São
inovações que podem evitar que a pandemia tome conta de 2021. Mas o que explica
o sucesso das novas vacinas é o maciço investimento em pesquisas
Certo
mesmo é que 2020 vai entrar 2021 adentro, por causa da pandemia do novo
coronavírus, cuja segunda onda é o fantasma que ronda a Europa e os
Estados Unidos às vésperas do ano-novo. Aqui, no Brasil, será um pouco pior,
porque a vacina contra covid-19 está muito atrasada e, por isso mesmo, os
efeitos predatórios das atitudes e decisões do presidente Jair Bolsonaro em
relação à pandemia serão também mais duradouros. Como já disse antes, quem
deveria liderar a luta contra a doença sabota os esforços de prefeitos,
governadores, dos sanitaristas e infectologistas, socorristas e enfermeiros,
intensivistas e fisioterapeutas para controlar a doença e salvar vidas.
O
próprio Ministério da Saúde é sabotado, sob comando de um general bem mandado,
nomeado para o cargo por ser especialista em logística de transportes de
tropas, armas e suprimentos, mas que se revelou o ministro mais incompetente da
história da saúde pública no Brasil: Eduardo Pazuello. Provavelmente, ainda
será condecorado e promovido a general de quatro estrelas por maus
serviços prestados. Vivemos tempos distópicos.
Como não lembrar do jovem rapper Emicida, que acaba de lançar um documentário excepcional na Netflix: AmarElo, é tudo pra ontem. “Talvez seja bom partir do final/ Afinal, é um ano todo só de sexta-feira treze/ ‘Cê também podia me ligar de vez em quando/ Eu ando igual lagarta, triste, sem poder sair/ Aqui o mantra que nos traz o centro/ Enquanto lavo um banheiro, uma louça, querendo lavar a alma/ Na calma da semente que germina/ Que eu preciso olhar minhas menina”. O historiador Daniel AarãoReis, em artigo publicado no jornal O Globo (26/12), fez uma belíssima crítica sobre o filme, que se passa em torno de uma apresentação no Teatro Municipal de São Paulo, lotado por pessoas da periferia paulista, que nunca haviam entrado naquele templo da nossa cultura.
“A
construção do futuro melhor dependerá da capacidade de articulação, vontade
determinada e raiva no coração. Que é como cantam, em trio, Majur, Pablo Vittar
e Emicida, os belos versos de Belchior: ‘Tenho sangrado demais, tenho chorado
pra cachorro, ano passado eu morri, mas este ano eu não morro’. Nesta
sinistra pandemia, a ideia de que viveremos livres, corajosos e solidários foi
o melhor presente de Natal que poderíamos ter. Obrigado, Emicida”, escreve o
professor titular de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense
(UFF).
A
pandemia é o espectro por trás da letra de É tudo pra ontem: “Afolha amarela,
igual comida, envelhece”/ É a vida, acontece com pessoa e documento/ É tão
triste ter que vir, coisa ruim pra nos unir/ E nem assim agora, mano, vamo’
embora a tempo/ Viver é partir, voltar e repartir (é isso)/ Partir, voltar e
repartir (é tudo pra ontem)/ Viver é partir, voltar e repartir/ Partir, voltar
e repartir”. Ninguém tem dúvida de que a vacina era para ontem, a vacinação já
começou em mais de 40 países, inclusive na vizinha Argentina, que comprou a
vacina russa, Sputnik V, feita a partir de uma tecnologia nova, que
utiliza adenovírus — vírus causadores de resfriado comum. O governo do Paraná
também comprou essa vacina.
As
vacinas
A
primeira e a segunda dose da Sputnik V utilizam adenovírus diferentes, algo
exclusivo do Instituto Gamaleya. Por meio de engenharia genética, são removidos
os genes de reprodução viral dos adenovírus, ou seja, ele não vai causar
resfriado, será utilizado apenas como “meio de transporte”. Dentro desses
adenovírus são colocados genes codificando a proteína S do coronavírus
(SARS-CoV- 2). Estas proteínas são as que ficam na coroa do vírus causador da
covid-19 e se ligam aos receptores no corpo humano. Uma vez inoculado, o
adenovírus com o gene do coronavírus induz uma resposta imunológica no corpo
humano. Após 21 dias, ocorre a segunda vacinação, com outro tipo de adenovírus,
mas o mesmo material genético do SarsCoV-2. Então, segundo os dados russos,
ocorre uma imunidade ainda mais forte e duradoura.
O
método é semelhante ao usado pela Universidade de Oxford — a vacina na qual o
Ministério da Saúde apostou todas as fichas e que será produzida pela Fiocruz.
As vacinas BioNTech/Pfizer e Moderna, que já estão sendo aplicadas nos Estados
Unidos, também resultam de uma abordagem revolucionária, “aplicável a quaisquer
vacinas futuras”, segundo o geneticista Richard Dawkins: “Sequencie um vírus e
digite uma parte inofensiva em mRNA, corrigido de modo a não ser imuno-rejeitado.
mRNA faz o resto para você. Funciona com qualquer vírus”, explica no
Twitter.
São
inovações desse tipo que podem evitar que a pandemia tome conta de 2021.
Mas o que explica a velocidade e sucesso da produção dessas vacinas é o maciço
investimento feito em pesquisas. Sem as vacinas, a economia mundial entrará em
colapso. Entretanto, desculpe-me o trocadilho, a manipulação genética é dose
pra leão para os negativistas, que não confiam nem nas vacinas que utilizam o
método mais tradicional: o vírus atenuado da própria doença, como acontece com
a vacina chinesa CoronaVac, que já está em produção no Instituto Butantan.
Eppur se muove, diria Galileu Galilei.
Feliz ano-novo, em 2021 estarei de volta.
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