Acompanhei
de Nova York a eleição em 2008 que fez de Barack Obama o primeiro presidente
negro dos Estados Unidos. Me lembro da festa nas ruas, do clima de esperança
que a eleição de Obama transmitiu. O candidato republicano, John McCain, um
herói de guerra, teve comportamento exemplar durante a campanha.
Oito
anos depois, com a vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton, Obama fez um
belíssimo discurso, uma aula de democracia. “Esta é a natureza da democracia.
Às vezes é duvidosa e barulhenta, muitas vezes não é inspiradora. Quando o povo
vota e perdemos a eleição, aprendemos com nossos erros, fazemos reflexões. E
voltamos ao jogo. O importante é que sigamos em frente, com a presunção de
boa-fé dos nossos cidadãos. (…) Vou fazer tudo para que o próximo presidente
tenha sucesso, porque, no final, estamos no mesmo time”.
Nada
parecido espera-se para esta eleição de hoje, que o mundo inteiro acompanha com
tanta ou mais expectativa de quando o primeiro negro foi eleito presidente dos
Estados Unidos. Quebrou-se ali simbolicamente uma barreira racial, embora na
prática o racismo continue sendo um dos maiores dramas da maior potência
mundial, causa de assassinatos que, de tempos em tempos, horrorizam o mundo e
indignam a comunidade negra, que se sente ameaçada e perseguida pela polícia.
Hoje,
mais do que em 2008, está em jogo a própria democracia americana, com o
presidente Donald Trump ameaçando não reconhecer uma provável vitória de Joe
Biden, o candidato democrata que foi vice de Barack Obama. Uma derrota de Trump
terá reflexos na política de meio-ambiente internacional, na política de
direitos humanos, na própria economia mundial.
Biden,
se apoiado por uma maioria na Câmara e no Senado, uma possibilidade, fará uma
reorientação da política econômica, com aumento de impostos, regulação
antitruste e controle de preços dos medicamentos. O setor de energias não
renováveis seria também afetado pela nova política verde do governo americano.
Ambos os candidatos anunciam, pacotes de estímulos econômicos de cerca de US$ 2
trilhões, por volta de 10% do PIB americano, o que faz os analistas preverem
boas perspectivas para a economia americana.
Mas
o cenário mais provável, segundo analistas dos meios financeiros, é a vitória
de Biden com a persistência da divisão do Congresso, com republicanos mantendo
a maioria do Senado e os democratas na Câmara. Uma vitória de Biden terá efeito
imediato na política externa brasileira. Ou damos uma guinada para nos adequar
à nova era americana, que terá o meio-ambiente e as energias renováveis como
pontos prioritários, ou estaremos mais isolados ainda no planeta.
Muito
se falou sobre as proximidades entre a vitória de Barack Obama nos Estados
Unidos, em 2008, e a de Lula em 2002, e o próprio ex-presidente brasileiro via
semelhanças na trajetória de vida dos dois. Eleger um operário no Brasil teve
quase o mesmo significado para nós que eleger o primeiro presidente negro nos
Estados Unidos. Além de ter chamado Lula de “o cara”, porém, nada mais
aconteceu na relação pessoal entre os dois.
Se
a relação dos tucanos com o Partido Democrata foi fortalecida pela amizade
entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente Bill Clinton,
uma relação, se não de amizade, também especial, nasceu entre Lula e Bush, que
teve uma convivência mais amistosa com ele do que com Fernando Henrique.
A
suposta “relação carnal” entre o presidente Bolsonaro e Trump não tem trazido
vantagens para o país, ao contrário. Estamos isolados, assim como os Estados
Unidos estão perdendo a liderança moral do mundo ocidental. Os vídeos com
tapumes sendo colocados nas principais avenidas das principais cidades do país
para evitar saques e quebradeiras em protesto contra o resultado da eleição,
mostram que a democracia americana corre perigo se esse tipo de político como Trump
continuar dando as cartas.
Da
mesma maneira nós, no Brasil, também corremos sério risco de vermos nossa
democracia subjugada pelo espírito autoritário do presidente Bolsonaro. Com uma
vantagem para os americanos: têm instituições democráticas mais sólidas e
perenes.
A parecença de Trump com Bolsonaro é um fato, tanto ideológica quanto de mau comportamento. Uma derrota de Trump será um freio no autoritarismo de Bolsonaro. O contrário exacerbará a tendência autoritária da extrema-direita no mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário