No
apagar das luzes do ano legislativo, houve alvoroço entre governo e deputados
na votação da PEC 319/17, que aumenta repasses da União a prefeitos via Fundo
de Participação dos Municípios
No apagar das luzes do ano legislativo, houve alvoroço entre governo e deputados na votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 319/17 que aumenta os repasses da União a prefeitos via Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O objeto da deliberação ilustra a necessidade de reajustes no pacto federativo. Mas a maneira como ela foi conduzida mostra o quanto necessidades como essa podem ser desvirtuadas em moeda de troca no jogo político, eclipsando o interesse público. Ademais, expõe a esquizofrenia do Planalto.
O
debate em si é pertinente. A União é pródiga em atribuir responsabilidades aos
municípios, muitas vezes sem levar em conta as condições reais para a sua
satisfação. O FPM é a principal fonte de recursos para os municípios, sobretudo
os menores e mais desprovidos das receitas do comércio, indústria ou
agricultura.
O problema envolve a questão dos repasses, mas também outras, como a própria existência de municípios pequenos demais para se sustentar, e que talvez devessem ser unidos a outros (como propõe a PEC do Pacto Federativo); ou as perdas de arrecadação dos entes subnacionais derivadas de isenções impostas pela União (como aconteceu com a Lei Kandir); e a necessidade de cobrar dos municípios reformas que garantam a sua viabilidade fiscal.
A
PEC aumenta em 1% os repasses para os municípios. Atualmente, 49% da
arrecadação do Imposto de Renda e 22,5% do Imposto sobre Produtos
Industrializados são direcionados às prefeituras via FPM. A proposta prevê um
aumento para 23,5% em quatro fases: 0,25% nos dois primeiros anos; 0,5% no
terceiro e 1% a partir do quarto ano. O projeto foi aprovado pelo Senado e em
primeiro turno pela Câmara em 2019.
No
dia 21, às vésperas do fim do ano parlamentar, a proposta foi incluída na pauta
de votação pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A equipe econômica
do governo imediatamente acusou uma “pauta-bomba”. Com efeito, apesar de ser
defendida como um meio de recompor receitas dos municípios em vista da
pandemia, a proposta teria efeitos permanentes, gerando um impacto de R$ 43
bilhões em 12 anos à União. De resto, como mostrou o Estado, a maioria das
prefeituras herdará um caixa mais cheio em 2021, seja porque o socorro federal
superou em R$ 24 bilhões as perdas de receitas e os gastos com o combate à
pandemia, seja porque a arrecadação já se encontra em patamares superiores aos
do ano passado.
O
secretário do Tesouro, Bruno Funchal, advertiu que a aprovação da PEC
contribuiria para a desorganização fiscal, minando a credibilidade do País na
sustentação das contas públicas. “Acaba sendo ruim para todo mundo. Isso
reflete nos juros e a retomada fica prejudicada.” O líder do governo na Casa,
Ricardo Barros (PP-PR), chegou a discutir com Maia.
Ocorre
que foram parlamentares da própria base governista, encabeçados pelo deputado
Júlio Cesar (PSD-PI), que pediram a inclusão da PEC na pauta. Como a proposta
tem apoio do candidato do governo à presidência da Câmara, um dos líderes do
Centrão, Arthur Lira (PP-AL), em menos de 24 horas o Planalto deu um cavalo de
pau e passou a apoiar a aprovação. O próprio Ricardo Barros sacou uma
justificativa mal-ajambrada, apoiando-se no bordão “Mais Brasil e Menos
Brasília”: “Não é o melhor momento, mas está no DNA liberal do governo”.
Realmente,
não é o melhor momento. Mas o fato de que de um dia para o outro tenha se
tornado para o Planalto o momento certo, mostra o quanto as suas decisões podem
solapar o interesse público em nome dos interesses do presidente e seus aliados
circunstancias do Centrão. A votação foi interrompida a 7 minutos do fim do ano
parlamentar. Mas a bomba está armada. Claramente, o governo não terá pruridos
em deixá-la estourar, lançando estilhaços nas contas públicas federais já
fragilizadas. “Qual a posição do governo, contra ou a favor?”, indagou Rodrigo
Maia. Resta claro, já prenunciando o que virá nos próximos dois anos, que quem
dará a resposta será o Centrão.
