Países de dimensões continentais têm inércia de manobra comparada aos grandes navios. Erros estratégicos na economia e nas políticas públicas têm graves consequências
A
história universal tem inúmeros exemplos de tragédias humanitárias, causadas
por fenômenos geológicos, climáticos, biológicos e/ou decisões políticas
equivocadas, às vezes a combinação de duas ou mais causas. Essas tragédias
deixam traumas sociais e provocam mudanças culturais e políticas. Uma das
calamidades mais devastadoras da humanidade foi a peste negra, entre 1347 e
1351, que matou 50 milhões de pessoas na Europa e na Ásia. Causada por uma
bactéria (Yersinia Pestis), a doença foi transmitida ao ser humano por meio das
pulgas dos ratos e outros roedores. A peste disseminou o antissemitismo,
provocou revoltas camponesas e a Guerra dos 100 Anos, mas, também, deu origem
ao Iluminismo, em contraposição às teses místicas que atribuíam a doença ao
castigo divino.
Em 1755, o grande terremoto de Lisboa resultou na destruição da capital portuguesa. O número exato de vítimas da tragédia é desconhecido, mas estima-se que pode ter chegado a 90 mil pessoas. Como consequência, o primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, precisando de recursos para reconstruir Lisboa, acabou com as capitanias hereditárias no Brasil, transferiu a capital de Salvador para o Rio de Janeiro, criou o Distrito Diamantino, aumentou a cobrança de impostos nas Minas Gerais e fortificou as fronteiras na Amazônia, entre os quais o grande Forte Real do Príncipe da Beira, à margem direita do Guaporé, em Rondônia. Em contrapartida, a “derrama” deflagrou o movimento de Independência, cujo marco histórico foi a Inconfidência Mineira.
Em
abril de 1986, um reator da central nuclear de Chernobyl explodiu e liberou uma
imensa nuvem radioativa, contaminando pessoas, animais e o meio ambiente de uma
vasta extensão da Europa. Na Ucrânia, Belarus e Rússia foram evacuadas e
reassentadas 200 mil pessoas. O negacionismo e a censura agravaram a tragédia.
Mais de 90 mil pessoas ainda poderão morrer de câncer, causado pela radiação do
acidente nuclear. O episódio foi decisivo para Gorbatchov iniciar a glasnost
(transparência) e desistir da corrida nuclear, o que acabou com a guerra fria
com os Estados Unidos e foi um dos catalisadores do fim da própria União
Soviética.
A
maior tragédia humanitária do século passado, porém, não teve nada a ver com
eventos geológicos, climáticos ou biológicos. Foi fruto do nacionalismo
extremado de algumas nações e da ambição de poder de Adolf Hitler. A II Guerra
Mundial, entre 1939 e 1945, mobilizou mais de 100 milhões de militares e deixou
mais de 70 milhões de mortos. Foi a única vez que armas nucleares foram
utilizadas em combate, resultando na morte de mais de 140 mil pessoas no Japão,
nos bombardeios feitos pelos Estados Unidos nas cidades de Hiroshima e
Nagasaki. Além disso, a loucura de Hitler resultou no Holocausto. Dos 6 milhões
de judeus mortos somente em Auschwitz, o mais conhecido campo de concentração
nazista, 1 milhão foi assassinado nas câmaras de gás e cremados.
Mortes
em massa também foram provocadas por decisões políticas e econômicas
equivocadas de líderes comunistas. As coletivizações forçadas de Josef Stálin,
na antiga União Soviética, nos anos de 1932-33, mataram de fome 10 milhões de
camponeses na Ucrânia, e 1,25 milhão no Cazaquistão. O Grande Salto Adiante de
Mao Tse Tung, na China, de 1958 a 1961, matou de fome 20 milhões de chineses.
Entre 1994 e 1998, na Coreia de Norte, o fim da ajuda soviética, fatores
climáticos e erros de planejamento de Kim Jong-un provocaram a morte de, pelo
menos, 600 mil pessoas por desnutrição (fala-se em até 3 milhões de
norte-coreanos).
Países
de dimensões continentais, por sua escala demográfica, têm inércia de manobra
comparada aos grandes navios. Erros no rumo estratégico, principalmente na
economia e políticas públicas, têm consequências de grande envergadura. O que
está acontecendo nos EUA, por exemplo, devido ao negacionismo de Donald Trump,
entrará para os anais da história como uma dessas grandes tragédias. O país é o
epicentro da pandemia de covid-19, com 17 milhões de casos confirmados e 300
mil mortos pelo novo coronavírus, mais do que o número de soldados americanos
mortos na II Guerra.
Aqui, no Brasil, com quase 7 milhões de infectados e 190 mil mortos, o presidente Jair Bolsonaro vai pelo mesmo caminho, com seu negacionismo, que chega a aponto de se recusar a tomar a vacina contra a covid-19. Sabota, assim, os esforços realizados por autoridades de saúde, prefeitos, governadores e até mesmo pelo governo federal — cuja atuação deixa muito a desejar — para conter a epidemia e imunizar a população contra a doença, única maneira de salvar a economia de profunda recessão e do desemprego em escala sem precedentes, ou seja, de voltar à vida normal. A história não perdoa erros dessa magnitude.
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