domingo, 14 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Uma briga em que nenhum dos dois lados tem razão – Opinião | O Globo

A ação das redes sociais contra a desinformação, ainda que tardia, tem resultado nas últimas semanas numa série de medidas drásticas e espalhafatosas, como se tentassem correr atrás do tempo perdido. Passaram a rotular conteúdos mentirosos relativos à pandemia. Derrubaram as contas de Donald Trump e de vários de seus partidários. Mesmo no Brasil, um canal do YouTube que veiculava mentiras sobre fraudes nas eleições americanas — de um conhecido militante bolsonarista, difusor contumaz de fake news — foi retirado do ar.

A ação despertou a reação previsível nas partes afetadas, tanto lá fora quanto aqui. O governo Bolsonaro, além dos ataques de praxe contra a imprensa profissional, também passou a defender em fóruns internacionais uma regulação mais dura das gigantes digitais. Parlamentares bolsonaristas apresentaram uma enxurrada de projetos para que conteúdos sejam postos de volta no ar, ou removidos apenas mediante ordem judicial. Trata-se de uma briga em que nenhum dos lados tem razão.

Se as leis fossem razoáveis, há muito tempo as redes sociais já arcariam com responsabilidade pelo conteúdo que fazem circular. Num modelo em que bastasse a notificação das partes ofendidas para que as plataformas se tornassem corresponsáveis pelo dano causado (“notice and take down”), elas teriam tomado mais cuidado com desinformação e propaganda. É bastante provável que, se tal modelo estivesse em vigor, nem Trump nem os youtubers bolsonaristas jamais teriam chegado aonde chegaram. Só alcançaram tal vulto graças ao impulso de plataformas lenientes com o conteúdo em nome da liberdade de expressão.

A desconexão entre o Vale do Silício e a realidade da política sempre foi gigantesca. Foi preciso que uma malta de bárbaros invadisse o Capitólio, insuflada por Trump, para que enfim agissem. Foram, contudo, além do razoável. A suspensão indiscriminada de contas, a retirada do ar de conteúdos e até de uma rede alternativa são remédios extremos — uma amputação, quando a fratura talvez exigisse uma cirurgia seguida de meses na tipoia.

É certo que nada disso equivale a censura. As plataformas, empresas privadas, têm o direito de arbitrar o que circula em suas redes, assim como um jornal ou noticiário de TV decide o que publica ou leva ao ar. Mas elas se tornaram um ambiente de debate público e, como os demais meios, exercem papel relevante para informação numa democracia. Por isso mesmo, precisam estar sujeitas a regras sensatas, que preservem a qualidade do conteúdo, a pluralidade de opiniões, o nível do debate, o respeito à lei, aos direitos humanos e à própria democracia.

Não é isso, obviamente, o que desejam trumpistas e bolsonaristas, que sempre se aproveitaram da leniência enquanto durou. Só que, mesmo que mintam e estejam errados, eles também têm direito à expressão livre. Seria antidemocrático simplesmente sufocar opiniões políticas divergentes, sem justificativa plausível e transparente do dano que causem. Um bom exemplo para entender o que está em jogo são as vacinas. Desde cedo, os danos à saúde pública da propaganda contra a vacinação levaram a uma postura firme (e correta) do Facebook para derrubá-la.

O inaceitável é criar e interpretar regras sobre o que manter ou derrubar caso a caso, dependendo da cor do cabelo deste ou daquele político. É preciso haver leis transparentes, que valham para todas as redes, de acordo com o espírito democrático. Nada mais distante das propostas por aqueles que, envoltos num véu libertário, mal escondem seu indisfarçável autoritarismo.

Que a extrema-direita seja responsável por trazer essa contradição à tona não tira o mérito da questão. Um bom começo seria que a lei — nos Estados Unidos, a seção 230 da Lei de Telecomunicações e, no Brasil, o artigo 19 do Marco Civil da Internet — passasse a atribuir às plataformas digitais responsabilidades por danos causados pelo conteúdo que veiculam. É algo de que, mesmo a contragosto, elas não conseguem mais se esquivar.

Depoimento de Villas Bôas justifica cuidados com as eleições de 2022 – Opinião  | O Globo

Certos episódios demonstram como é essencial ser intransigente na defesa da Constituição e da democracia. É o caso da revelação, feita em livro pelo general Eduardo Villas Bôas, de que articulou com a cúpula do Exército os tuítes de alerta ao Supremo antes de a Corte julgar um habeas corpus para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018.

À época, o então decano da Corte, ministro Celso de Mello, respondeu de pronto ao comentário, afirmando que fora “claramente infringente do princípio da separação entre Poderes” e alertando para “práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional”. Não está em questão a pessoa do general. Comandante do Exército desde os governos Dilma e Temer, sempre foi aberto ao diálogo. O problema é outro.

O relato, feito ao pesquisador Celso Castro, da FGV, para o livro “General Villas Bôas”, tem importância vital no atual quadro político. O comportamento do presidente Jair Bolsonaro no Planalto, mesmo depois de haver baixado o tom com a prisão do amigo Fabrício Queiroz, continua a ser de um político autoritário que não respeita limites constitucionais. Vê inspiração no golpismo de Donald Trump e outros autocratas. Não são poucas as vezes em que precisa ser contido pelos freios e contrapesos republicanos. É tranquilizador saber que, com todas as limitações criadas pelo aparelhamento bolsonarista do Estado, as instituições continuam a funcionar. Não há melhor exemplo disso do que o Supremo.

Mas a democracia não é invulnerável. Na quarta-feira, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, afirmou estar preocupado e destacou o sistema eleitoral como ponto central: “É preciso defender a democracia, proteger a democracia e o sistema eleitoral brasileiro. Dentro dele, como instrumento da democracia, nós sairemos da crise sem sair da democracia”.

Fachin, que presidirá o TSE nas eleições de 2022, tem toda razão. Tudo deve ser feito para garantir uma campanha com lisura e fazer valer o resultado das urnas. Não há que dar a menor chance às inevitáveis acusações mentirosas de fraude, caso Bolsonaro não seja reeleito.

Há tensões políticas, mas não institucionais. As Forças Armadas se mantêm fieis à Carta, sem que haja sinal de que esse comportamento mudará. O relato do general da reserva Villas Bôas não deve ser entendido como prenúncio de crise. Serve, porém, para que se cobre vigilância das instituições.

O extraordinário e o ordinário – Opinião | O Estado de S. Paulo

A volta do auxílio emergencial é uma questão humanitária. É espantoso que ainda não haja definição do governo e do Congresso

A volta do auxílio emergencial é uma questão humanitária. Há numerosas famílias que estão sob o risco de passar fome, com o fim do auxílio que lhes foi pago pelo governo federal até dezembro passado para socorrê-las depois que perderam renda em razão da pandemia de covid-19.

Assim, não cabe mais discutir se é preciso ou não restabelecer a ajuda, e é espantoso que ainda não haja uma definição do governo e do Congresso sobre o assunto, deixando milhões de brasileiros em situação crítica.

É preciso deixar claro que essas circunstâncias eram perfeitamente previsíveis. A ninguém, em especial os que estão em posições de comando no País, é dado o direito de se dizer surpreendido pelo fato de que a pandemia, ao contrário de arrefecer, recrudesceu. Quem deixou de pensar na possibilidade, desde sempre muito concreta, de que o auxílio emergencial continuaria sendo necessário, apostando numa recuperação econômica que desde sempre era incerta e dependente de inúmeros fatores, cometeu grave erro – pelo qual o País pagará caro, de diversas maneiras.

O custo mais óbvio, como vimos, é social. Derivado deste, a depender do modo como a crise seja administrada, há o custo em desenvolvimento econômico: se o País se endividar ainda mais para bancar o auxílio emergencial e para atender a demandas do setor produtivo igualmente atingido pela crise, a pesadíssima conta – na forma de inflação, estagnação econômica e desemprego – será repassada para as gerações que vierem depois da pandemia, afetando particularmente os pobres, como sempre.