Presente dramático, futuro incerto – Opinião | O Estado de S. Paulo
No
Brasil, pandemia foi particularmente cruel para os trabalhadores com até 24
anos
Em geral pouco favorável para os jovens em todo o mundo, no Brasil o mercado de trabalho tornou-se particularmente cruel para os trabalhadores com até 24 anos por causa da pandemia. No mundo, essa é a faixa etária mais atingida pelo desemprego. No Brasil, mesmo os jovens com alguma ocupação enfrentam dificuldades. Dos que trabalham, mais de três quartos, ou 77,4%, têm emprego de baixa qualidade.
Para
muitos, o futuro pode não ser melhor. Alta rotatividade combinada com baixos
salários minam as condições para que os jovens adquiram novos conhecimentos e
novas habilidades que os preparem para ter desempenho e competências melhores
e, consequentemente, salários mais altos e vida mais confortável do que a
atual. Para o País, a perda de oportunidade de treinar os jovens para um mundo
do trabalho cada vez mais exigente e seletivo pode significar atraso na corrida
mundial pela competitividade e produtividade, fatores indispensáveis para o
crescimento da economia.
São
quase oito em dez jovens trabalhadores ocupados que estão em situação
vulnerável, caracterizada por salários baixos, instabilidade no emprego, rede
de proteção insuficiente e condições de trabalho inadequadas, como mostrou
reportagem do Estado. São 7,7 milhões de jovens brasileiros trabalhando
nessas condições. A vulnerabilidade entre esses trabalhadores é maior para os
da faixa etária de 25 a 64 anos (dos quais 39,6% estão em condição vulnerável)
e acima de 65 anos (27,4%).
Das
quatro condições que caracterizam a vulnerabilidade do trabalho utilizadas na
pesquisa da consultoria IDados na qual se baseou a reportagem do jornal, duas
são particularmente ruins para os trabalhadores jovens: renda e estabilidade.
Para cerca de 90% desses trabalhadores, a remuneração é inferior ao custo de
seis cestas básicas (o rendimento mensal varia de R$ 398 a R$ 539) e 75% estão
há menos de 36 meses no emprego.
No
mundo, a renda dos mais jovens, por serem menos experientes, é menor do que a
dos trabalhadores com mais idade. Os jovens têm também maior dificuldade de
encontrar emprego, justamente por causa da inexperiência. “Mas, no Brasil, os
porcentuais indicam uma qualidade do emprego pior por causa da maior
rotatividade e da informalidade”, diz o economista responsável pela pesquisa,
Bruno Ottoni.
Além
da pressão sobre o salário, a baixa qualidade do emprego dos jovens tem outros
impactos sobre a vida desses trabalhadores. Eles têm menor, ou nenhuma,
proteção do sistema público de previdência e de assistência social, o que os
torna desprotegidos em situações de desemprego ou de doença.
Dos
jovens trabalhadores com até 24 anos de idade, praticamente um terço (32,7%)
não tem registro em carteira de trabalho. Não tem direito a seguro-desemprego,
por exemplo.
Com
renda baixa, sem garantias adequadas e trabalhando em geral em condições
inadequadas, boa parte desses jovens acaba por abandonar os estudos antes de
concluir o curso que os habilitaria a ter um futuro melhor. Interrompe-se sua
educação formal. E em poucas situações o trabalho será um local de aprendizado
adequado de um ofício que lhes permitirá melhorar de vida. Perde-se a
oportunidade de formação indispensável para que o trabalhador tenha futuro
melhor e o País ganhe maior capacidade de crescimento.
Em
certos casos, cria-se um círculo vicioso, no qual a baixa qualificação leva à
rotatividade da mão de obra jovem e a rotatividade impede que esse jovem
adquira novas habilidades e qualificações. A falta de vínculos formais de
emprego, que implicam custos de demissão, realimenta esse processo. Pereniza-se
um ciclo no qual o País mergulhou há anos, que impede o avanço da produtividade
da economia nacional.
Até
há pouco, a demografia ajudou o crescimento, pois a população em idade de
trabalhar crescia mais do que os demais segmentos. Isso acabou em 2018. A
produtividade poderia compensar essa perda, mas ela também está sob risco. O
cenário futuro não tem brilho.
A transição dos prefeitos – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
transição civilizada de poder é respeito com o eleitor e zelo pelo interesse
público
No regime democrático, os cargos eletivos são necessariamente temporários. Por meio do voto, o eleitor mantém ou muda o grupo político que está no poder – reelegendo o governante, elegendo o candidato da situação ou escolhendo alguém da oposição. A alternância do poder é, assim, elemento natural de toda democracia.
Dessa
forma, aceitar a derrota nas eleições faz parte do jogo democrático. Por
exemplo, a atitude de Donald Trump, contestando sem nenhuma prova o resultado
das urnas, feriu profundamente o espírito democrático. É preciso saber ceder o
cargo a quem o povo concedeu a vitória nas urnas.
Mas
não basta aceitar o resultado eleitoral. O espírito democrático deve conduzir a
uma transição harmoniosa entre as equipes de governo, permitindo efetiva
continuidade do cuidado com a coisa pública. Possivelmente o novo ocupante do
cargo terá prioridades diferentes das do seu antecessor, como também outro modo
de coordenar as equipes, conduzir os projetos, levar adiante as promessas de
campanha. Essas naturais diferenças não excluem a necessidade de um trabalho
coordenado das duas equipes de governo, assegurando que nenhuma pendência ou
urgência seja esquecida no meio do caminho. Seja na esfera federal, estadual ou
municipal, um governante sempre tem muitas e grandes responsabilidades.
Descuidar delas pode trazer graves prejuízos para a população.
A
transição civilizada entre duas gestões não é apenas um gesto de boa educação.
É respeito com o eleitor, que concedeu o poder ao eleito. E é também zelo pelo
interesse público. A circunscrição administrativa não pode simplesmente parar
em razão de uma troca de comando.
Além
disso, a transição de poder profissionalmente conduzida é uma exigência da
Constituição, que estabelece que “a administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência”. Por exemplo, o governante que não facilita a
transmissão do poder ao seu sucessor desrespeita o princípio da impessoalidade.
Da mesma forma, o chefe do Executivo – seja o presidente da República, o
governador ou o prefeito – não cumpre os princípios constitucionais da
eficiência e da moralidade se não trabalha ativamente em prol de uma transição
coordenada com a equipe do novo ocupante do cargo.
Num
Estado Democrático de Direito, governar exige constante prestação de contas do
exercício do poder aos órgãos de controle, à população e também a quem vai
assumir depois o cargo. O exercício do poder público nunca é algo arbitrário,
insuscetível de cobrança e controle. E isso envolve transmitir ao sucessor os
assuntos pendentes, os possíveis cenários e desafios, os critérios que foram
levados em conta nas decisões. Ou seja, a transição de poder não é mera
transferência da capacidade decisória, mas comunicação efetiva das
circunstâncias envolvidas, bem como, na medida do possível, dos erros cometidos
e aprendizados realizados.
Uma
transição eficiente do poder não se resume a boas práticas de quem deixa o
cargo. O governante eleito tem também papel decisivo na empreitada. Não pode
pretender, por exemplo, fazer tábula rasa da gestão anterior. Além de pouco
realista, essa atitude é prejudicial ao interesse público. Sempre há pontos
positivos a serem mantidos. Bons projetos não devem ser interrompidos por
simples troca de partido no poder, assim como levar adiante uma obra em
andamento é manifestação de respeito com o dinheiro público investido.
A
próxima transição das gestões municipais é uma oportunidade para a população
avaliar o modo como os prefeitos, estejam deixando ou assumindo o cargo, tratam
o interesse público. O cuidado na transição é essencial para avançar em temas
fundamentais como saúde, educação e saneamento. Em quatro anos, pode-se fazer
muita coisa, especialmente quando não se desperdiça o que foi feito antes e
quando se trabalha com uma perspectiva que vai além dos quatro anos de mandato.
