Coube
ao presidente do BC dizer que a vacina custa menos do que a ajuda emergencial
Não
basta que existam vacinas com eficácia comprovada. Para salvar vidas e
restabelecer a normalidade da economia, é preciso vacinar 100% da população no
prazo mais curto possível, como já está ocorrendo na Europa e nos EUA.
Infelizmente, em vez de agir com rapidez e eficiência, reduzindo o número de
mortes e a incerteza, o governo se comporta como se o problema não existisse. É
surpreendente, mas coube ao presidente do Banco Central, e não ao presidente da
República, explicar que “a vacina custa menos do que uma ajuda emergencial”. De
fato, além de prolongar a crise sanitária a ausência de um plano eficiente de
vacinação expõe a economia a nova desaceleração, aumentando a pressão para que
ocorram mais gastos e aumente o desemprego, fechando-se um círculo vicioso que
precisaria ser rompido. Mas meu propósito neste artigo não é expressar mais uma
vez minha indignação pelo desrespeito do governo com a vida humana, e, sim,
abordar como a elevada incerteza retarda a recuperação econômica.
A FGV constrói um índice de incerteza da economia. Quando ele está abaixo de 100, o grau de incerteza é baixo, o que significa que há uma elevada previsibilidade que é essencial para planejar os investimentos em capital fixo, que contribuem para o crescimento econômico. Observa-se que nas três recessões que precederam a “recessão da covid” sempre ocorreu uma forte queda da taxa de investimentos associada a elevações do índice de incerteza da economia para próximo de 130 pontos.
Na recessão de 2002, por exemplo, o risco de que o governo Lula não manteria o compromisso assumido por FHC, de gerar superávits primários suficientemente elevados para reduzir a relação dívida/PIB, provocou o aumento do índice de incerteza ao lado de uma queda da taxa de investimento de 18% para 16% do PIB. Porém, a rápida adesão do governo às metas de superávits primários derrubou o índice de incerteza abaixo de 100, ocorrendo uma elevação de dois pontos porcentuais na taxa de investimento e uma rápida recuperação da economia. Na crise de 2008, o índice de incerteza também se elevou acima de 130, e a taxa de investimentos caiu de 20% do PIB para 18%. Foi uma recessão curta que também se encerrou com a rápida recuperação dos investimentos associada à queda do índice de incerteza abaixo de 100.
Precedida
pela malfadada experiência da “nova matiz macroeconômica”, em 2014 iniciou-se
uma recessão que durou até o final de 2016. Embora desta vez o pico do índice
de incerteza também tenha atingido em torno de 130, manteve-se persistentemente
elevado – acima de 110 pontos – até o final de 2019 e, como não poderia ser
diferente, a taxa de investimentos manteve-se em nível histórico de baixa.
Contrariamente às duas recessões anteriores, cuja recuperação foi liderada pelo
aumento da formação bruta de capital fixo, desta vez ela foi liderada pelo
consumo, que não tem a mesma força propulsora, ou o mesmo “efeito
multiplicador”, dos investimentos em capital fixo. Foram três anos consecutivos
de crescimento do PIB a uma taxa média de apenas 1% ao ano, pouco acima da taxa
de crescimento populacional, de 0,8% ao ano, mantendo deprimida a renda per
capita.
Logo
que a covid atingiu o Brasil, o índice de incerteza da economia saltou para 210
pontos, recorde absoluto da série. Recuou em seguida, mas vem se mantendo em
150 pontos, que é bem superior aos valores máximos anteriormente atingidos por
este indicador. Com tal nível de incerteza, é literalmente impossível admitir
que a retomada dos investimentos em capital fixo será uma força motriz da
recuperação da economia em 2021. A exemplo do ocorrido na saída da longa recessão
iniciada em 2014, teremos de nos beneficiar da recuperação do consumo, que além
da esperança nos efeitos de uma suposta e questionável “desova” da assim
chamada “poupança precaucional” terá de enfrentar os freios impostos pelo fim
da ajuda emergencial a 66 milhões de pessoas, e uma elevada taxa de
desemprego.
Os
dados mais recentes confirmam que a “recessão da covid” foi bem menor do que se
temia, já que não se imaginava tamanho estímulo fiscal, provocando “apenas” uma
contração entre 4% e 4,2% do PIB. Mas para crescer acima de 4% em 2021, que é
apenas o efeito estatístico herdado de 2020, é preciso reduzir o grau de
incerteza da economia, o que exigiria vacinação rápida da população e o
delineamento de uma estratégia de crescimento. Com este governo, há pouca ou
nenhuma esperança que isto ocorra.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados.
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