Assim, o certo seria obter os recursos necessários para retomar o auxílio por meio de cortes em outras despesas, mas já se sabe que isso não será feito, conforme declararam as lideranças do Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por exemplo, já avisou que “não podemos condicionar” a reedição do auxílio emergencial a medidas de ajuste fiscal, como quer o Ministério da Economia, alegando que há “emergência” e “urgência”.

Essa resistência de alguma maneira reflete a dificuldade de muitos setores da sociedade de compreender o que significa uma crise humanitária – que só pode ser superada por meio do sacrifício coletivo, isto é, da renúncia temporária a benefícios em nome da salvação de milhões de pessoas. Sempre que se fala em cortes de privilégios para mitigar a situação periclitante dos mais pobres, no entanto, a reação negativa das corporações e das elites é imediata.

Para piorar, o retorno do auxílio emergencial começa a ser encarado como uma forma de estimular a economia, que mostra preocupantes sinais de anemia. Os números não deixam dúvida: segundo o IBGE, o volume de vendas do varejo caiu 6,1% em dezembro ante novembro, e o setor de serviços registrou recuo de 7,8% no acumulado de 2020 – com especial ênfase nos serviços prestados às famílias, que tiveram queda de 35,6%. Considerando-se que o auxílio emergencial reduziu a pobreza a níveis inéditos, fomentou o consumo e evitou uma queda maior do PIB, é natural que seja visto como solução para a paradeira econômica.

O fundamento do auxílio emergencial, contudo, não pode ser esse. Primeiro, com o perdão da obviedade, por que o auxílio é emergencial – isto é, só pode valer enquanto durar a emergência, e o crescimento da economia não pode ser sustentado por algo intrinsecamente temporário; segundo, porque usa uma situação extraordinária – a pandemia – com um objetivo ordinário – estimular a economia. As decisões originadas de um debate orçamentário contaminado por esse tipo de confusão certamente serão desastrosas para o País.

Mas a situação é tão surreal que nem Orçamento ainda há. A Comissão Mista de Orçamento de 2021 foi finalmente instalada na quarta-feira, dia 11, com quase um ano de atraso, e corre contra o tempo para evitar um apagão da máquina pública em plena pandemia.

Por incompetência do governo e indiferença do Congresso, perdeu-se tempo demais com miudezas, enquanto a elaboração de um Orçamento compatível com o momento delicado do País foi sendo procrastinada. Tudo agora ganha ares de urgência, e é nesse clima que florescem as soluções fáceis – e erradas.

Uma surpresa positiva – Opinião | O Estado de S. Paulo

Banco Central surpreende com prévia do PIB melhor que a estimada pelo mercado

A economia brasileira encolheu 4,05% no ano passado, segundo estimativa do Banco Central (BC). Se a conta estiver certa, o resultado terá sido um pouco melhor que o esperado por economistas do setor financeiro, de instituições internacionais e também do governo. Um número na faixa de -4,2% a -4,5% estaria mais de acordo com as expectativas dominantes. O dado oficial só será conhecido no começo de março, quando o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 for divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número publicado pelo BC, oficialmente chamado Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), é uma das prévias do PIB.

Esse indicador é seguido no mercado como sinalizador de tendência. É útil principalmente por ser mensal, enquanto as contas nacionais calculadas pelo IBGE são divulgadas a cada três meses. Apesar de alguma imprecisão, o IBC-Br contribui para se formar uma ideia ampla do estado da economia.

Os números publicados pelo BC nesta sexta-feira surpreenderam os técnicos do mercado e das principais consultorias. Segundo o indicador, a atividade em dezembro foi 0,64% superior à de novembro e 1,34% mais alta que a de igual mês do ano anterior. A comparação do quarto trimestre de 2020 com o terceiro apontou um crescimento de 3,14%. Esse número superou o teto das estimativas de especialistas consultados pelo Broadcast/Agência Estado. Essas estimativas haviam ficado entre 2,42% e 3,10%, com mediana de 2,90%.