Pandemia ceifou dois anos da vida dos brasileiros – Opinião | O Globo
Alta
de 19% na mortalidade é o saldo macabro dos erros em série cometidos pelo governo
Bolsonaro
O
brasileiro já perdeu em média quase dois anos de vida em virtude da pandemia,
revelam cálculos da pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), com base nos dados do Portal da Transparência do
Registro Civil coletados até 16 de dezembro. É a primeira vez, desde que
existem números confiáveis sobre o tema (décadas de 1940 e 1950), que a
expectativa de vida cairá no país.
As
quase 200 mil vidas ceifadas pelo novo coronavírus representarão, nas contas
dela, uma alta de quase um quinto (19%) sobre as mortes registradas todo ano.
Sozinha, a Covid-19 terá matado pelo menos o triplo do que matam todas as
causas externas, como acidentes de trânsito ou homicídios. Os números ainda são
preliminares (só quando o DataSUS consolidar todas as informações sobre a
mortalidade de 2020 serão definitivos). Mas já bastam para dimensionar o
tamanho da tragédia que se abateu sobre nós.
Pandemias
costumam representar um choque dramático na expectativa de vida. A gripe de
1918/19 tirou, num período de 12 meses, 6,8 anos de vida dos americanos, 8,3
dos franceses e 12,2 dos espanhóis. Levou pelo menos três anos até que se
recuperasse o estado de saúde pública anterior.
Perto
desses números, a queda de 1,9 ano na expectativa de vida do brasileiro — de
76,5 para 74,6 anos — pode parecer pequena. Mas é preciso lembrar que aquele
vírus, uma cepa do H1N1, matava sobretudo os mais jovens, enquanto, no Brasil,
77% das vítimas da Covid-19 têm mais de 60 anos. Isso resulta numa perda menor
em anos esperados de vida e reduz menos a expectativa da população como um
todo.
Para
quem tem mais de 60 anos, porém, a queda foi de 4,5 anos. Antes, um brasileiro
que chegasse a essa idade poderia esperar viver em média 23,6 anos. Agora,
apenas 19,1. “Como uma proporção elevada de famílias brasileira depende do que
os idosos ganham para viver, também haverá perda significativa de renda”,
afirma Camarano.
A
principal diferença da pandemia de cem anos atrás para a atual é outra. Naquela
época, poucos acreditavam que a causa da gripe fosse um vírus (entre os
cientistas, o consenso era que se tratava de uma bactéria). De lá para cá,
acumulou-se uma quantidade de conhecimento inacreditável, capaz de desenvolver
e produzir vacinas comprovadamente eficazes contra a Covid-19 em apenas dez
meses.
Com
base nesse mesmo conhecimento científico, teria sido possível evitar a maior
parte das quase 200 mil mortes causadas pelo novo coronavírus no Brasil. Prova
disso está no exemplo de países como China, Austrália, Nova Zelândia, Japão ou
Coreia do Sul. Em nenhum deles, a mortalidade sofrerá um baque nem de longe
comparável ao que sofremos aqui.
As
centenas de milhares de mortes no Brasil — e a consequente redução na
expectativa de vida do brasileiro — são o saldo macabro dos erros em série
cometidos pelo governo Bolsonaro, que continua desprezando a pandemia e a
vacinação, enquanto os cadáveres continuam a se acumular.
Privatização da Cedae poderá servir de alavanca para o Rio – Opinião | O Globo
O
aumento da participação do setor privado no saneamento terá reflexos positivos
em várias áreas
Foram
necessários anos de descaso com a incapacidade de a Cedae prestar um serviço
minimamente aceitável no saneamento básico fluminense, principalmente na Região
Metropolitana, para que afinal fossem vencidas as resistências políticas e
corporativistas à privatização da empresa. Decreto do governador em exercício
Cláudio Castro, publicado no Diário Oficial da última segunda-feira, pôs enfim
em licitação os serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de
esgoto prestados de maneira precária pela estatal. É uma oportunidade histórica
para cariocas e fluminenses saírem do século XIX num segmento vital da
infraestrutura básica.
