Eleição
americana é decisiva para o futuro dos Estados Unidos, do Brasil, do planeta —
e da democracia
‘Uma República, se puderem mantê-la.’ Com tais
palavras, Benjamin Franklin definia, ao final da Convenção da Filadélfia, o
sistema de governo criado pela Constituição escrita naquelas semanas de 1787 —
que resultaria, nas 23 décadas seguintes, na democracia mais longeva, mais
próspera e mais bem-sucedida do planeta. Nunca a manutenção daquela República
esteve tão em xeque quanto na eleição de hoje, transformada numa espécie de
plebiscito em que os americanos escolherão se ficam com Donald Trump no poder
ou o trocarão pelo democrata Joe Biden.
O
comparecimento promete ser recorde. Pelo menos 98 milhões, ou 71% do
eleitorado de 2016, já haviam votado pelo correio ou pessoalmente até ontem. No
Texas, um dos estados mais disputados, a votação antecipada já superava a de
quatro anos atrás na última sexta-feira. Num país onde o voto é facultativo,
tamanho engajamento em plena pandemia dá uma dimensão do que está em jogo.
Uma
vitória de Trump traria não apenas uma surpresa maior do que quando ele
desafiou todas as previsões e derrotou Hillary Clinton. Não é exagero afirmar
que seria a maior ameaça já vista àquele sistema descrito por Franklin. A
reeleição de um presidente cujo comportamento nada republicano guarda ecos dos
monarcas e autocratas lançaria o país, nas palavras do analista Michael Hirsh,
“como mais um dejeto na pilha de cinzas das repúblicas fracassadas que se
estende à Grécia e Roma antigas”. Os Estados Unidos se tornariam, segundo o
cientista político Eliot Cohen, “não um estado fracassado, mas uma visão
fracassada, uma potência em declínio cujo tempo passou”.
Quem
quer que vença —pode levar semanas até sabermos —, as feridas permanecerão
abertas num país rachado ao meio, onde o fantasma da secessão continua a
assombrar. Além do terremoto interno, o resultado repercutirá em todo o
planeta. O isolacionismo de Trump fez recrudescerem o risco climático, a
proliferação nuclear, as disputas comerciais. Um segundo mandato traria um
divórcio mais duradouro dos europeus, um conflito mais acirrado com os chineses
e uma influência mais abrangente de atores perniciosos como Rússia ou Irã.
Uma
vitória de Biden, em contrapartida, representaria o retorno dos Estados Unidos
ao acordo climático de Paris, novos compromissos nucleares com a Rússia e outro
tipo de relação com a China (embora seja improvável a ressurreição do tratado
do Pacífico, firmado por Barack Obama para contrabalançar o poderio chinês).
Também haveria outra atitude diante da pandemia, da ciência, da imprensa, dos
organismos multilaterais e acordos comerciais.
Para
o Brasil, Trump ou Biden teriam significados obviamente distintos. O primeiro
permitiria a Jair Bolsonaro manter sua ilusão de uma “relação especial” com os
Estados Unidos. Persistiria a pressão para o afastamento da China, em
particular no leilão da telefonia celular de quinta geração (5G). O segundo não
seria essencialmente diferente na disputa com os chineses, mas exerceria
pressão maior em nossos pontos frágeis, como meio ambiente ou direitos humanos.
Biden, se o confronto com Bolsonaro crescer, aproximaria o Brasil da posição de
“pária internacional” aventada outro dia pelo chanceler Ernesto Araújo.
Ou,
se prevalecer o bom senso e o Brasil se mantiver na órbita americana sem
alienar os chineses, o próprio Biden poderia acelerar conquistas como a entrada
na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), reforçar
parcerias científicas e comerciais firmadas recentemente — cuja meta, ainda que
improvável, é um acordo de livre-comércio — ou até fazer renascer a promessa do
assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Tudo depende de
quão desanuviado estiver o cenário global.
