Acabou-se a força-tarefa de Curitiba que durante sete anos mostrou ao país o maior esquema de corrupção de sua História. Morreu sem choro nem vela. Empreiteiros corruptos e onipotentes foram para a cadeia, suas empresas encolheram, milhares de empregos sumiram, e nenhum deles ficou pobre. O juiz Sergio Moro tornou-se uma celebridade nacional, mumificou-se indo para o Ministério de Bolsonaro e de lá para a humilhação pública. Alguns procuradores lambuzaram-se com a fama. Ninguém saiu da Lava-Jato como entrou, e ninguém saiu bem dela.
Só a poesia de Paulinho da Viola captura o tamanho dessa tragédia:
“A marca dos meus desenganos ficou, ficou. (...)
Foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou
levar.”
A Lava-Jato prendeu um ex-presidente da República e destruiu a
máquina do comissariado petista que havia se associado a caciques do Centrão.
Em 2004, antes que a Lava-Jato surgisse, o juiz Sergio Moro escreveu um artigo
louvando a campanha de combate à corrupção que deslegitimou o sistema
partidário da Itália. Com a fama que conquistou, aninhou-se num governo, que
prometia uma “nova política”. Podia-se fazer tudo pelo juiz de Curitiba, menos
o papel de bobo. Enquanto ele dava esse salto, seus colaboradores concebiam uma
fundação bilionária. A “nova política” tornou-se o novo nome do Centrão, com
suas obras e suas pompas.
Numa trapaça da História, a Lava-Jato de Curitiba morreu nos mesmos dias em que voltam a ser conhecidos, com mais detalhes, as conversas promíscuas e primitivas que tinham em suas redes. (Eles continuam dizendo que os diálogos são “supostos”. Supostas foram as falas messiânicas com que embrulhavam o devido processo legal).
Em seus quase 200 anos de História, o Brasil teve solavancos e
ditaduras, mas nunca teve um governo internacionalmente comprometido com o
atraso. (D. Pedro II nunca saiu pelo mundo defendendo a escravidão).
Em 1831, depois de ter assinado um tratado com a Inglaterra, o
governo brasileiro proibiu a importação de escravizados. O Centrão daquele
tempo mastigou a lei, e o tráfico só foi suspenso em 1850. Nesse período
entraram no Brasil 800 mil escravizados. O contrabando alimentava uma economia
que cevava a política de senhores vestidos como europeus. Como ensinou Mark
Twain, a história não se repete, mas às vezes rima.
Registro
Sumiu do radar a privataria dos quatro milhões de vacinas que
seriam comprados por um clube de empresários.
Fica o registro de que no escurinho da rede, nas conversas que
envolviam o presidente da Fiesp, doutor Paulo Skaf, um magano disse que estava
disposto a entrar na operação, pois havia recebido telefonemas de Fábio
Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência, e do senador
Flávio Bolsonaro.
Harvard fez o certo, 38 anos depois
Lawrence Bacow, presidente da veneranda universidade Harvard,
dirigiu-se à sua comunidade para reconhecer e condenar os assédios sexuais do
professor Jorge Dominguez contra jovens colegas e alunas.
Terminou assim um caso que começou em 1983. Sempre que possível,
ele foi varrido para baixo de um tapete. Dominguez, conhecido historiador da
América Hispânica, assediou a jovem colega Terry Karl durante dois anos. Ela
denunciou-o, ele foi afastado de decisões que a envolvessem e tirou uma
licença. Karl foi para Stanford, o caso foi mantido em sigilo, e o professor
seguiu sua carreira, com sucesso. Chegou a vice-diretor de assuntos internacionais
da universidade.
A presidente de Harvard, a professora Drew Faust, visitou o Brasil
em 2011 em grande estilo e trouxe Dominguez em sua comitiva. À época, o
historiador Kenneth Maxwell expôs a bizarrice.
Em 2018, eram 18 as denúncias contra Dominguez, e ele
aposentou-se. No ano seguinte, foi destituído de todos os títulos e convidado a
não frequentar o campus. Resolvera-se uma questão, a dos assédios.
Faltava enfrentar a cultura do abafa de Harvard. Ela foi resolvida
agora, 38 anos depois da denúncia de Terry Karl. Felizmente, as mulheres não
desistiram.
Amil
Na segunda-feira, uma senhora de 90 anos, cliente da Amil há 20,
pagando R$ 4 mil mensais, chegou com dores à emergência do Hospital Santa
Teresa, em Petrópolis.
Ficou duas horas numa sala de espera cheia, e sua acompanhante
ouviu que o sistema da operadora estava fora do ar, sem previsão de retorno.
Tentaram falar com a Amil por telefone e ouviram gravações.
Conseguiram uma maca e um cubículo.
Quatro horas depois, transferiram-se para um outro hospital
particular.
Estavam lá quando, às 23h55m, a Amil finalmente autorizou a
internação.
Em 2014, a mão invisível das operadoras enfiou um jabuti numa
Medida Provisória, graças ao qual o valor das multas cobradas às operadoras
seria decrescente. Quanto mais delinquissem, menor o valor da multa. Dilma
Rousseff vetou a gracinha.
À época, o pai do jabuti, dono da Amil, se explicava:
“O sistema caiu e foram negados centenas de procedimentos, não é
justo que por causa disso se cobrem centenas de multas.”
“Você demitiu o diretor de TI?”
“Não.”
Esses sistemas são espertos, caem para negar atendimento, mas
nunca erram concedendo-os por engano.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e ouviu o presidente da Anvisa, o
médico-contra-almirante Barra Torres, dizer o seguinte:
“A Anvisa tem 22 anos. Nesses 22 anos, pouquíssimas vezes houve
necessidade de tamanha movimentação política. E é necessário isso? Não é, porque
no final quem define são os técnicos.”
O cretino desconfia que Barra Torres não lê jornal. No dia 21 de
outubro, o capitão Jair Bolsonaro escreveu um texto no qual se referia ao que
chamaria de “a vacina chinesa do João Doria”, assegurando: “NÃO SERÁ COMPRADA”.
(Maiúsculas dele.)
Felizmente, o Brasil já comprou mais de dez milhões de vacinas
chinesas.
Ulysses Guimarães dizia que as pressões políticas lhe faziam bem.
Mal, fazem a ignorância ou as malfeitorias.
Arremate
Na terça-feira, a menina Ana Clara Machado, de cinco anos,
brincava na porta de sua casa, em Niterói, levou um tiro e morreu.
A versão da Polícia Militar foi a de sempre: confronto. Ana Clara
foi a quarta criança morta neste ano.
Em setembro de 2019, num episódio semelhante, a menina Ágatha
Félix, de oito anos, estava com a mãe dentro de uma Kombi quando foi morta por
um tiro disparado por outro PM. Era a quinta criança morta no Rio.
O poeta Armando Freitas Filho contou esse caso no seu recente
livro, “Arremate”:
“Rio
Só podia ser de ágata
De ferro e de esmalte
Como todos os demais.
Colegas, amiga de tantas
Outras e outros — meninas.
Meninos — que são perfurados.
Nenhuma bala é perdida.
Através dos dias são certeiras.
Não erram nunca ninguém:
Os que matam e morrem”.
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