Vice
de Wilson Witzel, afastado sob acusações de corrupção, Castro conhece bem as
resistências de grupos políticos à privatização. Assumiu com as mesmas dúvidas
de Witzel sobre a viabilidade da operação, dizendo-se temeroso de o estado ter
de continuar a injetar recursos na Cedae, uma vez que a estatal não deverá ser
totalmente privatizada, mas continuará responsável por tratar e fornecer água
ao estado e à cidade. O que será vendido à iniciativa privada são quatro blocos
de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto, numa mescla de áreas de
rendas alta e baixa, maneira encontrada pelo BNDES para tornar o negócio
atraente. Castro acabou convencido de que é bom negócio para todos
No
ranking de saneamento básico de 2020 do Instituto Trata Brasil, a cidade do Rio
está em 52º lugar, enquanto Niterói, onde uma empresa privada distribui água,
coleta e trata esgoto, está em 18º —95% do esgoto é recolhido, e tudo é
tratado. Entre as 20 piores cidades do país em saneamento, também segundo o
Trata Brasil, o estado do Rio tem quatro: São Gonçalo, vizinha a Niterói; Duque
de Caxias, Belford Roxo e São João de Meriti, estas três próximas ao Rio. É por
isso que a água do sistema Guandu, da Cedae, é de tão baixa qualidade. Apenas
1% do volume do que a Estação de Tratamento do Guandu recebe vem limpo. O resto
é esgoto.
A
licitação abre uma ampla fronteira de investimentos na região, capaz, pelos
cálculos da Federação das Indústrias do Rio (Firjan), de despejar R$ 42,7
bilhões na economia fluminense, criando 479 mil empregos diretos e indiretos.
Sempre pode haver erro nessas projeções. O certo é que a situação do saneamento
básico no Rio de Janeiro é tão precária que, se os projetos forem elaborados e
executados com eficiência, a privatização do sistema da Cedae será mesmo uma
importante alavanca para a economia e a qualidade de vida da população, com
efeitos positivos no aprendizado escolar, na produtividade no trabalho e no
sistema público de saúde, menos pressionado por vítimas de doenças causadas
pela água suja e pelo esgoto sem tratamento.
Ilegítima defesa – Opinião | Folha de S. Paulo
STF
e, se preciso, Congresso devem evitar que reforço a júris ajude feminicidas
Está
nas mãos dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal —entre os quais apenas 2
magistradas— deliberar, ainda que indiretamente, sobre um dos principais
entraves para a punição de feminicidas no Brasil: o argumento de
legítima defesa da honra.
Apesar
de ultrapassado e ultrajante, esse tipo de defesa, que busca absolver o acusado
apelando para a sua honra marital ou outra estultícia que o valha, convence por
vezes os júris populares.
O
termo se popularizou em 1979 no primeiro julgamento de Doca Street, que
assassinara sua companheira, Ângela Diniz, com quatro tiros. À época, o
primeiro júri absolveu o homicida —que, em 1981, foi condenado por um novo
júri, após a anulação do primeiro.
Pela
Constituição, ao Tribunal do Júri compete julgar os crimes dolosos contra a
vida. Por se tratar dos delitos que mais chocam a comunidade, ou assim
deveriam, a Carta deixa a decisão a cargo de cidadãos não togados,
garantindo-lhes a “soberania dos veredictos”.
O
que está em jogo no STF é se tribunais, em recurso, podem ordenar que um novo
júri seja realizado após absolvições decididas de forma manifestamente
contrária às provas presentes nos autos. Tal prática encontra amparo no Código
de Processo Penal desde 1948.
A
controvérsia atual reside na possibilidade de o júri ser anulado quando absolve
mesmo reconhecendo que o crime ocorreu e que o acusado foi o autor.
Reforma
de 2008 na lei instrui que o júri seja questionado primeiro se o fato criminoso
ocorreu, depois se o réu é seu autor ou dele participou e, em seguida, “se o
acusado deve ser absolvido”. O perigo mora nos casos em que se responde
afirmativamente às três perguntas —e à última após apelos da defesa por piedade
ou clemência.