Nesse
ponto, as perspectivas não são exatamente promissoras. Se Trump transformou o
outrora partido de Ronald Reagan naquele em que o vice Mike Pence defende
tarifas e a guerra comercial, Biden também não teria como retomar o ímpeto da
globalização anterior ao trumpismo. As resistências ao livre-comércio são
crescentes em seu próprio partido. Por mais caricato que pareça, o
isolacionismo de Trump não é gratuito. Corresponde a uma tendência presente na
sociedade americana desde Franklin, que volta e meia ressurge.
O
que certamente mudaria com Biden seria o estilo. Seu perfil conciliador e seu
talento político trariam vantagens evidentes na missão de pacificar os hoje
“estados desunidos”. Biden também representaria uma inflexão no avanço das
lideranças que, como Trump ou Bolsonaro, vicejam no solo infestado pelas ervas
daninhas da polarização, do populismo e do autoritarismo.
Trump
surgiu não como político, mas como figura midiática, estrela de reality show
que se projetou graças a uma campanha mentirosa nas redes sociais contra Obama.
Explorou a fratura da sociedade americana, a propaganda digital, as
deficiências de um sistema eleitoral tão vulnerável quanto convoluto e um
talento singular de comunicador para provocar o terremoto que ainda chacoalha
as instituições republicanas do país. Dado seu narcisismo e seu espírito
infantil, é incerto como reagiria a uma derrota. O certo é que, nessa hipótese,
não será suave a transmissão do poder — nem se sabe que tipo de república
sobreviverá para os americanos manterem.
Um governo que atua contra si mesmo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Em uma dinâmica normal, o governo atua politicamente para que o Congresso aprove as medidas de seu interesse. Esse movimento de coordenação dos partidos da base aliada é ainda mais lógico em relação àquelas medidas que, mais do que mera conveniência política, asseguram a governabilidade. No entanto, não se observa essa comezinha lógica na atuação do governo de Jair Bolsonaro. Os partidos da base aliada do governo estão obstruindo a pauta de votação da Câmara dos Deputados, o que impede o andamento de temas que afetam diretamente o governo federal.
Em
entrevista no dia 27, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu aos
partidos da base do governo que sejam responsáveis e acabem com a obstrução.
“Espero que a responsabilidade prevaleça. Se o governo não tem interesse nestas
medidas provisórias, eu não tenho o que fazer. Eu pauto, a base obstrui e eu cancelo
a sessão”, disse Rodrigo Maia.
A
obstrução feita pelos partidos da base aliada tem obviamente consequências no
calendário das votações, com graves efeitos sobre o ano que vem. Um dos temas
mais urgentes, que condicionam o andamento de vários assuntos, é a PEC
Emergencial, integrante de um pacote de três propostas apresentadas pelo
próprio governo federal no fim do ano passado, no chamado Plano Mais Brasil.
“Sem a PEC Emergencial, vai ter muita dificuldade de aprovar o Orçamento”,
advertiu o presidente da Câmara.
Em
relação ao Orçamento de 2021, o Congresso tem de votar a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Nenhuma foi aprovada
ainda. Sem a aprovação da LDO até o fim do ano, o governo não terá base legal
para realizar gastos discricionários em 2021. A LDO prevê, por exemplo, a
possibilidade de o governo executar, de forma provisória, a duodécima parte das
despesas, em caso de não aprovação da LOA. Ou seja, sem a LDO, o governo
enfrentaria uma brutal paralisia, a afetar até mesmo as despesas obrigatórias.
Em
relação à LOA, há previsões de que sua votação ocorra apenas em março de 2021,
o que seria prejudicial em primeiro lugar para o próprio governo. Já houve
vezes em que a LOA não foi aprovada até quase meados do ano. Absolutamente
inusitada, a novidade é a contribuição do próprio governo para o atraso.
Além
de prejudicar o funcionamento do poder público e dificultar a saída da crise
social e econômica, a obstrução das votações atinge também a aprovação das
medidas provisórias – que, em tese, deveriam interessar ao Palácio do Planalto,
autor das medidas. “Cabe à base avançar com as medidas provisórias pelo menos”,
lembrou o presidente da Câmara.
