O
Brasil precisa estar presente nas negociações que definirão as regras de
convívio internacional
As
relações entre os Estados Unidos e a China, de cooperação ou de conflito,
serão, na visão de Henry Kissinger, o eixo central da nova ordem internacional.
Barack Obama optou pela cooperação. Donald Trump, pela adoção de sanções unilaterais.
Sua estratégia, no entanto, alcançou resultados modestos.
Após
as sanções da guerra comercial, o déficit com a China permanece no mesmo
patamar de antes, ou seja, cerca de US$ 350 bilhões, na média, por ano. As
restrições à transferência de tecnologia abalaram a Huawei, mas também
prejudicaram empresas e consumidores norte-americanos. A rejeição da Parceria
Transpacífica (TPP, na sigla em inglês), que reunia 12 países sob a liderança
dos Estados Unidos, mas sem a presença da China, mostrou-se um erro estratégico
de Trump, ao ensejar a formação da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP
em inglês) na Ásia, assinada em novembro passado, entre 15 países asiáticos,
que representam um terço da população e do produto mundiais, sob a liderança de
Beijing, sem a presença dos Estados Unidos. Por fim, a China saiu fortalecida
da covid-19 e da crise econômica mundial, pela capacidade de conter a expansão
do vírus e de recuperar mais rapidamente a sua economia.
Joe Biden propõe-se a reverter várias das políticas de seu antecessor. No plano interno, deverá promover a volta da política e a caminhada para o centro, em vez do populismo nacionalista e da radicalização. Na diplomacia, as mudanças serão substanciais. Em lugar das sanções unilaterais, a prioridade do presidente eleito estará na retomada das alianças com parceiros tradicionais, como a Europa, para a negociação de um modus vivendi com a China, na retomada do Acordo de Paris sobre o Clima, na renegociação das salvaguardas nucleares com o Irã e no fortalecimento do multilateralismo.
Os
Estados Unidos de Biden e a Europa pós-crise coincidirão na agenda climática,
inspirada por um green new deal que encontra adeptos fervorosos em
ambos os lados do Atlântico. É preciso ter presente que ambientalismo, mais do
que uma decisão de governo, é um compromisso da sociedade. É a utopia do século
21, que como uma mancha verde influencia os consumidores, espalha-se pela
economia, pela política e pela cultura.
Não
há razão para que Biden tome a iniciativa de hostilizar o Brasil. Mas fortes
correntes políticas tanto em Washington quanto em Bruxelas farão pressão para a
imposição de restrições comerciais se o Brasil não mostrar determinação em
reduzir a taxa de desflorestamento na Amazônia. União Europeia e Estados
Unidos, juntos, representam quase 50% das exportações brasileiras. Se a esse
grupo adicionarmos a China, quase 70% das exportações poderão ser postas numa
zona de risco, seja por motivações ambientais, seja pelas provocações contra
Beijing.
O
mundo mudou. É hora de mudar a política externa, em consonância com as opções
da sociedade, com os interesses da economia, especialmente do agronegócio, e a
necessidade de recuperar a imagem do Brasil entre os importadores e
investidores.
A
esse respeito valeria considerar quatro temas de uma nova agenda:
1)
Revisão da política sobre o clima, de modo a considerar a Amazônia não como um
passivo, mas como um valioso ativo e fator de uma liderança natural que o País
já exerceu e pode voltar a exercer. A região precisa ser vista não como um
problema recorrente ou hipotético objeto de cobiça externa, mas como um
patrimônio a ser explorado de modo sustentável, mediante o engajamento da
sociedade, particularmente do setor privado e da comunidade científica.
2)
Preservação de espaços de autonomia ante a disputa hegemônica entre as duas
grandes potencias. Em artigo recente para a revista Foreign Affairs, um
grupo de influentes militares norte-americanos, entre os quais Jim Mattis,
ex-secretário de Defesa, condenou a pressão de Trump sobre aliados para o seu
alinhamento a interesses norte americanos, por serem contraproducentes.
Destacados intelectuais, como Joe Nye, e diplomatas como o embaixador Tom
Shannon reconheceram publicamente o direito soberano do Brasil de tomar
decisões no seu interesse nacional.
3)
Revalorização das alianças com parceiros tradicionais, como a Europa, o
Mercosul e a Aliança para o Pacífico, de modo a fortalecer a presença externa
do País.
4)
Reafirmação do multilateralismo como instrumento tradicional da diplomacia e um
caminho para sair do isolamento em que o Brasil se colocou, seja em foros
internacionais, como a OMS, o BID e a Ompi, seja em suas relações bilaterais,
por vezes na insólita companhia da Polônia e da Hungria.
No
momento em que os principais atores mundiais estão engajados em redefinir as
bases da economia, forjar uma nova configuração geopolítica e promover a
revisão das instituições internacionais, o Brasil não se pode isolar nem deixar
de estar presente às mesas de negociação em que serão definidas as novas regras
do convívio internacional.
*Conselheiro de Felsberg e advogados, foi secretário executivo do ministério do Meio Ambiente e da Amazônia
Nenhum comentário:
Postar um comentário