No
caso concreto em debate no STF, um homem foi absolvido de tentativa de homicídio
pelo fato de a vítima ter sido responsável pelo assassinato de seu enteado. O
que a corte decidir valerá para todos os processos futuros similares.
Recentemente,
a Primeira Turma, mudando entendimento anterior, decidiu por 3 a 2 rejeitar a
realização de um novo júri contra um acusado de tentar matar a esposa com
golpes de faca —seus advogados alegaram a defesa da honra.
Trata-se,
pois, de questão delicada a envolver o instituto problemático do Tribunal do
Júri, que ao menos em tese é cláusula pétrea da Constituição. Espera-se que o
Supremo e, se necessário, o Congresso saibam controlar na lei as distorções que
resultam em impunidade e violência contra mulheres.
Terra arrasada – Opinião | Folha de S. Paulo
Agenda
ideológica de Bolsonaro faz retroceder as políticas ambiental e fundiária
Não
se pode alegar surpresa diante da sanha destruidora do governo Jair Bolsonaro
em áreas naturais e rurais do país. Trata-se quase de compromisso de campanha.
Bolsonaro
investe contra políticas de preservação ambiental escorado na doutrina
ultrapassada de que a regulação impede o desenvolvimento econômico. Não
extinguiu o Ministério do Meio Ambiente, como pretendia, mas acabou por
entregá-lo a um sabotador.
Ricardo
Salles, mantido no cargo, ao que parece, por pirraça do presidente, realiza a
missão de implodir a pasta com a empáfia dos que não conhecem limites. De mais
grave, manietou o Ibama, principal órgão de controle capaz de estancar o
desmatamento —e responsável, no passado, pela aplicação de multa a Bolsonaro
por pesca ilegal.
Em
2021 a agência ambiental combalida terá orçamento 4% menor. Penúria de recursos
e assédio de fiscais por chefias aliadas ao ministro fizeram despencar 60%, de
2019 para 2020, os termos de embargo de propriedades que perderam vegetação
natural sem autorização, repetindo retrocesso do primeiro ano do atual governo.
Política
de devastação bem-sucedida: 11.088 km² de floresta amazônica desapareceram
pelas mãos de grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, princípio da cadeia
que ao final beneficia pecuaristas e fazendeiros. Caíram ainda 7.340 km² de
cerrado, que tem menos da metade da área da Amazônia e, por isso, sucumbe a
ímpeto destruidor ainda mais grave.
As
queimadas avançaram 12% no ano, concentrando-se no Pantanal, onde o incremento
foi de 120% (de 10 mil focos, em 2019, para 22 mil). No conjunto dos seis
biomas do país, os mais de 222 mil incêndios detectados por satélite ainda não
alcançaram a média anual tenebrosa da década 2001-2010 (287 mil), porém seguem
firme nessa direção.
Não
admira que o Ministério Público Federal tenha oficiado já cinco vezes para
defenestrar Salles, investidas até aqui rejeitadas pelo Judiciário. A parcela
mais moderna do agronegócio, algo tardiamente, se mobiliza contra a gestão
ecocida que corrói a imagem do país exportador de commodities.
A
condição de pária internacional se agrava com a recusa presidencial em
implementar políticas fundiárias. Não houve terra indígena identificada,
declarada ou homologada; os recursos para reconhecimento e indenização de
territórios quilombolas praticamente foram eliminados.
São
direitos e obrigações constitucionais que Bolsonaro teima em descumprir à vista
do mundo todo, começando pelos brasileiros.
Ocupação se recupera devagar a partir de agora – Opinião | Valor Econômico
O
setor de serviços terá de mostrar avanços constantes para reduzir a taxa de
desocupação
O
desemprego está aumentando ao mesmo tempo em que a criação de vagas melhora,
mostram a Pnad Contínua do trimestre encerrado em outubro e os dados do Caged
de novembro - os últimos se referem apenas ao emprego formal, com carteira
assinada. A recuperação de postos informais é mais intensa que a dos formais, o
que traz alguma dissonância na aferição da tendência do mercado pelos índices.