Diante
dessa estranha imobilidade, surgem críticas contra o Congresso, como se os
parlamentares estivessem dificultando o andamento de temas politicamente
sensíveis; por exemplo, as privatizações. Na entrevista do dia 27, Rodrigo Maia
mostrou que falta fundamento a essas críticas. “Quem obstrui a pauta é a base
do governo”, disse.
A
ratificar a disfuncionalidade da atual situação, chama a atenção o motivo pelo
qual a base aliada do governo vem obstruindo as votações do plenário da Câmara.
O objetivo é colocar na presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO) um
nome alinhado ao deputado Arthur Lira (AL), líder do PP na Câmara e um dos
nomes fortes do Centrão. Segundo acordo feito em fevereiro entre os partidos da
base, o presidente da CMO neste ano seria o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA).
Além de obstruir a pauta, o modo de agir dos partidos do Centrão traz
dificuldades para o funcionamento da própria CMO. “Se o acordo não vai ser
cumprido, difícil a CMO funcionar”, reconheceu Rodrigo Maia.
Ao
longo dos últimos dois anos, o Congresso foi alvo de muitos ataques do
bolsonarismo. Nessas campanhas, Rodrigo Maia foi frequentemente apresentado
como o grande coordenador do Centrão, a dificultar o andamento das reformas.
Não há dúvida de que o Legislativo merece várias críticas. Mas é de justiça
reconhecer que Jair Bolsonaro tem conseguido a proeza de fortalecer o que há de
pior e mais disfuncional no Congresso.
A utopia bolsonarista – Opinião | O Estado de S. Paulo
Nela,
o povo é subalterno aos devaneios de poder do presidente – ou é tratado como
inimigo.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem na ponta da língua a explicação para o fato, de resto notório, de que o governo que prometeu R$ 1 trilhão em privatizações ainda não conseguiu se desfazer de nenhuma estatal, seja grande ou pequena: “Há acordos políticos que dificultam, há uma mentalidade cultural equivocada. Somos prisioneiros cognitivos de uma visão de mundo que está, hoje, obsoleta”.
No
mesmo evento em que o ministro Paulo Guedes fez suas inusitadas considerações sociológicas,
o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros, defendeu que o País
seguisse o exemplo do Chile e convocasse um plebiscito para elaborar uma nova
Constituição. O argumento, disse o parlamentar governista, é que a atual
Constituição deixou o Brasil “ingovernável”.
As
duas manifestações resumem a pobreza do debate público sob o governo de Jair
Bolsonaro. Por meio delas, ficamos sabendo que os problemas enfrentados pelo
governo jamais são resultado de suas escolhas, e sim fruto de arranjos políticos
de gente com mentalidade atrasada e de uma Constituição disfuncional.
E
isso tudo num evento intitulado Um Dia
pela Democracia, promovido pela Academia Brasileira de Direito
Constitucional. Ora, se é de democracia que se trata, e é, não cabe ao governo,
por mais iluminado que se considere, imaginar que os grandes impasses nacionais
só serão resolvidos caso haja uma nova Constituição ou, quem sabe, um novo
povo, menos “atrasado”.
Convém
lembrar que foi sob esta Constituição que, num passado não muito distante,
foram aprovadas medidas cruciais para o País, como o Plano Real, a Lei de
Responsabilidade Fiscal, o teto de gastos e um robusto programa de
privatizações. Ou seja, o problema não é bem a Constituição, muito menos o
povo.
Na
utopia bolsonarista, contudo, não há lugar para o povo. Ou melhor, há, mas na
condição de subalterno aos devaneios de poder do sr. Bolsonaro – e quem recusa
esse papel é tratado como inimigo. Assim, o debate público, cerne da
democracia, é reduzido a uma briga de rua.
