Siglas pequenas articulam federação partidária e puxadores de voto para superar cláusula de barreira em 2022
Desempenhos
obtidos nas disputas de 2018 e 2020 servem de alerta para siglas como PCdoB,
PV, Cidadania, Avante, Novo e PSC
Sérgio
Roxo – O Globo
SÃO PAULO — A aprovação de uma lei para permitir a formação de federações partidárias e a escalação dos principais quadros para disputarem vagas de deputado federal estão entre as estratégias já traçadas por legendas pequenas para tentar superar a cláusula de barreira mais rigorosa da eleição de 2022.
Os
desempenhos obtidos nas disputas de 2018 e 2020 servem de alerta para siglas
como PCdoB, PV, Cidadania, Avante, Novo e PSC. A cláusula de barreira é um
mecanismo adotado para reduzir a fragmentação partidária no país e será
implantada de forma gradual até 2030.
Em
2022, ficarão sem acesso a recursos dos fundos partidário e eleitoral e a tempo
de propaganda eleitoral as legendas que não obtiverem pelo menos 2% dos votos
válidos na eleição para a Câmara dos Deputados, distribuídos em um terço das
unidades da federação, com 1% dos votos válidos em cada uma delas. Outra opção
para escapar do corte é eleger pelo menos 11 deputados, distribuídos em um
terço das unidades da federação.
Partidos menores estudam lançar seus principais nomes a deputado federal em 2022, de modo a contar com “puxadores de voto” que garantam uma bancada com número suficiente para superar a cláusula.
A alternativa da federação partidária, por outro lado, enfrenta a resistência de partidos maiores. O expediente ficou fora da reforma eleitoral, aprovada em 2017, que vetou a coligação entre partidos nas eleições para o Legislativo. Instituída a partir de 2020, a proibição das coligações foi considerada um avanço por reduzir a fragmentação partidária nas câmaras de vereadores eleitas em novembro, e o cenário deve se repetir no Congresso em 2022.
No
caso das federações, diferentemente da coligação, a aliança partidária formada
na campanha estaria obrigada a atuar conjuntamente no Legislativo nos quatro
anos seguintes — argumento usado pelos defensores da ideia para mostrar que não
haveria um retrocesso na salada ideológica que marca a política brasileira.
Outra vantagem do fim das coligações foi extinguir a situação em que um voto
contribuía para a eleição de candidatos de partidos sem afinidade entre si.
—
As federações partidárias permitem flexibilizar as alianças, mas seguem o
discurso de enxugamento de legendas. O PCdoB agiria nessa direção — defende
Walter Sorrentino, vice-presidente do partido, que não superou a cláusula de
barreira há quatro anos e acabou se fundindo com o PPL.
O
PV, outro partido que enfrenta o risco de não cumprir a cláusula de barreira,
tem conversado com o PCdoB sobre a viabilização da federação de partidos. Na
eleição de 2018, os verdes obtiveram 1,63% dos votos válidos para deputado federal.
Se repetirem o desempenho, não ultrapassarão a barreira e ficarão sem recursos
públicos e tempo de TV. Na disputa municipal de 2020, o PV teve 1,87% dos votos
para vereador no país.
Existe
resistência à ideia dos nanicos entre lideranças dos maiores partidos na
Câmara. Enquanto líderes de MDB, PSDB e DEM dizem não estar debatendo o
assunto, o Republicanos é contra. O presidente Marcos Pereira afirmou que sua
sigla “é a favor de manter (a legislação) como está”.
O
líder do PT na Câmara, Enio Verri (PR), afirmou que o partido é contra a volta
das coligações e qualquer flexibilização da cláusula de barreira, mas que apoia
o debate sobre federações:
—
A federação é de caráter nacional e tem a duração de quatro anos. Se dois
partidos se unem, terão uma liderança, um só fundo eleitoral e partidário. Uma
coisa só, no Brasil todo.
Outra
sigla ameaçada pela cláusula de desempenho, o Novo pretende colocar como
“prioridade absoluta” a eleição para deputado federal em 2022, mesmo que isso
signifique abrir mão das disputas para governador e senador.
—
O que temos definido como estratégia, bem alinhado inclusive com superar a
cláusula de barreira, é que o foco principal nosso vai ser eleger deputados
federais. Está pacificado dentro do partido e essa vai ser estratégia para 2022
— afirma o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro.
Se
repetir o desempenho da eleição de 2018, o Novo ultrapassa a cláusula de
barreira. O partido teve 2,41% dos votos válidos na ocasião.
O
PSOL é outro partido sob risco. A legenda teve 1,64% dos votos para vereador em
2020, mas se apega aos 2,85% dos votos válidos obtidos na disputa para deputado
federal em 2018.
—
Vamos nos preparar para superar a cláusula em 2022, mas considerando os
resultados de 2018 e 2020, estamos otimistas — afirma Juliano Medeiros,
presidente do PSOL, ressalvando considerar a legislação “antidemocrática”.
Reconfiguração
A
cientista política Lara Mesquita, do Centro de Estudos de Política e Economia
do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que a cláusula de
barreira tende a provocar uma reconfiguração do quadro partidário brasileiro
depois da eleição de 2022.
—
Não espero muitas fusões neste primeiro momento. Quem superou a cláusula de
desempenho em 2018 ainda tem acesso a recurso para fazer campanha, e esses
partidos só vão se fundir depois da campanha de 2022 — projeta Mesquita,
explicando a motivação da legislação. — Todas as democracias do mundo adotam,
de uma maneira geral, uma cláusula de barreira porque não funciona um Parlamento
com tantos partidos. Dificulta a governabilidade, a racionalidade da formação
de uma coalizão de governo.
Mudanças
desde os anos 1990
A
cláusula de barreira é uma tentativa de acabar com os partidos nanicos, de
aluguel ou sem representatividade. O mecanismo havia sido aprovado pelo
Congresso em 1995, por meio de um projeto de lei, para vigorar a partir das
eleições de 2006. O Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, considerou, por
unanimidade, o dispositivo inconstitucional em dezembro daquele ano.
Dos
29 partidos existentes na época, apenas sete tinham ultrapassado a chamada
cláusula de desempenho nas eleições de 2006. Na ocasião, os ministros concluíram
que o mecanismo feria o direito das minorias, expresso na Constituição.
Em
2017, o Congresso aprovou uma emenda à Constituição restabelecendo a cláusula
de barreira. A mesma reforma política acabou com as coligações proporcionais a
partir das eleições de 2020 — outra iniciativa para tentar barrar partidos sem
representatividade. Atualmente, há 33 legendas no país.
A
PEC aprovada em 2017 também vedou a possibilidade de os partidos formarem
federações a partir de 2020, como forma de contornar a cláusula de barreira. É
esse artifício que os pequenos partidos se articulam para aprovar agora.
A
decisão do Supremo, em 2006, de enterrar a cláusula de barreira surpreendeu e
decepcionou cientistas políticos na ocasião. A medida foi considerada ruim para
a democracia ao permitir a pulverização de partidos.
Deputados
e senadores de partidos maiores, por sua vez, consideraram na época a decisão
do STF um retrocesso e avaliaram que ela feria frontalmente a vontade do
Congresso.
Entre os partidos que não tinham superado a cláusula de barreira nas eleições de 2006 e se empenharam para o seu fim estavam PSOL, PPS, PC do B, PV e o PRB do então vice-presidente da República José Alencar, que defendeu diversas vezes o fim da regra. (Colaborou Guilherme Caetano)
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