País
ameaça dar mais um passo atrás com eleição no Congresso
Caso
se confirme a eleição dos candidatos apoiados pelo governo para a presidência
das duas casas do Congresso Nacional, o Brasil estará dando mais um perigoso
passo no processo de
regressão democrática em que ingressou com as eleições de 2018.
Conforme
a elegante formulação do ex-ministro Carlos Ayres Britto: “impedir que um
governante subjetivamente autoritário possa emplacar um governo objetivamente
autoritário” é uma das funções fundamentais de um regime democrático e,
portanto, uma tarefa essencial de instituições como o Congresso Nacional e o
Supremo Tribunal Federal.
Com a ascensão de populistas autoritários em diversas partes do mundo, inúmeros regimes democráticos têm sido submetidos a um dramático teste de resiliência. Muitos, como demonstram as experiências da Venezuela, da Rússia, da Hungria, da Índia ou da Turquia, não têm sobrevivido aos ataques de populistas e autoritários que, por meio da erosão e do vandalismo institucional, pavimentam o processo de subversão da democracia liberal.
A
incapacidade de Bolsonaro de estabelecer uma coalizão ampla e sólida no
Congresso Nacional nos dois primeiros anos de mandato impôs ao seu governo a
maior taxa de insucesso legislativo desde Fernando Collor. O fato é que as
bancadas da bala, da bíblia e do boi não conseguiram passar a boiada, como
propugnado pelo ministro do Meio Ambiente.
Em
face desse insucesso, o presidente
tem se servido mais do que todos os seus antecessores —nesse
período democrático— de diversas prerrogativas conferidas ao Executivo para
frustrar determinações e políticas estabelecidas pela Constituição e pela
legislação ordinária. Isso fica especialmente claro nas áreas do
meio ambiente, nas políticas indígenas, de segurança pública, de
armas, e, sobretudo, na área de saúde, onde o efeito destrutivo do
posicionamento parainstitucional do presidente é mais evidente.
O
Supremo Tribunal Federal, que passou o ano de 2019 basicamente silente,
assumiu, com todas suas idiossincrasias, uma postura mais responsiva a partir
de 2020, como uma clara reação aos seguidos ataques sofridos pela corte, assim
como em consequência do negacionismo obscurantista do Executivo em face da
pandemia. Foram inúmeras derrotas importantes impostas ao governo.
As
garantias de que estados e municípios também têm competência para atuar no
combate à pandemia e que critérios científicos não podem ser simplesmente
abandonados pelo governo certamente contribuíram para que o número de mortes
não fosse ainda maior. O Supremo também tomou decisões importantes na proteção
das terras indígenas, da liberdade de expressão ou no controle de órgãos de
segurança e inteligência.
O
fato, porém, é que, com maior proximidade
entre Bolsonaro e o centrão e a eleição dos novos presidentes
da Câmara e do Senado, a democracia brasileira, assim como os direitos de
grupos vulneráveis —que se contrapõem aos interesses da base de apoio do
governo— ficarão ainda mais vulneráveis.
Nesse contexto, ampliam-se as responsabilidades do Supremo Tribunal Federal em estabelecer limites às investidas diárias contra os elementos constitutivos de nosso Estado democrático de Direito. Mais do que nunca, o tribunal precisará reforçar sua colegialidade, buscar maior transparência e consistência em seu processo decisório, de forma a não deixar espaço para que sua autoridade possa ser contestada pelos verdadeiros inimigos da corte e da democracia.
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