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O Globo
O
debate sobre a vacinação em massa contra a Covid-19 toma conta do mundo,
assolado por uma pandemia e, até o momento, sem produção de vacinas suficiente
para imunizar a maioria das populações, especialmente dos países emergentes ou
pobres.
Ao mesmo tempo que a vacinação parece a saída para a crise humanitária, há os
negacionistas que, apesar da comprovação da eficácia de vacinas desde fins do
século XVIII, teimam em propagandear sua desnecessidade. Apesar da permanente
ação do presidente Bolsonaro, o Datafolha aponta que 79% dos brasileiros
querem se imunizar contra covid-19.
A França tem a maior parcela de pessoas que se opõem à vacinação contra a
covid-19. Cerca de quatro em cada dez franceses - já foram 6 em cada 10 -
afirmam que, definitivamente ou provavelmente, não devem se vacinar, de acordo
com pesquisa da consultoria Kantar Public. O ceticismo é alto também na
Alemanha e nos EUA: 26% dos americanos e 23% dos alemães rejeitam a imunização.
A revista francesa Philosophie ouviu
filósofos de diversos matizes para entender que questões éticas e políticas
estão envolvidas na decisão de se vacinar. A maioria não discute a eficácia das
vacinas, mas alguns se inquietam com dúvidas. Philippe Huneman, especialista em
filosofia das ciências, diz que ainda não se decidiu, pois não tem informações
suficientes sobre as vacinas: “Às vacinas clássicas são associadas riscos. Com
as vacinas tipo ARN, entramos na incerteza”.
Ao contrário, a filósofa Caterine Malabou diz que “estamos em meio a uma
revolução biotecnológica”, e lamenta que, ao público, não tenha sido explicada
a importância do momento, “suscitando desconfiança e hostilidade”. O ensaísta
Pascal Bruckner diz que “sonha com o milagre de reencontrar a normalidade”. O
alemão Markus Gabriel acha que “se os antivacina forem violentos, será preciso
tornar a vacinação obrigatória”.
Francis Wolff, professor emérito da Escola Normal Superior, é taxativo: ser
contra a vacinação representa “o irracionalismo e o anti-humanismo”. O
professor da Universidade Paris-Diderot Guillaume Lê Blanc diz que aceitar a
vacinação “é assumir integralmente nossa vulnerabilidade”.
Aqui no Brasil, o filósofo e escritor Eduardo Giannetti ressalta que “são raras
as ocasiões na vida em sociedade em que o benefício pessoal converge
perfeitamente com o bem coletivo. A vacinação é uma delas”. Ele lembra que ao
tomar a vacina, “eu me protejo do vírus como indivíduo e, ao mesmo tempo,
promovo o interesse geral da sociedade ao prevenir que ele se espalhe e
prossiga sua carreira de contínua – e ameaçadora – mutação”. Como “lição e
aprendizado da profunda interdependência dos viventes seria difícil pedir
mais”.
Nelson Mello e Souza, da Academia Brasileira de Filosofia, lembrando que estamos
com cerca de 10 milhões de infectados e cerca de 300 mil mortos, vê
“necessidade urgente e imperiosa da vacina”. A palavra é latina, “vacinnus” foi
afrancesada, e vem de “vache”, “vaca”, de onde foi extraída matéria decomposta
para combater a varíola. “É portanto, uma conquista da ciência. Surgiu
das observações do comportamento animal, feitas pelo medico de fins do século
XVIII, Lenner. Decisivo foi o trabalho de fins do século seguinte, com Pasteur
, fundador da microbiologia. Criou a vacina contra a raiva. A partir daí foi um
crescendo de inovações. Surgiram vacinas contra a peste, a febre tifoide
e a febre amarela, finalmente a poliomielite. Seu princípio, acelerar a
produção de anti corpos. Hoje em dia ninguém que tenha alcançado um nível
mínimo de civilização pode ser contra a vacina”.
O chanceler da Academia Brasileira de Filosofia, Jorge Trindade, e o
Vice-Presidente, Guilherme L. Wyllie Medice dizem em artigo que a “a vacinação
de cada um e de todos, segundo os critérios de urgência e necessidade,
disponibilidade e justiça, será capaz de beneficiar a todos. Se desejamos ser
invulneráveis, precisamos cuidar dos mais vulneráveis; se queremos ser ricos,
necessitamos cuidar dos mais pobres. É isso que faz uma nação”. (A integra dos artigos está no blog)
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