Uma nova prévia, o Monitor do PIB da Fundação Getúlio Vargas, deve ser divulgada na próxima sexta-feira. Mais detalhada e geralmente bem próxima das contas nacionais do IBGE, essa estimativa também contribuirá para uma avaliação geral da economia no fim do ano. Se ficar próxima do número final apresentado pelo BC, haverá uma razão a mais para esperar uma surpresa positiva quando saírem, no dia 3 de março, as contas oficiais de 2020.

Por enquanto, é difícil avaliar com algum otimismo as condições econômicas do País no fim do ano passado e na passagem para 2021. Os dados setoriais já publicados pelo IBGE apontam estagnação. Os números calculados pelos analistas combinam com a experiência comum no fim de 2020.

Os números de dezembro confirmam a perda de vigor da recuperação iniciada em maio. A produção industrial foi 0,9% maior que a de novembro. Desde o começo da retomada, o produto da indústria cresceu 41,8% e eliminou a perda de 27,1% ocorrida em março e abril, mas o resultado anual ainda ficou 4,5% abaixo do contabilizado em 2019. Além disso, a recuperação ocorreu em ritmo decrescente ao longo dos oito meses.

As vendas do comércio varejista mostraram ainda mais claramente a perda de vigor da economia nos meses finais. O volume vendido em dezembro foi 6,1% menor que o de novembro, quando já havia ocorrido recuo mensal de 0,1%. Esses dados já refletem, muito provavelmente, a redução do auxílio emergencial a partir de setembro, quando o pagamento mensal passou de R$ 600 para R$ 300. Ainda assim, as vendas acumuladas no ano foram 1,2% maiores que as de 2019.

O pior desempenho foi, de longe, o do setor de serviços. Além de ter entrado em recuperação só em junho, com atraso de um mês em relação à indústria e ao varejo, os serviços terminaram o ano ainda 3,8% abaixo do nível de fevereiro, mês anterior ao grande choque inicial da pandemia. A atividade em dezembro foi 0,2% inferior à de novembro, num recuo aparentemente pequeno, mas o resultado geral de 2020 foi 7,8% menor que o de um ano antes. Na área de alojamento e alimentação, a perda anual do faturamento chegou a 36,9%. Todas as comparações trimestrais apontaram recuos do setor de serviços em relação ao ano anterior.

Os serviços são importante fonte de emprego. Seu péssimo desempenho em 2020 – e provavelmente no início de 2021 – tem sido um entrave importante à abertura de postos de trabalho e, portanto, à recuperação geral da economia. Mas só um setor, o agronegócio, passou bem por 2020 e entrou em 2021 com claras perspectivas de crescimento.

Dados ao deus-dará – Opinião | O Estado de S. Paulo

É urgente regulamentar a LGPD e que as empresas invistam em segurança digital

Dentre os efeitos colaterais positivos da pandemia, o maior foi acelerar a digitalização das relações sociais, comerciais e profissionais. Mas isso multiplicou exponencialmente as oportunidades para os crimes cibernéticos. Em pouco mais de dois meses, os brasileiros se viram vitimados por três megavazamentos de dados. É urgente que o poder público consume a regulamentação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas também que as empresas invistam robustamente em segurança digital.

Em dezembro, descobriu-se que uma falha no sistema federal de registro de casos de covid-19 permitiu acesso a informações de mais de 240 milhões de brasileiros (vivos e mortos). Recentemente, descobriu-se que no fim do ano passado 223 milhões de CPFs e 40 milhões de CNPJs foram vazados. Pouco depois, veio à tona o vazamento de mais de 100 milhões de contas de celulares, pessoais e corporativas. São os maiores roubos de informação da história do País e especialistas sugerem que estão entre os Top 10 mundiais. Entre as vítimas estão autoridades como o presidente da República, os ministros do STF e os ex-presidentes da Câmara e do Senado, um sintoma do nível de vulnerabilidade a que estão expostos os brasileiros.

