A
ação das redes sociais contra a desinformação, ainda que tardia, tem resultado
nas últimas semanas numa série de medidas drásticas e espalhafatosas, como se
tentassem correr atrás do tempo perdido. Passaram a rotular conteúdos
mentirosos relativos à pandemia. Derrubaram as contas de Donald Trump e de
vários de seus partidários. Mesmo no Brasil, um canal do YouTube que veiculava mentiras
sobre fraudes nas eleições americanas — de um conhecido militante bolsonarista,
difusor contumaz de fake news — foi retirado do ar.
A ação despertou a reação previsível nas partes afetadas, tanto lá fora quanto aqui. O governo Bolsonaro, além dos ataques de praxe contra a imprensa profissional, também passou a defender em fóruns internacionais uma regulação mais dura das gigantes digitais. Parlamentares bolsonaristas apresentaram uma enxurrada de projetos para que conteúdos sejam postos de volta no ar, ou removidos apenas mediante ordem judicial. Trata-se de uma briga em que nenhum dos lados tem razão.
Se
as leis fossem razoáveis, há muito tempo as redes sociais já arcariam com
responsabilidade pelo conteúdo que fazem circular. Num modelo em que bastasse a
notificação das partes ofendidas para que as plataformas se tornassem
corresponsáveis pelo dano causado (“notice and take down”), elas teriam tomado
mais cuidado com desinformação e propaganda. É bastante provável que, se tal
modelo estivesse em vigor, nem Trump nem os youtubers bolsonaristas jamais
teriam chegado aonde chegaram. Só alcançaram tal vulto graças ao impulso de
plataformas lenientes com o conteúdo em nome da liberdade de expressão.
A
desconexão entre o Vale do Silício e a realidade da política sempre foi
gigantesca. Foi preciso que uma malta de bárbaros invadisse o Capitólio,
insuflada por Trump, para que enfim agissem. Foram, contudo, além do razoável.
A suspensão indiscriminada de contas, a retirada do ar de conteúdos e até de
uma rede alternativa são remédios extremos — uma amputação, quando a fratura
talvez exigisse uma cirurgia seguida de meses na tipoia.
É
certo que nada disso equivale a censura. As plataformas, empresas privadas, têm
o direito de arbitrar o que circula em suas redes, assim como um jornal ou
noticiário de TV decide o que publica ou leva ao ar. Mas elas se tornaram um
ambiente de debate público e, como os demais meios, exercem papel relevante
para informação numa democracia. Por isso mesmo, precisam estar sujeitas a regras
sensatas, que preservem a qualidade do conteúdo, a pluralidade de opiniões, o
nível do debate, o respeito à lei, aos direitos humanos e à própria democracia.
Não
é isso, obviamente, o que desejam trumpistas e bolsonaristas, que sempre se
aproveitaram da leniência enquanto durou. Só que, mesmo que mintam e estejam
errados, eles também têm direito à expressão livre. Seria antidemocrático
simplesmente sufocar opiniões políticas divergentes, sem justificativa
plausível e transparente do dano que causem. Um bom exemplo para entender o que
está em jogo são as vacinas. Desde cedo, os danos à saúde pública da propaganda
contra a vacinação levaram a uma postura firme (e correta) do Facebook para
derrubá-la.
O
inaceitável é criar e interpretar regras sobre o que manter ou derrubar caso a
caso, dependendo da cor do cabelo deste ou daquele político. É preciso haver
leis transparentes, que valham para todas as redes, de acordo com o espírito
democrático. Nada mais distante das propostas por aqueles que, envoltos num véu
libertário, mal escondem seu indisfarçável autoritarismo.
Que
a extrema-direita seja responsável por trazer essa contradição à tona não tira
o mérito da questão. Um bom começo seria que a lei — nos Estados Unidos, a
seção 230 da Lei de Telecomunicações e, no Brasil, o artigo 19 do Marco Civil
da Internet — passasse a atribuir às plataformas digitais responsabilidades por
danos causados pelo conteúdo que veiculam. É algo de que, mesmo a contragosto,
elas não conseguem mais se esquivar.