Quando
o presidente Bolsonaro converte a discussão sobre a pandemia de covid-19 em
instrumento para atacar adversários, por exemplo, contamina a atmosfera
política de tal maneira que todas as medidas tomadas por autoridades se tornam
automaticamente suspeitas de embutir motivação eleitoreira – e, de quebra, se
prestam a justificar a inépcia do governo na gestão da crise.
Um
ambiente assim é propício ao florescimento do extremismo, e aí o presidente
Bolsonaro joga em casa. Incapaz de formular um projeto claro de governo, seja
por incompetência, seja porque nunca pensou nisso, o presidente sabe que sua
sobrevivência política depende da desmoralização da democracia.
Não
é por outro motivo que Bolsonaro, ora disfarçado de “moderado”, ataca dia e
noite a imprensa, desdenha do Congresso, desrespeita o Judiciário e hostiliza
qualquer forma de oposição, mesmo que isso custe vidas, como acontece neste
momento em razão da pandemia. Ao fazê-lo, o presidente sinaliza que a
democracia é, para ele, coisa de gente frouxa – bom mesmo é o regime no qual
prevalece o grito.
Esse
espírito ameaça inviabilizar a construção de políticas públicas, pois intoxica
as discussões sobre os problemas nacionais. Felizmente, contudo, a democracia
tem seus mecanismos de defesa. Contra a utopia doentia do bolsonarismo, as
forças vivas da sociedade podem – e devem – estimular o debate político na
busca de soluções para os grandes problemas nacionais. Há hoje diversos grupos
suprapartidários dedicados a formular propostas de reformas e há também a possibilidade
de apresentação de projetos de iniciativa popular – quatro deles já se
converteram em lei.
Ou
seja, o povo deve continuar a ser protagonista de seu destino, por meio da
política tradicional e das novas formas de organização proporcionadas pela comunicação
em rede. Se assim for, governos com vocação autoritária, que só enxergam o povo
como força subsidiária de seus projetos liberticidas, podem até fazer barulho,
mas não prosperarão.
Brasil digital – Opinião | O Estado de S. Paulo
OCDE
apresentou oportuno mapeamento das oportunidades e dos desafios para o País.
Num
momento em que a pandemia acelerou a digitalização das relações sociais,
econômicas e políticas, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) apresentou um oportuno mapeamento dos desafios e oportunidades
para o Brasil no estudo A Caminho da Era Digital.
A
penetração da banda larga no Brasil é semelhante à que ocorre nos países da
região, mas bem mais baixa que a média dos países da OCDE. Dada a envergadura
do agronegócio, um dos principais desafios é ampliar a conectividade nas zonas
rurais. Outro é melhorar o acesso para escolas e alunos.
Segundo
a Anatel, enquanto 91,5% das zonas urbanas têm cobertura, nas rurais o índice é
de 10,7%. Entre os alunos das classes D e E, 60% não têm acesso à rede. Esse
foi o principal fator de aumento da desigualdade do ensino durante a pandemia.
A
fim de melhorar a conectividade, a OCDE recomenda a criação de uma agência reguladora
independente de comunicação e radiodifusão; a introdução de um regime de
licenciamento unificado para esses setores; e a integração dos fundos setoriais
num único fundo.
Outro
desafio é ampliar a adoção das tecnologias digitais. Quase um em cada quatro
brasileiros adultos jamais utilizou a internet e as empresas, especialmente as
pequenas, ficam atrás de seus pares nos países da OCDE no uso da tecnologia
digital. Segundo a Fiesp, menos de 2% das indústrias podem ser consideradas
4.0. Além disso, o Brasil tem a maior carga tributária do mundo na banda larga
fixa e a quarta maior na móvel.
Os
incentivos ao emprego da tecnologia digital passam por programas de
conscientização; pela remoção de barreiras regulatórias ao desenvolvimento
do e-commerce; e por
incentivos fiscais para a atualização tecnológica, treinamento e investimentos
em digitalização nas empresas.