Os dois vazamentos recentes foram descobertos pela empresa de segurança PSafe ao monitorar a comercialização de dados na deep web. A empresa alerta que os CPFs e dados cadastrais correlatos (como renda mensal ou score de crédito) podem ser utilizados, entre outras coisas, para fraudes bancárias e para os chamados golpes de “phishing”, em que criminosos se passam por pessoas e instituições para roubar senhas e dados. Já os dados celulares (com informações sensíveis como registros de ligações e mensagens) podem ser usados para chantagear os proprietários. Os efeitos poderão ser sentidos durante anos.

A Polícia Federal e a recém-criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) estão investigando os vazamentos. Mas o próprio fato de que foram descobertos por uma empresa privada é um indicador de que os serviços de inteligência dos órgãos de segurança pública precisam se modernizar. De resto, os dispositivos legais de responsabilização e punição também precisam ser atualizados.

A proteção de dados é um tema sensível em países desenvolvidos há décadas. Desde os anos 80 a União Europeia vem aprimorando sua legislação. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados, baseada no modelo europeu, entrou em vigência em setembro de 2020. No entanto, sob a justificativa de que as empresas teriam um ônus financeiro excessivo para adaptar seus sistemas em meio à crise pandêmica, o Congresso adiou a vigência das sanções para agosto. Com isso, não só a privacidade dos brasileiros está menos protegida, como o mercado nacional se mostra defasado em relação a outros, como os de países desenvolvidos ou países latino-americanos, como Argentina, Chile ou Uruguai, cujas legislações estão em vigor há anos.

A ANPD pode investigar os sistemas corporativos e orientar as empresas, mas ainda não tem como lhes cobrar procedimentos de segurança nem como punir negligências. Isso não escusa as empresas de incrementarem suas operações de segurança com treinamentos, controles, rastreamentos e fiscalização da conduta de colaboradores. O investimento é essencial para lhes conferir confiabilidade e, logo, competitividade. Acima de tudo, é uma condição para cumprir seu compromisso legal de proteção da privacidade de seus clientes. Com efeito, mesmo com a insegurança regulatória em relação à LGPD, as empresas podem ser responsabilizadas por suas falhas com base em instrumentos como o Código de Defesa do Consumidor.

As características singulares do ambiente digital fazem com que crimes cibernéticos, mais do que quaisquer outros, só possam ser efetivamente reprimidos com a proatividade do setor privado. Agora que o Brasil corre para compensar o atraso no sistema nacional de proteção de dados, mais do que nunca o poder público e a iniciativa privada precisam criar espaços de intensa e contínua cooperação.

 

 

As chances da vacina – Opinião | Folha de S. Paulo

País pode reduzir mortes por Covid-19 até maio, mas precisa acelerar o processo

Passado o pior do pessimismo de janeiro, hoje parece razoável a expectativa de que o Brasil possa avançar mais rapidamente na vacinação contra a Covid-19.

Estima-se que serão imunizados até abril grupos de pessoas em que ocorrem atualmente 75% das mortes provocadas pela pandemia. Antes do final de maio, é viável imunizar toda uma população em que se contam 89% dos casos fatais.

Deve-se ressalvar, contudo, que boa parte da quantidade de vacinas suficiente para proteger essas vidas no período previsto existe apenas no papel, nos cronogramas do Butantan e da Fiocruz e na promessa de algumas doses do consórcio internacional Covax.

O sucesso da vacinação até maio depende da existência de 136 milhões de doses. Desse total, cerca de 32 milhões já chegaram, foram aplicadas ou podem ser fabricadas com material já entregue ao país.

Cumpre acelerar esse processo —e não apenas porque ainda se registram mais de 1.000 mortes pelo coronavírus na trágica média diária nacional. É necessário importar vacinas prontas e aperfeiçoar o plano de imunização.

