Projeto
do governo é até razoável, mas não resolve o problema dos preços
O
projeto de lei do governo Jair Bolsonaro que propõe mudar
o ICMS sobre combustíveis é razoável. Ou melhor, seria razoável
em um mundo em que:
1)
Bolsonaro não fosse o demagogo Bolsonaro: a lei não mexe necessariamente com o
nível do preço dos combustíveis;
2)
os estados se dispusessem a perder receita do ICMS sobre combustíveis, o que é
politicamente inviável se não houver compensações que, em um futuro remoto,
talvez sejam decididas em uma reforma tributária.
O projeto prevê que o ICMS sobre cada tipo de combustível seja idêntico em todos os estados e que o tributo tenha um valor fixo por quantidade (litro ou quilo), em vez de uma porcentagem. Parece inviável.
A alíquota de ICMS varia de 12% a 34% entre os estados. Ninguém vai querer perder receita se não houver alguma compensação. O ICMS sobre combustíveis equivale a quase 15% da arrecadação dos estados, na média.
O
ICMS é cobrado como um percentual do preço de referência dos combustíveis.
Quanto maior o preço, maior a receita de imposto, pois. Se o imposto fosse fixo
por litro, digamos, o preço final de venda subiria menos em caso de aumento do
combustível. Em tese, cairia menos também. Tudo depende da inclinação dos
estados de mexer periodicamente nesse valor fixo de imposto por quantidade.
É
verdade que o projeto de lei pode limitar a sonegação e também acabar com uma
outra mutreta. O ICMS é cobrado sobre um valor estadual de referência do
combustível, em geral uma média de preços em algum período. A fim de arrecadar
mais, alguns estados mexem pouco nessa média (quando esse valor é alto).
Mas
não está aí o problema central. Gasolina ou diesel ficam mais caros porque o
dólar aqui está caro e porque o preço do petróleo está aumentando. Deve
aumentar mais caso a economia mundial saia da lama da epidemia. O dólar está
aparentemente caro demais em parte por causa do estado de avacalhação da
economia e da política.
O
preço nas refinarias é “livre”: nesse
setor ainda dominado pela Petrobras, desde 2017 segue o mercado mundial (ou
quase isso, pois a petroleira tem atrasado reajustes). Caso o governo tabelasse
o preço dos combustíveis, o prejuízo acabaria na conta da Petrobras, como no
governo Dilma Rousseff (tudo mais constante, a empresa tem receita menor,
dívida relativamente maior, paga juros mais altos e investe menos). Com a venda
das refinarias da Petrobras, vai ser difícil controlar preços.
O
preço dos combustíveis tem impacto social sério, como no caso do gás de
cozinha. É possível subsidiá-lo com verba do Orçamento (mas seria preciso
também cortar outra despesa ou aumentar impostos). Subsidiar gasolina e diesel
incentiva a poluição e arruinou a indústria do etanol.
É
também possível reduzir a variação excessiva de preços cobrando um imposto
regulador (como a Cide). Esse imposto aumenta quando os combustíveis estão em
baixa e diminui quando estão em alta. Assim, é possível manter o custo do
combustível dentro de uma faixa mais estreita de variação (desde que baixas e
altas no mercado mundial não sejam muito grandes). O governo não cuidou de
implementar tal política.
Essa
conversa toda é bem velha. Já foi objeto de muita discussão sob Michel Temer,
em 2018. Mas não houve solução alguma para o problema a não ser subsidiar o
diesel dos caminhoneiros a fim de evitar um colapso de abastecimento ou coisa
pior durante o caminhonaço, tumulto aliás apoiado por Bolsonaro, que volta
agora a fazer demagogia.
A gente está cada vez mais rodada, mas não sai do lugar
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