Em
termos de pesquisa e inovação o País investe mais que a média latino-americana,
mas também está atrás dos países da OCDE. Cabe ao poder público garantir
recursos adequados, estáveis e previsíveis para a pesquisa, além de desenvolver
roteiros claros e fomentar a cooperação entre as partes interessadas,
especialmente na transferência de conhecimentos entre empresas e academia em
áreas-chave como inteligência artificial e análise de dados.
De
um modo geral, o diagnóstico da OCDE aponta os riscos de velhos vícios ante um
novo desafio. Trata-se de melhorar o ambiente de negócios por meio da
desburocratização, transparência, segurança jurídica, capacitação e
produtividade.
O
leilão para a instalação de rede 5G no ano que vem é uma oportunidade para o
País demonstrar sua capacidade de adotar as melhores práticas internacionais.
Como nota a OCDE, será o maior leilão do espectro 5G de todos os tempos, e as
partes interessadas o estarão observando com muita atenção. A atuação da Anatel
é fundamental para garantir um “mercado competitivo”, disse o secretário-geral
da OCDE, Angel Gurría, aludindo aos perigos de distorções provenientes das
pressões de EUA e China, em plena disputa por hegemonia tecnológica.
O
grande fator de risco para o Brasil tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. A
subserviência a Donald Trump é talvez a única diretriz clara do governo no
campo das relações internacionais. Mas, se as autoridades do poder público e a
sociedade civil precisam pressionar o presidente a fim de neutralizar suas
idiossincrasias, nem por isso as autoridades técnicas devem ignorar as
suspeitas em relação à empresa chinesa Huawei, uma das três maiores
fornecedoras do mundo. Nos EUA, não apenas os republicanos, mas os democratas
acusam a Huawei de apresentar riscos à proteção de dados. Japão, Austrália,
Suécia e Reino Unido suspenderam as transações com a empresa. França e Alemanha
realizam uma avaliação.
Tudo
isso só redobra a responsabilidade das instâncias reguladoras nacionais,
sobretudo a Anatel, por um processo transparente e técnico. São duas condições
cruciais para que a sociedade brasileira logre sobrepor os interesses nacionais
aos interesses comerciais e geopolíticos de outras nações, bem como às taras
ideológicas de seu presidente.
Um passo para o BC – Opinião | Folha de S. Paulo
Mandatos
para os dirigentes do órgão vão aprimorar condução da política de juros
No
último quarto de século, o Brasil registrou a menor inflação desde que se tornou
uma economia urbana e industrializada. Mais do que a pacotes engenhosos, o
feito se deve ao aperfeiçoamento paulatino da atuação do Banco Central.
Se
o Plano Real, lançado em 1994, pôs fim a mais de uma década de preços em
disparada, a estabilidade da moeda desde então tem sido perseguida por um BC
que gozou de autonomia —com a contrapartida de transparência e prestação de
contas— durante a maior parte do período. Agora, o país se encontra maduro para
um novo avanço.
Trata-se
de conceder
mandatos fixos para o presidente e os diretores do órgão, como prevê
projeto de lei complementar pronto para votação no Senado a partir desta
terça-feira (3). Institucionaliza-se, com o texto, uma prática que tem se
mostrado viável e eficaz.
O
BC conta com mais credibilidade quando consegue atuar a salvo de ingerências do
governante de turno —que pode se ver tentado, por exemplo, a vetar uma alta de
juros, mesmo necessária, em momentos de eleição ou dificuldade política. Com
mais coerência e credibilidade, conseguem-se resultados melhores a custos
menores.
Cumpre
desfazer mitos que cercam a proposta. Não é uma panaceia, como alguns de seus
defensores fazem parecer: um presidente da República irresponsável pode
aparelhar o BC com nomes desqualificados; uma gestão imprudente do Orçamento
pode minar a efetividade da política monetária.
Tampouco
a autonomia formal implica, como acusam críticos mais exaltados, uma política
de juros dissociada das preferências consagradas pelo voto popular: o comando
do BC seguirá sendo indicação direta do presidente da República.