A pasta da Saúde, que precisa superar a incompetência mostrada até aqui, diz negociar a compra de 28 milhões de doses extras, de produtos da Rússia e da Índia.

O objetivo maior e imediato é, ocioso dizer, evitar mortes. Note-se, no entanto, que os grupos de idade em que morrem quase 90% dos infectados pelo vírus equivalem a apenas 28% da população brasileira e 37% da população ora vacinável (maior de 18 anos).

Com imunizantes para esses estratos de maior risco, decerto o morticínio pode ser reduzido de modo significativo e haverá alívio nos hospitais. Restaria, contudo, ameaça relevante para os demais, com o que a vida nas instituições de ensino ou no trabalho, por exemplo, continuaria prejudicada.

Se fossem necessários outros argumentos para acelerar a vacinação quase como um esforço de guerra, há que considerar também que uma epidemia prolongada eleva a probabilidade de novas mutações virais, as quais podem vir a diminuir a efetividade das vacinas ou também multiplicar o número já terrível de mortes.

Não se pode relaxar na cobrança dura das autoridades. O governo Jair Bolsonaro, que ao menos parece ter compreendido a relação óbvia entre o controle da pandemia e a recuperação econômica, tem enorme atraso a superar.

O Brasil não pode se conformar com a perspectiva, por ora ainda otimista, que prevê a vacinação da população em fins deste 2021. É preciso encerrar o quanto antes o calendário de mais um ano de morte.

 Epidemia autoritária – Opinião | Folha de S. Paulo

Vírus motivou obstrução de liberdade e informação em 83 países, incluindo Brasil

Relatório da organização não governamental Human Rights Watch, divulgado na quinta-feira (11), mostrou que governos de 83 países usaram a pandemia de Covid-19 como pretexto para cercear a liberdade de expressão e de reunião.

Governantes de perfil autoritário, como os de Hungria, Polônia e Belarus (este, um ditador sem disfarces), usaram o poder do Estado para ameaçar e prender jornalistas, fechar veículos da imprensa e reprimir críticos ligados ao setor de saúde e a grupos de oposição.

Em Bangladesh, China e Egito registraram-se prisões de pessoas que discordaram de respostas das autoridades à pandemia. Na América Latina, não surpreende que as ditaduras de Cuba e Venezuela façam parte da lista.

O Brasil também é mencionado no relatório, que cita atos do governo Jair Bolsonaro com o intuito de sonegar informações públicas sobre a doença. Como se sabe, foi graças à iniciativa de um consórcio de órgãos da imprensa, do qual esta Folha participa, que os brasileiros tiveram assegurado o acesso a estatísticas diárias sobre o número de casos e de óbitos.

Dependesse apenas do governo federal, o país estaria entregue a manipulações de dados e à desinformação, como demonstraram inúmeras atitudes do presidente.

Em sua ofensiva contra evidências científicas e possíveis adversários políticos, Bolsonaro removeu Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde e, depois de uma breve passagem do médico Nelson Teich, veio a efetivar na pasta o general da ativa Eduardo Pazuello.

A gestão da grave crise sanitária passou às mãos de um quadro despreparado, que tem se mostrado submisso aos humores do mandatário e cúmplice de decisões que agridem a transparência.

É pertinente, como se verificou em países democráticos, que se tenham travado debates —não raro chegando a protestos populares— sobre as eventuais contradições entre liberdades individuais e a necessidade de fazer prevalecer os direitos da coletividade.

Afinal, trata-se de um contexto em que medidas restritivas se mostraram incontornáveis para deter a propagação do vírus e evitar o colapso da rede hospitalar.

Tais questões, contudo, não autorizam ataques contra a liberdade de informação e de expressão e a violência contra opositores.

Como declarou um diretor da Human Rights Watch, “os governos devem combater a Covid-19 encorajando as pessoas a usarem máscaras, e não impondo mordaças”.

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