Ala
política do governo está ocupando espaços dentro do próprio Orçamento, sem que
isso necessariamente atenda às prioridades do País
Não
faltou estratégia nem plano. Foi arquitetada a ação que a ala política do
governo Jair Bolsonaro empreendeu por meses até a abertura do
cofre para destinar R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em
obras em seus redutos eleitorais.
O
dinheiro saiu do Ministério do Desenvolvimento Regional e tem servido como
moeda de troca de apoio às candidaturas do Palácio do Planalto nas eleições das mesas da Câmara e do Senado.
Reportagem
de Breno Pires e Patrik Camporez, do Estadão, revelou a existência de uma
planilha interna de controle de verbas, até então sigilosa, com os nomes dos
parlamentares contemplados com os recursos “extras”, que vão além dos que eles
já têm direito de indicar. Segue o fio:
A
estratégia começou a ser desenhada depois que fracassou a tentativa de criação
do Pró-Brasil, o programa do grupo político-militar (capitaneado pelo
ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional) para deslanchar
investimentos em obras, sobretudo no Nordeste,
onde o presidente queria ampliar sua base de apoio nas eleições municipais, de
olho na sua reeleição em 2022.
Marinho
entrou em choque com o ministro Paulo Guedes,
contrário à politica do Pró-Brasil como resposta à crise da covid-19.
Guedes começou a ser fritado pelos desenvolvimentistas do governo e pelo Centrão, mas resistiu com apoio do mercado financeiro.
O
ministro da Economia sobreviveu à frigideira, mas nunca mais se
acertou com Marinho, que seguiu com os seus planos. Com aval da Casa Civil, a ala política tentou autorização do TCU para deixar que investimentos em obras de 2020
ficassem fora do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas
à variação da inflação.
A
manobra provocou grande turbulência no mercado financeiro. Guedes conseguiu
abafar e ganhou o compromisso público do presidente com a manutenção do teto de
gastos.
O
grupo de Marinho, então, passou a cavar recursos dentro do próprio Orçamento para atender às obras, ao mesmo tempo em que as
costuras políticas já começavam a ser feitas no Congresso.
A articulação foi sacramentada com o remanejo de R$ 3 bilhões do Orçamento para
agradar a base parlamentar. O plano finalmente havia dado certo. Mas surgiu um
imprevisto.
Com
a demora na aprovação do projeto no Congresso, a execução dessas despesas ficou
ameaçada. O governo colocou a AGU no jogo para vencer qualquer barreira junto
ao TCU. Para resolver o problema, a AGU solicitou ao órgão a criação de uma regra que abrisse
caminho à destinação de recursos do Orçamento de 2020 para obras que seriam
executadas em 2021. A regra passou com algumas restrições.
Com
o sinal verde do TCU, a tarefa seguinte foi aprovar os projetos de
remanejamento, já em dezembro. Em meio ao frenesi, até tiraram verbas que
seriam usadas para pagar dívidas com o Banco dos Brics e agências
multilaterais, impondo um vexame internacional ao Brasil.
Contratos
e convênios para obras foram assinados, às pressas, em dezembro, muitos deles
dois dias após serem indicados pelos parlamentares.
O
importante dessa história toda é notar que o dinheiro que começa a ser
distribuído agora vem sendo cavado dentro do Orçamento desde 2020, dia após
dia. E as barreiras à execução desses gastos foram derrubadas uma a uma, com
aval do Planalto e contra a posição de técnicos da Economia.
Nova
decisão importante do TCU está prestes a acontecer nas próximas semanas e terá
impacto direto no Orçamento deste ano que nem foi ainda votado. Trata-se de
deixar ou não dentro do limite do teto de gastos os créditos extraordinários
que financiaram as ações de combate à covid-19 em
2020 e que ficaram para 2021 – um montante de quase R$ 40 bilhões.
Sob
nova direção da área técnica, o relatório diz que esses gastos podem ficar fora
do teto. A primeira avaliação tem sido a de que a instrução apresenta falhas, é
insuficiente e precisa ser reanalisada. Mais um ponto em aberto.
O leitor do Estadão acompanhou passo a passo essa trajetória e suas consequências. Está tudo ligado. A máquina do Executivo a serviço de honrar o toma lá dá cá, ocupando espaços dentro do próprio Orçamento sem que isso necessariamente atenda às prioridades do País.
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