de São Paulo.
Como
disse o vice-presidente, Hamilton Mourão, João Alberto, o Beto, era uma “pessoa
de cor”. Seu assassinato aconteceu no mesmo dia em que o Carrefour
anunciava na França sua disposição de boicotar os produtos brasileiros vindos
de áreas desmatadas do cerrado. Beleza, em Paris milita-se na defesa das
árvores enquanto em Porto Alegre mata-se gente.
Esse
tipo de comportamento é velho e disseminado. Em 2001 a milícia formalizada da
rede Carrefour prendeu duas
mulheres no Rio de Janeiro e entregou-as à milícia informal de traficantes de
Cidade de Deus. Foram espancadas, mas os bandidos não cumpriram a ameaça de
queimá-las vivas. Quando o caso foi denunciado, o embaixador francês era o
professor Alain Rouquié, um conhecido intelectual parisiense. Ele foi ao
governador Anthony Garotinho e reclamou do noticiário que prejudicava a imagem
internacional do Carrefour.
Pelos
critérios americanos do século 19 e sul-africanos do 20, Mourão é uma “pessoa
de cor”. A escrava de Thomas Jefferson com quem ele se acasalava era mais
branca que o general.
Segundo
o vice-presidente e muita gente boa, no Brasil não existe racismo, existe
desigualdade. O que pretende ser uma explicação é um agravo. Desigualdade
não explica esse tipo de assassinato. Eles são produto da demofobia, onde o
racismo tem um papel funcional, pois a cor identifica as pessoas sem direitos.
Se Mourão tivesse razão, a coisa funcionaria assim: se você é pobre, ferra-se,
se ainda por cima é negro, dana-se. Pelo menos um dos três mortos de Volta
Redonda era branco.
Brincando
com computadores
O
presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro
Luiz Fux, anunciou que “nós precisamos nos aprimorar em aspectos tecnológicos,
principalmente porque estamos lançando, pelo CNJ, o Juízo 100% Digital.”
Atrás
desse nome bonito está a ideia de colocar todos os processos do país numa rede
de computadores. Coisa de sonho. Como ensina a cartilha do CNJ: “Os magistrados
poderão dar vista às partes para que digam se concordam com a tramitação de ação já
distribuída de acordo com o rito do ‘Juízo 100% Digital”.
Entre
a ficção de Brasília e a realidade de Pindorama, o projeto perfilhado por Fux
equivale a uma cerimônia na qual o prefeito de Macapá anuncia um novo sistema
de iluminação pública para a cidade.
O
sistema foi exaltado durante a primeira reunião do Comitê
de Segurança Cibernética do Poder Judiciário, criado do dia 11 de novembro.
A porta havia sido arrombada uma semana antes, quando a
rede do Superior Tribunal de Justiça foi invadida e a corte ficou
vários dias fora do ar. Quatro dias depois o
computador do Tribunal Superior Eleitoral engasgou, atrasando por algumas
horas o resultado da eleição de domingo.
O
problema seria despiciendo se não tivesse sido precedido por promessas
megalomaníacas de pontualidade que chamavam o equipamento de “supercomputador”.
Investigado, o acidente revelou-se consequência de um atraso na entrega de
máquinas que deveriam ter chegado em março e só vieram em agosto.
Um
Judiciário 100% digital é boa ideia, mas precisa de muita transparência e pouca
pressa. Essa panela está no fogão do CNJ desde o ano passado e começou a andar
depressa em julho, no meio da pandemia.
A iniciativa depende da utilização de um programa de integração das varas, criando um padrão que deverá ser seguido por todos os tribunais. Não se conhece o detalhamento da demanda. É coisa grande e tramita no sistema de reuniões virtuais dos ministros. Felizmente, a ministra Maria Thereza Assis Moura, corregedora nacional de Justiça, pediu que assunto fosse discutido numa reunião presencial. Ela deve se realizar na terça-feira (24).
O
escurinho de Brasília já produziu um edital do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação que pretendia torrar R$ 3 bilhões comprando
computadores, laptops e notebooks para os alunos da rede pública. A
Advocacia-Geral da União mostrou que a licitação estava viciada e que os 255
alunos de uma escola mineira receberiam 30.030 laptops.
Até hoje não se sabe quem botou esse jabuti na árvore.
O
“Juízo 100% Digital” precisará de software. Sem ameaçar a segurança da rede, o
CNJ tem meios para divulgar as exigências técnicas para equipá-lo. Além disso,
está embutida na ideia um discutível encanto pelo trabalho remoto.
Fux
tem toda razão quando diz que “precisamos nos aprimorar em aspectos
tecnológicos”. Quem já comprou um computador ou já contratou um serviço sabe
que a melhor maneira para fazer isso é estudar direito as propostas, para
cantar vitória depois. Em Brasília cultiva-se outro modelo: havendo um
problema, lança-se um novo projeto.
Até tu, OAB?
A Ordem dos Advogados do Brasil se mete em tudo. Agora a Operação Biltre da Polícia Federal bateu em doutores que mexiam com processos do Tribunal de Ética e Disciplina da sua seccional paulista. Segundo as denúncias, a tarifa era de R$ 250 mil.
Diante
dos mandados de busca e apreensão a seccional informou que “em razão da
investigação a que tivemos notícia nesta data foi determinada a imediata
apuração interna sendo que a OAB e o seu Tribunal de Ética e Disciplina estão
cooperando com as autoridades competentes”.
Ótimo,
mas o uso da expressão “está cooperando” tornou-se uma girafa desde quando foi
usada pela Odebrecht.
No caso
da Odebrecht, como se viu, o problema estava no fato de que a colaboração
só começou quando chegaram os homens da Federal.
Para
o bem de todos, a OAB de Raymundo Faoro não deixará essa história sair a preço
de custo.
MADAME
NATASHA
Natasha
não perde uma fala
de Bolsonaro e
acredita que ele merece uma sugestão astroidiomática. A senhora acredita que
deve pensar duas vezes antes de usar diminutivos.
Na
metade de março, quando a Covid havia matado menos de dez pessoas, ele
falou em “gripezinha” e “resfriadinho”. Na sexta-feira, 13, quando já
haviam morrido mais de 160 mil pessoas, ele
disse que “agora tem essa conversinha de segunda onda”. Na véspera a
pandemia teve um pico, com 908 mortes.
Natasha é supersticiosa e suspeita que os diminutivos do capitão chamam desgraças.
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