Crime
de epidemia. Essa é a acusação feita a Jair Bolsonaro na representação
encaminhada à Procuradoria-Geral da República para que ele ofereça denúncia
contra o presidente. “Da mesma forma que alguém que agrave uma lesão existente
responde por lesão corporal, presidente que intensifica a epidemia existente
responde por esse crime. Jair Bolsonaro sempre soube das consequências de suas
condutas, mas resolveu correr o risco.”
Esse crime é previsto no artigo 267 do Código Penal. “Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos” e a punição é prisão de 10 a 15 anos, podendo agravar-se a pena se houver morte. Torna-se então crime hediondo.
Houve outras
ações às quais essa representação se refere e que apontaram vários artigos do
Código Penal que ele teria infringido, como o 132, que é pôr em perigo a vida
ou a saúde de outrem.
O grupo de procuradores aposentados — alguns exerceram até recentemente postos elevados no Ministério Público — e um desembargador que entrou com a ação apoiou-se em pesquisa. Recentemente publicado, o estudo faz uma linha do tempo dos atos e palavras do presidente da República nesta pandemia, para assim mostrar que houve uma ação deliberada do presidente de contaminar o máximo de pessoas, na suposição de que assim se atingiria a tal “imunidade de rebanho”.
A
representação foi apresentada ao Procurador-Geral da República pela, até
recentemente, procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat, pelo
ex-PGR Claudio Fonteles, por dois ex-procuradores federais dos Direitos do
Cidadão, Álvaro Augusto Ribeiro Costa e Wagner Gonçalves, o subprocurador-geral
aposentado Paulo de Tarso Braz Lucas e o desembargador aposentado do TRF da 4ª
Região Manoel Lauro Volkmer de Castilho.
O
começo da cronologia que apresentam é o dia 7 de março. Havia seis infectados
no Brasil. O presidente foi a Miami, área de risco para a pandemia. “No dia 15
daquele mês, já de volta ao Brasil, convoca e participa de manifestações
políticas com grande aglomeração, sempre sem máscara, tendo contato físico com
manifestantes, desrespeitando a recomendação da quarentena após retorno. E,
mais grave, pelo menos desde a véspera do evento, ou seja, em 14 de março, já
era pública a informação de que parte da comitiva presidencial tinha sido
infectada pelo novo coronavírus. Portanto, Bolsonaro foi para a manifestação
ciente de que poderia ser um vetor de propagação de um vírus até então de baixa
presença no território nacional.” A longa fila de eventos em que o presidente
estimulou a contaminação, à qual a representação se refere, está na pesquisa
CEPEDISA/FSP/USP e Conectas Direitos Humanos.
O mundo inteiro está sendo atingido pela mesma tragédia sanitária. Mas o ponto sustentado pelos autores da ação é que aqui houve mais. “No caso do Brasil, ao evento natural somou-se a ação criminosa de um presidente da República, que expôs, desde o início da pandemia até os dias atuais, a população a um risco efetivo de contaminação”, diz o texto da representação.
O procurador-geral Augusto Aras pode simplesmente ignorar o documento em sua
mesa? Não pode. Ele pode arquivar, mas ele tem obrigação de tomar providências.
Ignorar uma representação como essa é uma impossibilidade institucional, me
explica um especialista.
Conversei
com outro procurador que permanece no serviço público e perguntei que chances
tem essa ação de avançar. Aras, como já disse explicitamente, acha que essa não
é a sua função, apesar de ser. O problema é que o próprio Aras pode ser acusado
de prevaricação, por deixar de cumprir seu dever. E pode ser acusado pelos seus
colegas.
—
O artigo 51 da lei complementar 75/1993, lei orgânica do MPU, diz que “a ação
penal pública contra o procurador-geral da República, quando no exercício do
cargo, caberá ao subprocurador-geral da República que for designado pelo
Conselho Superior do Ministério Público” — explicou um procurador.
Aras não tem maioria no CSMP. A ação seria diretamente levada ao Supremo Tribunal Federal. Aras tem esperança de ser indicado para uma vaga no STF. Concorre com outros dois fortes candidatos, o ministro da Justiça, André Mendonça, e o ministro do STJ Humberto Martins.
Bolsonaro se blindou, mas tem tido, como diz a representação, inúmeras “condutas criminosas” durante esta pandemia. E nessa ação foi acusado de crime grave.
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