A
proposta em exame no Senado estabelece que o órgão terá como missões o controle
da inflação, a suavização das oscilações da atividade econômica e o fomento do
emprego —objetivos que, por vezes, podem parecer em contradição.
A
experiência global demonstra, porém, que a estabilidade monetária favorece a
economia e o mercado de trabalho no longo prazo.
Pelo
projeto, o presidente e os oito diretores do BC serão avaliados pelo Senado,
como já ocorre hoje, e terão mandatos de quatro anos, não coincidentes entre si
e, portanto, nem sempre coincidentes com o do presidente da República.
Provavelmente
caberá à Câmara dos Deputados, que ainda se debruçará sobre a matéria, definir
o cronograma mais adequado para a aplicação do novo modelo.
Em
qualquer hipótese, a aprovação do projeto representará um passo importante da
agenda econômica, hoje claudicante, e um aprimoramento institucional já
consolidado nas nações desenvolvidas.
Disparate constitucional – Opinião | Folha de S. Paulo
Plebiscito
descabido proposto pelo líder na Câmara soa a incapacidade política
O
líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), tangenciou a
ironia ao dizer que o presidente Jair Bolsonaro se apoia agora no chamado
centrão movido
por bom senso.
Mais
parece que o faz por necessidade, acossado no front jurídico-policial; ademais,
o bom senso é escasso em Brasília —e o próprio parlamentar dá prova disso.
Barros
somou disparate novo ao fluxo que jorra do Planalto e da Esplanada. Saiu-se com
a proposta de realizar um plebiscito sobre a convocação de uma Constituinte
para substituir a Carta de 1988.
Na
falta de ideias razoáveis, inspirou-se na recente consulta chilena —inspirada,
de fato, por uma demanda da sociedade— para lançar o que anos atrás se chamava
de factoide. Vale dizer, acender discussão que não leva a lugar nenhum.
A
tese é antiga, tendo sido aventada à esquerda, à direita e ao centro nos
últimos anos. Ampara-se, no formato mais benigno, na ilusão de que uma
reformulação completa da Constituição resultará em uma peça de amplo consenso e
capaz de acelerar o desenvolvimento do país. Nas piores versões, embute
intentos autoritários.
O
texto de 1988 já garantiu 32 anos de estabilidade democrática ao país. Tem seus
defeitos, como a prolixidade legiferante e a multiplicação de privilégios
corporativistas que esgarçam as amarras da prudência orçamentária, mas carrega
provisões suficientes para reforma e atualização.
Nessas
três décadas, a Carta já recebeu 108 emendas (fora as 6 da revisão de 1993-94),
9 delas só na administração Bolsonaro.
É
o preço a pagar por uma Constituição tão detalhista; o lado positivo, por assim
dizer, reside nessa condição flexível, que permite sua adequação a novas
configurações políticas e econômicas sem passar por conflagrações de alto
custo.
Um
líder de governo numa Casa do Congresso, para fazer jus ao título e ao
privilégio, deveria concentrar-se em fazer avançar emendas constitucionais
propiciadoras das reformas imprescindíveis que o Planalto não consegue tirar da
inércia. Aventar um plebiscito, na atual paralisia, equivale a uma confissão de
incompetência política.
Se
a antes tão abominada aliança com os partidos do centrão não servir para o
avanço de uma agenda de governo, o presidente Jair Bolsonaro deixará evidente
que a buscou apenas e tão somente para proteger-se de eventuais consequências
de seus desatinos.
Trump prepara batalha judicial em eleição histórica – Opinião | Valor Econômico
O
modelo de democracia no Ocidente foi o dos Estados Unidos, até Donald Trump.
Como um aspirante a ditador de quinta categoria, Trump não acredita que alguém
possa vencê-lo em uma eleição e não pretende entregar o poder a quem ganhar nas
urnas. Ele ameaça uma histórica chicana eleitoral, colocando em xeque os
fundamentos da democracia americana.
Há
enorme tolerância nos EUA para presidentes medíocres - a maioria deles não
escaparia a essa classificação. Trump, pior do que isso, foge à regra.