Depoimento
de Villas Bôas justifica cuidados com as eleições de 2022 – Opinião | O Globo
Certos episódios demonstram como é essencial ser intransigente na defesa da Constituição e da democracia. É o caso da revelação, feita em livro pelo general Eduardo Villas Bôas, de que articulou com a cúpula do Exército os tuítes de alerta ao Supremo antes de a Corte julgar um habeas corpus para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018.
À
época, o então decano da Corte, ministro Celso de Mello, respondeu de pronto ao
comentário, afirmando que fora “claramente infringente do princípio da
separação entre Poderes” e alertando para “práticas estranhas e lesivas à
ortodoxia constitucional”. Não está em questão a pessoa do general. Comandante
do Exército desde os governos Dilma e Temer, sempre foi aberto ao diálogo. O
problema é outro.
O
relato, feito ao pesquisador Celso Castro, da FGV, para o livro “General Villas
Bôas”, tem importância vital no atual quadro político. O comportamento do
presidente Jair Bolsonaro no Planalto, mesmo depois de haver baixado o tom com
a prisão do amigo Fabrício Queiroz, continua a ser de um político autoritário
que não respeita limites constitucionais. Vê inspiração no golpismo de Donald
Trump e outros autocratas. Não são poucas as vezes em que precisa ser contido
pelos freios e contrapesos republicanos. É tranquilizador saber que, com todas
as limitações criadas pelo aparelhamento bolsonarista do Estado, as
instituições continuam a funcionar. Não há melhor exemplo disso do que o
Supremo.
Mas
a democracia não é invulnerável. Na quarta-feira, em entrevista à “Folha de
S.Paulo”, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, afirmou estar
preocupado e destacou o sistema eleitoral como ponto central: “É preciso
defender a democracia, proteger a democracia e o sistema eleitoral brasileiro.
Dentro dele, como instrumento da democracia, nós sairemos da crise sem sair da
democracia”.
Fachin,
que presidirá o TSE nas eleições de 2022, tem toda razão. Tudo deve ser feito
para garantir uma campanha com lisura e fazer valer o resultado das urnas. Não
há que dar a menor chance às inevitáveis acusações mentirosas de fraude, caso
Bolsonaro não seja reeleito.
Há
tensões políticas, mas não institucionais. As Forças Armadas se mantêm fieis à
Carta, sem que haja sinal de que esse comportamento mudará. O relato do general
da reserva Villas Bôas não deve ser entendido como prenúncio de crise. Serve,
porém, para que se cobre vigilância das instituições.
O extraordinário e o ordinário – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
volta do auxílio emergencial é uma questão humanitária. É espantoso que ainda
não haja definição do governo e do Congresso
A volta do auxílio emergencial é uma questão humanitária. Há numerosas famílias que estão sob o risco de passar fome, com o fim do auxílio que lhes foi pago pelo governo federal até dezembro passado para socorrê-las depois que perderam renda em razão da pandemia de covid-19.
Assim,
não cabe mais discutir se é preciso ou não restabelecer a ajuda, e é espantoso
que ainda não haja uma definição do governo e do Congresso sobre o assunto,
deixando milhões de brasileiros em situação crítica.
É
preciso deixar claro que essas circunstâncias eram perfeitamente previsíveis. A
ninguém, em especial os que estão em posições de comando no País, é dado o
direito de se dizer surpreendido pelo fato de que a pandemia, ao contrário de
arrefecer, recrudesceu. Quem deixou de pensar na possibilidade, desde sempre
muito concreta, de que o auxílio emergencial continuaria sendo necessário,
apostando numa recuperação econômica que desde sempre era incerta e dependente
de inúmeros fatores, cometeu grave erro – pelo qual o País pagará caro, de
diversas maneiras.
O
custo mais óbvio, como vimos, é social. Derivado deste, a depender do modo como
a crise seja administrada, há o custo em desenvolvimento econômico: se o País
se endividar ainda mais para bancar o auxílio emergencial e para atender a
demandas do setor produtivo igualmente atingido pela crise, a pesadíssima conta
– na forma de inflação, estagnação econômica e desemprego – será repassada para
as gerações que vierem depois da pandemia, afetando particularmente os pobres,
como sempre.
Assim,
o certo seria obter os recursos necessários para retomar o auxílio por meio de
cortes em outras despesas, mas já se sabe que isso não será feito, conforme
declararam as lideranças do Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
por exemplo, já avisou que “não podemos condicionar” a reedição do auxílio
emergencial a medidas de ajuste fiscal, como quer o Ministério da Economia,
alegando que há “emergência” e “urgência”.
Essa
resistência de alguma maneira reflete a dificuldade de muitos setores da
sociedade de compreender o que significa uma crise humanitária – que só pode
ser superada por meio do sacrifício coletivo, isto é, da renúncia temporária a
benefícios em nome da salvação de milhões de pessoas. Sempre que se fala em
cortes de privilégios para mitigar a situação periclitante dos mais pobres, no
entanto, a reação negativa das corporações e das elites é imediata.
Para
piorar, o retorno do auxílio emergencial começa a ser encarado como uma forma
de estimular a economia, que mostra preocupantes sinais de anemia. Os números
não deixam dúvida: segundo o IBGE, o volume de vendas do varejo caiu 6,1% em
dezembro ante novembro, e o setor de serviços registrou recuo de 7,8% no
acumulado de 2020 – com especial ênfase nos serviços prestados às famílias, que
tiveram queda de 35,6%. Considerando-se que o auxílio emergencial reduziu a
pobreza a níveis inéditos, fomentou o consumo e evitou uma queda maior do PIB,
é natural que seja visto como solução para a paradeira econômica.
O
fundamento do auxílio emergencial, contudo, não pode ser esse. Primeiro, com o
perdão da obviedade, por que o auxílio é emergencial – isto é, só pode valer
enquanto durar a emergência, e o crescimento da economia não pode ser
sustentado por algo intrinsecamente temporário; segundo, porque usa uma situação
extraordinária – a pandemia – com um objetivo ordinário – estimular a economia.
As decisões originadas de um debate orçamentário contaminado por esse tipo de
confusão certamente serão desastrosas para o País.
Mas
a situação é tão surreal que nem Orçamento ainda há. A Comissão Mista de
Orçamento de 2021 foi finalmente instalada na quarta-feira, dia 11, com quase
um ano de atraso, e corre contra o tempo para evitar um apagão da máquina
pública em plena pandemia.
Por
incompetência do governo e indiferença do Congresso, perdeu-se tempo demais com
miudezas, enquanto a elaboração de um Orçamento compatível com o momento
delicado do País foi sendo procrastinada. Tudo agora ganha ares de urgência, e
é nesse clima que florescem as soluções fáceis – e erradas.
Uma surpresa positiva – Opinião | O Estado de S. Paulo
Banco
Central surpreende com prévia do PIB melhor que a estimada pelo mercado
A economia brasileira encolheu 4,05% no ano passado, segundo estimativa do Banco Central (BC). Se a conta estiver certa, o resultado terá sido um pouco melhor que o esperado por economistas do setor financeiro, de instituições internacionais e também do governo. Um número na faixa de -4,2% a -4,5% estaria mais de acordo com as expectativas dominantes. O dado oficial só será conhecido no começo de março, quando o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 for divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número publicado pelo BC, oficialmente chamado Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), é uma das prévias do PIB.
Esse
indicador é seguido no mercado como sinalizador de tendência. É útil
principalmente por ser mensal, enquanto as contas nacionais calculadas pelo
IBGE são divulgadas a cada três meses. Apesar de alguma imprecisão, o IBC-Br
contribui para se formar uma ideia ampla do estado da economia.
Os
números publicados pelo BC nesta sexta-feira surpreenderam os técnicos do
mercado e das principais consultorias. Segundo o indicador, a atividade em
dezembro foi 0,64% superior à de novembro e 1,34% mais alta que a de igual mês
do ano anterior. A comparação do quarto trimestre de 2020 com o terceiro
apontou um crescimento de 3,14%. Esse número superou o teto das estimativas de
especialistas consultados pelo Broadcast/Agência
Estado. Essas estimativas haviam ficado entre 2,42% e 3,10%, com
mediana de 2,90%.
Uma
nova prévia, o Monitor
do PIB da Fundação Getúlio Vargas, deve ser divulgada na
próxima sexta-feira. Mais detalhada e geralmente bem próxima das contas
nacionais do IBGE, essa estimativa também contribuirá para uma avaliação geral
da economia no fim do ano. Se ficar próxima do número final apresentado pelo
BC, haverá uma razão a mais para esperar uma surpresa positiva quando saírem,
no dia 3 de março, as contas oficiais de 2020.
Por
enquanto, é difícil avaliar com algum otimismo as condições econômicas do País
no fim do ano passado e na passagem para 2021. Os dados setoriais já publicados
pelo IBGE apontam estagnação. Os números calculados pelos analistas combinam
com a experiência comum no fim de 2020.
Os
números de dezembro confirmam a perda de vigor da recuperação iniciada em maio.
A produção industrial foi 0,9% maior que a de novembro. Desde o começo da
retomada, o produto da indústria cresceu 41,8% e eliminou a perda de 27,1%
ocorrida em março e abril, mas o resultado anual ainda ficou 4,5% abaixo do
contabilizado em 2019. Além disso, a recuperação ocorreu em ritmo decrescente
ao longo dos oito meses.
As
vendas do comércio varejista mostraram ainda mais claramente a perda de vigor
da economia nos meses finais. O volume vendido em dezembro foi 6,1% menor que o
de novembro, quando já havia ocorrido recuo mensal de 0,1%. Esses dados já
refletem, muito provavelmente, a redução do auxílio emergencial a partir de
setembro, quando o pagamento mensal passou de R$ 600 para R$ 300. Ainda assim,
as vendas acumuladas no ano foram 1,2% maiores que as de 2019.
O
pior desempenho foi, de longe, o do setor de serviços. Além de ter entrado em
recuperação só em junho, com atraso de um mês em relação à indústria e ao
varejo, os serviços terminaram o ano ainda 3,8% abaixo do nível de fevereiro,
mês anterior ao grande choque inicial da pandemia. A atividade em dezembro foi
0,2% inferior à de novembro, num recuo aparentemente pequeno, mas o resultado
geral de 2020 foi 7,8% menor que o de um ano antes. Na área de alojamento e
alimentação, a perda anual do faturamento chegou a 36,9%. Todas as comparações
trimestrais apontaram recuos do setor de serviços em relação ao ano anterior.
Os
serviços são importante fonte de emprego. Seu péssimo desempenho em 2020 – e
provavelmente no início de 2021 – tem sido um entrave importante à abertura de
postos de trabalho e, portanto, à recuperação geral da economia. Mas só um
setor, o agronegócio, passou bem por 2020 e entrou em 2021 com claras
perspectivas de crescimento.
Dados
ao deus-dará – Opinião | O Estado de S. Paulo
É
urgente regulamentar a LGPD e que as empresas invistam em segurança digital
Dentre os efeitos colaterais positivos da pandemia, o maior foi acelerar a digitalização das relações sociais, comerciais e profissionais. Mas isso multiplicou exponencialmente as oportunidades para os crimes cibernéticos. Em pouco mais de dois meses, os brasileiros se viram vitimados por três megavazamentos de dados. É urgente que o poder público consume a regulamentação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas também que as empresas invistam robustamente em segurança digital.
Em
dezembro, descobriu-se que uma falha no sistema federal de registro de casos de
covid-19 permitiu acesso a informações de mais de 240 milhões de brasileiros
(vivos e mortos). Recentemente, descobriu-se que no fim do ano passado 223
milhões de CPFs e 40 milhões de CNPJs foram vazados. Pouco depois, veio à tona
o vazamento de mais de 100 milhões de contas de celulares, pessoais e
corporativas. São os maiores roubos de informação da história do País e
especialistas sugerem que estão entre os Top 10 mundiais. Entre as vítimas
estão autoridades como o presidente da República, os ministros do STF e os
ex-presidentes da Câmara e do Senado, um sintoma do nível de vulnerabilidade a
que estão expostos os brasileiros.
Os
dois vazamentos recentes foram descobertos pela empresa de segurança PSafe ao
monitorar a comercialização de dados na deep web. A empresa alerta que os CPFs
e dados cadastrais correlatos (como renda mensal ou score de crédito) podem ser
utilizados, entre outras coisas, para fraudes bancárias e para os chamados
golpes de “phishing”, em que criminosos se passam por pessoas e instituições
para roubar senhas e dados. Já os dados celulares (com informações sensíveis
como registros de ligações e mensagens) podem ser usados para chantagear os
proprietários. Os efeitos poderão ser sentidos durante anos.
A
Polícia Federal e a recém-criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados
(ANPD) estão investigando os vazamentos. Mas o próprio fato de que foram
descobertos por uma empresa privada é um indicador de que os serviços de
inteligência dos órgãos de segurança pública precisam se modernizar. De resto,
os dispositivos legais de responsabilização e punição também precisam ser
atualizados.
A
proteção de dados é um tema sensível em países desenvolvidos há décadas. Desde
os anos 80 a União Europeia vem aprimorando sua legislação. No Brasil, a Lei
Geral de Proteção de Dados, baseada no modelo europeu, entrou em vigência em
setembro de 2020. No entanto, sob a justificativa de que as empresas teriam um
ônus financeiro excessivo para adaptar seus sistemas em meio à crise pandêmica,
o Congresso adiou a vigência das sanções para agosto. Com isso, não só a
privacidade dos brasileiros está menos protegida, como o mercado nacional se
mostra defasado em relação a outros, como os de países desenvolvidos ou países
latino-americanos, como Argentina, Chile ou Uruguai, cujas legislações estão em
vigor há anos.
A
ANPD pode investigar os sistemas corporativos e orientar as empresas, mas ainda
não tem como lhes cobrar procedimentos de segurança nem como punir
negligências. Isso não escusa as empresas de incrementarem suas operações de
segurança com treinamentos, controles, rastreamentos e fiscalização da conduta
de colaboradores. O investimento é essencial para lhes conferir confiabilidade e,
logo, competitividade. Acima de tudo, é uma condição para cumprir seu
compromisso legal de proteção da privacidade de seus clientes. Com efeito,
mesmo com a insegurança regulatória em relação à LGPD, as empresas podem ser
responsabilizadas por suas falhas com base em instrumentos como o Código de
Defesa do Consumidor.
As
características singulares do ambiente digital fazem com que crimes
cibernéticos, mais do que quaisquer outros, só possam ser efetivamente
reprimidos com a proatividade do setor privado. Agora que o Brasil corre para
compensar o atraso no sistema nacional de proteção de dados, mais do que nunca
o poder público e a iniciativa privada precisam criar espaços de intensa e
contínua cooperação.
As
chances da vacina – Opinião | Folha de S. Paulo
País
pode reduzir mortes por Covid-19 até maio, mas precisa acelerar o processo
Passado
o pior do pessimismo de janeiro, hoje parece razoável a expectativa de que o
Brasil possa avançar mais rapidamente na vacinação contra a Covid-19.
Estima-se
que serão imunizados até abril grupos de pessoas em que ocorrem atualmente 75%
das mortes provocadas pela pandemia. Antes do final de maio, é viável imunizar
toda uma população em que se contam 89% dos casos fatais.
Deve-se
ressalvar, contudo, que boa parte da quantidade de vacinas suficiente para
proteger essas vidas no período previsto existe apenas no papel, nos
cronogramas do Butantan e da Fiocruz e na promessa de algumas doses do
consórcio internacional Covax.
O
sucesso da vacinação até maio depende da existência de 136 milhões de doses.
Desse total, cerca de 32 milhões já chegaram, foram aplicadas ou podem ser
fabricadas com material já entregue ao país.
Cumpre
acelerar esse processo —e não apenas porque ainda se registram mais de 1.000
mortes pelo coronavírus na trágica média diária nacional. É necessário importar
vacinas prontas e aperfeiçoar o plano de imunização.
A
pasta da Saúde, que precisa superar a incompetência mostrada até aqui, diz
negociar a compra de 28 milhões de doses extras, de produtos da Rússia e da
Índia.
O
objetivo maior e imediato é, ocioso dizer, evitar mortes. Note-se, no entanto,
que os grupos de idade em que morrem quase 90% dos infectados pelo vírus
equivalem a apenas 28% da população brasileira e 37% da população ora vacinável
(maior de 18 anos).
Com
imunizantes para esses estratos de maior risco, decerto o morticínio pode ser
reduzido de modo significativo e haverá alívio nos hospitais. Restaria,
contudo, ameaça relevante para os demais, com o que a vida nas instituições de
ensino ou no trabalho, por exemplo, continuaria prejudicada.
Se
fossem necessários outros argumentos para acelerar a vacinação quase como um
esforço de guerra, há que considerar também que uma epidemia prolongada eleva a
probabilidade de novas mutações virais, as quais podem vir a diminuir a
efetividade das vacinas ou também multiplicar o número já terrível de mortes.
Não
se pode relaxar na cobrança dura das autoridades. O governo Jair Bolsonaro, que
ao menos parece ter compreendido a relação óbvia entre o controle da pandemia e
a recuperação econômica, tem enorme atraso a superar.
O
Brasil não pode se conformar com a perspectiva, por ora ainda otimista, que
prevê a vacinação da população em fins deste 2021. É preciso encerrar o quanto
antes o calendário de mais um ano de morte.
Vírus
motivou obstrução de liberdade e informação em 83 países, incluindo Brasil
Relatório
da organização não governamental Human Rights Watch, divulgado na quinta-feira
(11), mostrou que governos
de 83 países usaram a pandemia de Covid-19 como pretexto para cercear a
liberdade de expressão e de reunião.
Governantes
de perfil autoritário, como os de Hungria, Polônia e Belarus (este, um ditador
sem disfarces), usaram o poder do Estado para ameaçar e prender jornalistas,
fechar veículos da imprensa e reprimir críticos ligados ao setor de saúde e a
grupos de oposição.
Em
Bangladesh, China e Egito registraram-se prisões de pessoas que discordaram de
respostas das autoridades à pandemia. Na América Latina, não surpreende que as
ditaduras de Cuba e Venezuela façam parte da lista.
O
Brasil também é mencionado no relatório, que cita atos do governo Jair
Bolsonaro com o intuito de sonegar informações públicas sobre a doença. Como se
sabe, foi graças à iniciativa de um consórcio de órgãos da imprensa, do qual
esta Folha participa,
que os brasileiros tiveram assegurado o acesso a estatísticas diárias sobre o
número de casos e de óbitos.
Dependesse
apenas do governo federal, o país estaria entregue a manipulações de dados e à
desinformação, como demonstraram inúmeras atitudes do presidente.
Em
sua ofensiva contra evidências científicas e possíveis adversários políticos,
Bolsonaro removeu Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde e, depois de
uma breve passagem do médico Nelson Teich, veio a efetivar na pasta o general
da ativa Eduardo Pazuello.
A
gestão da grave crise sanitária passou às mãos de um quadro despreparado, que
tem se mostrado submisso aos humores do mandatário e cúmplice de decisões que
agridem a transparência.
É
pertinente, como se verificou em países democráticos, que se tenham travado
debates —não raro chegando a protestos populares— sobre as eventuais
contradições entre liberdades individuais e a necessidade de fazer prevalecer
os direitos da coletividade.
Afinal,
trata-se de um contexto em que medidas restritivas se mostraram incontornáveis
para deter a propagação do vírus e evitar o colapso da rede hospitalar.
Tais
questões, contudo, não autorizam ataques contra a liberdade de informação e de
expressão e a violência contra opositores.
Como declarou um diretor da Human Rights Watch, “os governos devem combater a Covid-19 encorajando as pessoas a usarem máscaras, e não impondo mordaças”.
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