No entanto, ela é clara: a retomada das contratações foi forte logo depois de
baterem no fundo do poço, mas será lenta daqui por diante, como demonstra o
fosso considerável existente na comparação, na Pnad, entre trimestre findo em
outubro de 2019 e 2020.
O
desemprego, segundo a Pnad Contínua divulgada ontem, chegou a 14,3%, um número
inferior aos 14,8% previstos por 22 consultorias para o Valor. Ele deverá seguir
subindo até que a economia se livre da armadilha da mobilidade armada pela
pandemia, isto é, quando houver vacinação que atinja uma fatia ampla da
população. Nos meses agudos da pandemia, de março a junho, foram destruídos 1,6
milhão de postos de trabalho. No pico da covid-19, havia mais gente fora da
força de trabalho que dentro dela. Com a volta de alguma mobilidade, a procura
por uma ocupação naturalmente aumentou, sem que tivesse sido correspondida por
igual ritmo de contratações.
Os
números do Caged revelam que os setores mais intensamente afetados pelo
distanciamento social e pela redução da mobilidade foram os que lideraram em
ampliação líquida do emprego: serviços (179,2 mil) e comércio (179,.077), 86,5%
do total do mês. De janeiro a novembro, o saldo da criação de postos foi de
227.025.
Há
ruídos na base do Caged, que mudou com o eSocial e que pode estar
superestimando o saldo de criação de emprego ao subnotificar demissões. Mas a
comparação entre a Pnad Covid de novembro e a Pnad Contínua, que considera o
trimestre móvel encerrado em outubro, embora não diretamente comparáveis, dá a
direção do movimento.
Considerando
a taxa de pessoas ocupadas da Pnad Contínua com a do Pnad Covid, há um aumento
de 400 mil pessoas em novembro (de 84,3 milhões para 84,7 milhões) e expressiva
redução da população fora da força de trabalho, de 77,2 milhões na Contínua
para 72 milhões. A população na força de trabalho sobe de 98,4 milhões para
98,7 milhões de outubro para o mês seguinte.
A
continuidade do movimento de absorção do enorme exército de desocupados e
subocupados, de 46,6 milhões de pessoas (43,8% da força de trabalho) ainda é
precária. Há 5,8 milhões de desalentados que serão movidos a procurar emprego,
seja porque o auxílio emergencial se encerra em janeiro (último pagamento),
como porque movimentações positivas no mercado de emprego abrem a perspectiva
de alguma chance de recolocação.
Além
disso, o fim dos programas de proteção de emprego, que incluíram 9,8 milhões de
trabalhadores com a exigência de proibição de dispensa, também já teve ou terá
sua validade encerrada em breve. Se a economia não mostrar um ritmo consistente
de expansão, mesmo que não vigoroso, as demissões crescerão. A segunda onda de
covid-19 obscurece o horizonte e, dependendo de sua magnitude - tentativas de
lockdowns estão se espalhando por um Brasil onde as UTIs voltaram a esgotar sua
capacidade - ela pode resultar até mesmo em um crescimento negativo no primeiro
trimestre do ano. A proximidade da vacinação traz um horizonte de esperança.
As perspectivas do consumo estão diretamente ligadas à renda e ao emprego. O rendimento médio real habitual de todos os trabalhos mostrou estabilidade na média até outubro, com R$ 2.529. Na prática, esse montante, 5,8% superior ao mesmo trimestre de 2019, indica que permaneceram empregados trabalhadores de maior renda e dispensados os de menor qualificação, o que elevou a média. Os empregados da construção civil estão com seu rendimento médio 4,9% inferior, os de transporte, armazenagem e correios, 6,9% menor e o de outros serviços, 6,8% inferior em relação ao que eram antes da pandemia. As admissões nestes setores abalroados pela pandemia crescem, mas estão longe da normalidade. Como o setor de serviços é o grande absorvedor dos choques da economia, terá de mostrar avanços constantes para reduzir a taxa de desocupação, que tende ao recorde.
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