Mentiroso compulsivo, tentou desmontar, em alguns casos com sucesso, tudo que
seu país fez nos últimos 50 anos nas arenas internacional e doméstica.
Politicamente desastroso, escondeu fraudes pessoais. Reportagens recentes
mostraram-no mais como um fanfarrão incompetente e endividado do que o
empresário bem-sucedido que sua propaganda vende.
A
reeleição de Trump começou a ruir a partir do momento em que algo
imprescindível foi exigido dele: comando. A pandemia do novo coronavírus, que
desdenhou, pode merecidamente retirá-lo do cargo que nunca deveria ter ocupado.
Não há nada que tenha feito em seu governo que mereça ser lembrado. Até feitos
de que se gaba na economia, por exemplo, foram legados por antecessores, e os
impulsos próprios, como o abatimento de impostos aos mais ricos, de nada
serviram aos propósitos que visou: aumentar os investimentos no país. Eles
diminuíram.
O
democrata Joe Biden está a caminho da vitória, e lidera, por margem variável, a
maioria dos Estados que não são fiéis a nenhum partido, os “swing states”, que
decidem as eleições. Há tempos Trump tem preparado cambalachos para evitar a
derrota. Ameaçou cortar verbas da Ucrânia se o presidente do país não
investigasse supostos atos de corrupção do filho de Biden. Abandonou a trilha
após um processo de impeachment do qual escapou graças aos republicanos de boa
vontade - todos.
O
colapso da economia com a pandemia, na qual os EUA são líderes em infectados e
mortes, mostrou que Trump foi um dos piores presidentes a enfrentá-la e pode
ter arruinado a tolerância dos americanos para com um presidente alienado e
cheio de si.
Prestes
a ser destronado, Trump se preparou para um litígio judicial em grande estilo.
Nomeou às pressas uma candidata para vaga na Suprema Corte, Amy Barrett,
aprovada por um Senado de maioria republicana, deslocando o pêndulo judicial
para causas conservadoras (maioria de 6 a 3). Amy, John Roberts e Brett
Kawanaugh, outra indicação de Trump, trabalharam juntos no time de George Bush
na contestação judicial de votos em 2000 na Flórida, que deu a vitória aos
republicanos contra o eleito pelo voto popular, Al Gore.
As
eleições americanas definirão parte do futuro global. Governantes populistas e
autoritários, que se inspiram nas bazófias de Trump, podem se fortalecer ou
sumir na poeira da história dependendo do resultado. Trump, um realista,
manobra com táticas provincianas. A pandemia levou os eleitores a enviar seus
votos pelos correios, um fato que o presidente usou para vilipendiar como
fraude democrata para derrotá-lo ilegalmente.
Pesquisas
apontaram que 70% dos votos por via postal vieram de democratas, enquanto que
metade dos republicanos colocará seus votos nas urnas. Como não há estrutura
para atender com rapidez a enxurrada nunca vista de sufrágios pelos correios -
a maior parte dos 93 milhões já enviados - há centenas de pedidos judiciais
republicanos para invalidar os votos que não cheguem às autoridades eleitorais
até amanhã. Como os votos presenciais são na maioria republicanos, serão
contados antes e Trump já disse que pretende anunciar sua vitória tão cedo
quanto possível, e armar um inferno judicial para a contagem posterior. Com
isso, o resultado levará semanas até ser oficialmente proclamado.
Trump é um dos piores presidentes americanos de todos os tempos. Nada do que disse que faria deu certo, embora tenha satisfeito sua base de empresários e banqueiros bilionários, para quem baixou impostos. A promessa de mais empregos na indústria e revigoração do parque manufatureiro do país naufragou com uma política protecionista insustentável. Sua batalha contra a China favoreceu Pequim, enquanto seus ataques aos antigos aliados enfraqueceram os Estados Unidos. Apenas seu narcisismo o impede de ver seus retumbantes fracassos, que, ao que tudo indica, as urnas consagrarão com uma mensagem de adeus - isenta de saudades.
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