No início do mandato, movido pela euforia, Bolsonaro optou por uma “guerra de movimento” cujo objetivo era o estabelecimento de um regime iliberal autoritário. Confrontou o STF, o Congresso e um conjunto de instituições. Sem uma milícia realmente atuante nos padrões do fascismo, exagerou e teve que mudar de estratégia: adotou gradativamente a “guerra de posições”.
A
mudança necessitava novos arranjos. Mas veio a pandemia e o cenário se
complicou. Uma ruinosa gestão sanitária o impediu de ganhar posições significativas,
vieram as fraturas no governo e a queda na popularidade. A derrota nas eleições
municipais sinalizou que só havia uma saída: aprofundar suas relações com os
partidos do Centrão para garantir uma blindagem contra o impeachment, mantendo
ainda o discurso reacionário para assegurar suas bases originais.
A “guerra de posições” dá agora seus primeiros resultados positivos: a vitória nas eleições para as presidências da Câmara dos deputados e do Senado. Na Câmara, venceu com candidato próprio e no Senado com quem não o fustiga diretamente. Mas, o mais importante é que derrotou em campo aberto tanto Rodrigo Maia, ex-presidente da Casa, quanto João Doria Jr., governador de São Paulo, visto por Bolsonaro como seu principal antagonista na corrida presidencial de 2022.
Apesar
de ir em sentido contrário à queda na popularidade denotada nas pesquisas, a
vitória no Legislativo altera muita coisa. A “aliança” com o Centrão relativiza
o discurso bolsonarista como a única voz do poder. Apesar de ensaios, a
bolsonarização de políticos do Centrão não parece ter estofo para se manter.
Mas a reviravolta dá claros poderes a um grupo político que vive de recursos e
cargos. Para se blindar, Bolsonaro cede poder e sua metamorfose ganha nova
figuração.
Tudo
parece indicar que, com a conquista da Câmara e a neutralização do Senado, a
guerra cede lugar à política, a uma política pragmática que pode ir do conluio
dos negócios privados à retomada de um discurso da “tradição republicana
brasileira” (Werneck Vianna) de elogio à modernização e ao moderantismo. A
partir de agora, o poder terá que buscar o equilíbrio entre os atores que dão
sustentação ao governo: o Centrão, com sua imensa diferenciação de personagens;
os militares governistas, deslizando para uma posição coadjuvante; e o
bolsonarismo raiz, em posição secundária. Não à toa projeta-se uma
reorganização ministerial que poderá mudar inteiramente a cara do governo,
embora não se saiba ainda o que irá prevalecer: se Bolsonaro será capaz de
comandar o Centrão ou se o Centrão subordinará Bolsonaro ou mesmo o anulará.
Uma
mirada mais ampla, que ultrapasse a conjuntura, poderia apresentar avaliações
curiosas. Uma delas diz que Bolsonaro poderia ter estabelecido um “governo
militar sem AI5” e que a “alternativa Centrão” salvou o país de um “ensaio
fascista”. Assim, o Bolsonaro que deve se apresentar em 2022 carregará as
ambiguidades das metamorfoses que sofreu e não tem como ser idêntico ao de
2018.
Desnecessário
dizer que o cenário se alterou também para as forças que se mostravam
contrarias a Bolsonaro. O comportamento divisionista do Democratas,
especialmente na Câmara, quebrou a espinha dorsal do bloco oposicionista que
deveria agregar MDB, PSDB além de parte da esquerda. A derrota acarreta duras
repercussões às forças do campo democrático, ampliando suas dificuldades de
coesão. O Senado escapou da debacle porque o candidato eleito mostrou-se
distinto do bolsonarismo e maleabilidade suficiente para não confrontá-lo.
A
resultante é de aprofundamento das divisões no interior do “centro político” e
entre este e a esquerda, além das discrepâncias internas em cada força
política, o que faz emergir um conjunto de novos atritos e dificuldades,
tardando a que se encontre um novo rumo. Nesse cenário, se a sedução por um
oposicionismo frouxo a Bolsonaro aumenta, a fórmula salvadora da “frente
democrática” se mostra de difícil efetivação.
Num
contexto de “democracia de audiência” e de aberta competição eleitoral, a ideia
de frente democrática só tem sentido se for ressignificada. Sabendo que não
partirá do PT – ele nunca aceitou a lógica e a composição das frentes contra o
autoritarismo –, só terá lugar se o centro político conseguir formata-la em
torno de uma candidatura competitiva que apresente propostas de superação da
crise sanitária e econômica, e avance uma pauta concreta de reformas que
reorganize o Estado, enfrentando a desigualdade social e recolocando o país
numa perspectiva de cooperação mundial, recuperando sua vocação cosmopolita
perdida nos últimos anos.
Caso
contrário, restarão essas premissas como referencial às candidaturas de perfil
democrático contra a de Bolsonaro, na expectativa de que o nosso sistema
eleitoral de dois turnos seja terreno para uma competição eleitoral que não
impeça a unidade em torno de uma proposta reformista em favor da reorganização
política da Nação.
*Alberto Aggio, historiador, professor da Unesp
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