Ignorar
a responsabilidade dos governos anteriores é uma forma de negacionismo
O
atual Presidente da República é o menos dotado de inteligência, capacidade
gerencial, empatia social, espírito de tolerância e gosto pelo diálogo entre
todos os que foram eleitos ao longo dos 130 anos de República; isto não
justifica jogar sobre ele a responsabilidade pela queda da classificação do
Brasil na escala do IDH. Ignorar a responsabilidade dos governos anteriores é
uma forma de negacionismo, mentira que impede conhecer a realidade e aprender
com os erros.
O IDH de cada país foi definido por dados de 2019, mas resultantes de anos e até décadas de descasos anteriores. A culpa, portanto, é dos governos precedentes ao longo de toda a República, especialmente nos 33 anos da nova democracia, dos quais 26 por governos progressistas, 13 dos quais de esquerda. A piora na renda per capita entre o IDH anterior e o atual não ocorreu por causa de 2019, mas devido a recessão iniciada em 2014. Os efeitos do período Bolsonaro serão vistos no futuro, e tudo indica que teremos quedas ainda maiores. Mas esta queda foi culpa nossa, não dele. Até porque nosso IDH melhorou ligeiramente, outros cinco países melhoraram mais e nos superaram.
Nisto
está nossa falta: melhoramos ficando para trás, sobretudo em educação. Depois
de quase 50 anos de medidas paliativas, avançamos piorando ao ampliar três
brechas: avançamos, mas os outros países avançaram mais; a educação dos pobres
melhorou, mas a dos ricos mais; estudamos mais, entretanto, o que ensinamos
aumentou menos do que o que o mundo moderno exige.
Tudo
indica que os países vizinhos, inclusive mais pobres, erradicarão o
analfabetismo de adultos antes do Brasil. Os que se preocupam com a educação
investem em escolas privadas para resolver o problema de seus filhos, não do
país. Não têm educação de qualidade como propósito nacional, apenas para seus
filhos, ignoram a educação de todos que é utilizada para calcular o IDH. Não
vemos a necessidade de executarmos uma estratégia nacional consistente a longo
prazo, para termos educação de qualidade para todos, sem o que o IDH não sobe
em relação aos outros países.
A
resistência à essa estratégia decorre, em primeiro lugar, de que não e
gostarmos de longo prazo, preferimos as ilusões dos pequenos passos – Fundef,
Fundeb I e II, Piso Salarial do Professor, Merenda, Livro Didático, PNE-I e II,
IDEB, ENEM. Tudo certo e tudo insuficiente. Em segundo lugar, porque educação
com a máxima qualidade pelos padrões internacionais não é um sonho brasileiro,
ainda menos a crença de que a escola deve ter a mesma qualidade independente da
renda e do endereço da família. Preferimos nos comparar pelo padrão FIFA do que
pelo padrão PISA ou IDH. Nestas condições, dificilmente vamos ter uma
estratégia de longo prazo para o governo federal adotar a educação de base nas
cidades pobres. o apego municipalista prefere sacrificar as crianças das
cidades pobres a entregar as escolas municipais ao governo federal.
Por isto, daqui a dois anos teremos novas surpresas tristes com o PISA e com o IDH e jogaremos a culpa no governo do momento, esquecendo os erros de todos nós no passado e relegando a tragédia no futuro.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
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