“Você
teve um voto. O resto foi meu”
Ao assumir a presidência da República em janeiro de 2019, a prioridade número um de Jair Bolsonaro era reeleger-se dali a quatro anos. Quanto ao resto, empurraria com a barriga.
Depois,
à medida que seus três filhos zeros começaram a ser alvos de denúncias por
corrupção, a reeleição passou a ser a prioridade número dois. Se não salvar os
filhos, não se salvará.
É
preciso, pois, desacreditar os autores das denúncias, especialmente a imprensa,
que as divulga e pressiona os demais poderes a investigá-las a fundo.
A
mais recente denúncia bateu diretamente à porta do gabinete presidencial no
terceiro andar do Palácio do Planalto, e isso explica a escalada recente dos
ataques de Bolsonaro à imprensa.
Ele reuniu-se
com advogados do seu filho Flávio, acusado de embolsar dinheiro público à época
em que era deputado estadual no Rio, com o propósito de ajudá-los no que fosse
possível.
Estavam
presentes o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e
seu subordinado, o delegado Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin).
Dois
relatórios, mais tarde, enviados por Ramagem aos advogados, são a prova de que
a Abin deu o caminho das pedras para que eles fossem bem-sucedidos em sua
tarefa.
A descoberta de que isso aconteceu, pode configurar crime de responsabilidade praticado por Bolsonaro e, no limite, até custar-lhe o mandato, deixou o presidente da República apoplético.
Sua
entrevista, ontem, ao canal do filho Eduardo no Youtube não contém nada de
novo, mas é uma demonstração de como ele está fortemente incomodado com o
episódio.
“Me
chama de corrupto, vamos lá”, desafiou Bolsonaro referindo-se à imprensa. “Me
chama de corrupto, porra. Não tem mais grana mole para vocês. Acabou a treta. O
fim de vocês está próximo”.
“Imprensa
canalha, não vale nada”, insistiu. “Não leiam jornais. É tudo um lixo. Vão para
a internet. […] Ai do ministro se eu souber que [no seu local de trabalho] tem
jornais”.
Como
seria impossível ocupar mais de uma hora de entrevista somente falando mal
da imprensa, Bolsonaro revisitou seu estoque de temas preferidos. Ao fazê-lo,
repetiu as velharias de sempre.
Sobre
a facada que levou em Juiz de Fora: o caso foi mal apurado porque Sérgio Moro
era o ministro da Justiça. Líderes políticos da esquerda queriam matá-lo, e
ainda querem.
Sobre
o voto eletrônico: não confia nele e, por seus cálculos, mais de 70% dos
brasileiros também não. Perguntou: “Em que país do mundo esse sistema foi
adotado?”
Sobre
tortura no período da ditadura militar de 64: “[Os que reclamam] não eram
presos políticos, eram terroristas. E eram tratados [nos porões do regime] com
toda a dignidade”.
Sobre
as eleições municipais: “A imprensa falou que eu perdi. Quantos prefeitos eu
tinha? Zero. Então vou dar uma de Dilma aqui: Eu não ganhei nem perdi”.
E
sobre a pandemia: “Ela está chegando ao fim. A pressa da vacina não se
justifica. Vão inocular algo em você. O seu sistema imunológico pode reagir
ainda de forma imprevista”.
Por
último, em meio a risadas, humilhou o filho ao trocar de posição com ele.
Travou-se então o seguinte diálogo:
–
Vamos ver se você está ficando inteligente. Você teve quantos votos nas últimas
eleições? – perguntou Bolsonaro.
–
Eu fui eleito [deputado federal por São Paulo] com 1.843.735 votos em 2018 –
informou Eduardo.
–
Não aprendeu nada. Você teve um voto. O resto foi meu.
Enquanto
o pai gargalhava, o filho apenas retrucou:
–
Você não acha que foi o meu trabalho?
Bolsonaro
não respondeu.
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