domingo, 20 de dezembro de 2020

Bernardo Mello Franco – Aliança contra o autoritarismo

- O Globo

Demorou, mas Rodrigo Maia enfim começou a mover as peças no tabuleiro da sucessão na Câmara. Na sexta-feira, o deputado anunciou um bloco de 11 partidos para enfrentar o candidato do governo. Conseguiu algo que até outro dia parecia impensável: unir na mesma foto os presidentes de PT e PSL.

O grupo redigiu um manifesto para justificar a aliança heterogênea. “Esta não é uma eleição entre candidato A ou candidato B. Esta é a eleição entre ser livre ou subserviente; ser fiel à democracia ou ser capacho do autoritarismo; ser parceiro da ciência ou ser conivente com o negacionismo”, afirma o documento.

O bloco superou as diferenças em nome de um objetivo comum: proteger as instituições de um governo que se esforça para corroê-las. “Certamente, Ulysses Guimarães estaria deste lado”, arriscou o presidente da Câmara. O Senhor Diretas teria notado os riscos há mais tempo, mas cada um sabe o que fez em 2018.

Além de ter votado em Bolsonaro, Maia ajudou a sustentá-lo no poder. Ele liderou a aprovação da reforma da Previdência, que manteve o apoio do mercado ao presidente. Depois sentou-se sobre uma pilha com mais de 50 pedidos de impeachment. A blindagem teve o efeito de um salvo-conduto. O capitão continuou a cometer crimes de responsabilidade em série, ameaçando as instituições e sabotando o combate à pandemia.

Ainda assim, a Câmara travou as pautas mais obscurantistas do Planalto. Impediu o liberação geral das armas, vetou projetos contra o meio ambiente, preservou as terras indígenas e protegeu direitos das mulheres e das minorias. Essas barreiras tendem a sumir se Bolsonaro emplacar o sucessor de Maia.

Desengavetar a agenda de costumes é vital para a reeleição de Bolsonaro. Apesar de ter se rendido ao centrão, o governo precisa manter o clima de radicalização política no ar. A retórica anticorrupção perdeu força após a deserção do soldado Moro e a prisão do sargento Queiroz. Agora o capitão depende de temas como aborto, ideologia de gênero e excludente de ilicitude.

No papel, a arca de Maia reúne votos suficientes para vencer o governista Arthur Lira. No entanto, siglas como PSL e PSB já embarcaram divididas. O presidente da Câmara ainda precisa definir seu candidato, e a votação secreta aumenta o espaço para traições.

A oposição piscou para Lira, mas parece ter compreendido o perigo de entregar as chaves da Câmara a Bolsonaro. Se for bem sucedido, o bloco contra o autoritarismo pode apontar um caminho para 2022. Ninguém aposta numa frente tão ampla que seja capaz de unir esquerda, centro e direita civilizada. Mas é possível voltar a pensar numa grande aliança pela democracia no segundo turno.

+ + + 

O embaixador Roberto Abdenur, entrevistado na coluna de quinta-feira, pede um registro sobre as suas críticas a Nestor Forster, atual embaixador do Brasil nos EUA. “Ele ligou para reclamar dos meus comentários. Tivemos uma conversa amistosa e concluí que fui injusto com ele”, diz Abdenur.

Nenhum comentário: