Sem
Orçamento e sem plano, o governo vai afinal entrar em 2021
Sem
carnaval, sem dinheiro, sem rumo claro e sem Orçamento, o governo segue, no
entanto, o costume imputado ao povo brasileiro: começar o ano só depois do fim
da batucada. Bem depois, no caso do governo, como se a pandemia solta, a
vacinação apenas iniciada e a economia sem fôlego admitissem lentidão,
indecisão e administração segundo o modelo pazuellino. O presidente Jair
Bolsonaro anunciou mais quatro parcelas de auxílio emergencial, provavelmente a
partir de março. A recém-nomeada presidente da Comissão Mista de Orçamento,
deputada Flávia Arruda (PL-DF), prometeu aprovação da lei orçamentária até o
fim do próximo mês. Com as duas providências, o Poder Executivo poderá iniciar,
enfim, algo parecido com uma gestão normal, com uns três ou quatro meses de atraso.
Sem
a ajuda emergencial, milhões de famílias continuam sofrendo os horrores
econômicos produzidos pela pandemia. O auxílio acabou no fim do ano, porque foi
programado como se o drama devesse acabar em 31 de dezembro. O projeto de lei
orçamentária, enviado ao Congresso no fim de agosto, foi elaborado como se 1.º
de janeiro fosse o começo de uma nova história.
Levou-se
em conta, no projeto, o legado fiscal das ações especiais de 2020: um enorme
desajuste nas contas federais, uma dívida pública bem maior do que se podia
prever, uma gestão financeira muito complicada e nada além disso. Mas o mundo
real seguia um roteiro diferente, com desafios bem mais amplos. O governo
ignorou essa possibilidade, preferindo festejar uma suposta recuperação em V e
apostando numa economia mais forte e com mais emprego em 2021.
Enquanto a pandemia matava, os pobres afundavam, o presidente se envolvia em polêmicas sobre a vacina e o ministro da Saúde fazia tudo errado, o governo derrapava na confusão e perdia tempo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, demorou a admitir, pelo menos em público, a hipótese de novos pagamentos de auxílio. Pressionado pelos novos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, acabou, aos poucos, discutindo o assunto mais abertamente.
Resistiu,
no entanto, a entrar no jogo, como se a nova ajuda aos mais necessitados só
interessasse, politicamente, aos interlocutores. Cobrou soluções, tomando como
exemplo as condições especiais aprovadas no ano passado, mas sem a iniciativa
de uma proposta. Numa ação paralela, ao menos em aparência, o presidente
Bolsonaro logo se mostrou favorável à retomada do auxílio, mas sempre
ressaltando as limitações do Tesouro.
No
entendimento enfim anunciado na quinta-feira, o ministro da Economia apareceu
em segundo plano, porque o presidente da República e os presidentes da Câmara e
do Senado se haviam destacado como defensores da nova ajuda.
O
interesse do presidente Bolsonaro talvez seja, como em outros momentos,
basicamente eleitoral. Mas o socorro aos necessitados pode ser também relevante
para a economia. A recuperação iniciada em maio obviamente se enfraqueceu no
segundo semestre.
Em
dezembro, a produção industrial foi 0,9% maior que em novembro, mas o
crescimento perdeu vigor nos oito meses de retomada. No balanço final, o
desempenho da indústria em 2020 foi 4,5% inferior ao de 2019. O varejo encerrou
o ano com vendas 6,1% menores que as de novembro. O volume vendido em 12 meses
foi 1,2% maior que o do ano anterior, mas os números do bimestre final foram
muito ruins. Quanto aos serviços, começaram a melhorar só em junho, com pouco
impulso, e recuaram 7,8% em 12 meses.
Os
últimos dados do desemprego mostraram 14 milhões de pessoas desocupadas no
trimestre setembro-novembro. Nada sugere condições muito melhores nos meses
seguintes, até porque o setor de serviços, importante fonte de empregos, entrou
muito enfraquecido em 2021.
Mas
o governo pareceu desconhecer todos esses dados, como se a continuação da
retomada estivesse magicamente garantida. Nada relevante foi feito na política
econômica desde o início do ano. Nem os saques da poupança em janeiro, um
recorde histórico, pareceram inquietar a equipe econômica. Ninguém parece haver
considerado a hipótese temível: quantos terão sacado dinheiro para simplesmente
sobreviver?
Sem
Orçamento, o governo depende agora de um decreto, assinado na quinta-feira,
para realizar gastos inadiáveis. Não há notícia de uma política de sustentação
da atividade. Os únicos incentivos são os mantidos pelo Banco Central (BC), com
juros baixos e estímulos ao crédito.
Com
a aprovação do Orçamento e a liberação do auxílio emergencial, importante para
o consumo, o governo poderá aproximar-se de algo parecido com uma gestão
normal. Para isso será preciso combinar ajuste fiscal e ativação econômica,
tarefa tão complicada quanto indispensável.
Mas até a noção de normalidade parece estranha. Afinal, o presidente e sua equipe só tomaram medidas típicas de governo quando foram forçados, pela pandemia, a iniciar ações parecidas com as implantadas em mais de uma centena de outros países. Mas a pandemia continua e as ações típicas de governo sumiram quase inteiramente.
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