Sistema imunológico da sociedade brasileira dá respostas à altura das agressões do bolsonarismo
O
Brasil será vacinado contra a Covid mesmo com as omissões, os erros e os
arbítrios do governo federal. Entramos no terceiro ano da Presidência de Jair
Bolsonaro, mas no 33º ano do Sistema Único de Saúde, o SUS.
Para
cada negacionista
que orbita o poder no Palácio do Planalto, há milhares de brasileiros
empenhados em combater de peito aberto os efeitos da maior crise sanitária da
história.
São
os médicos, enfermeiros e profissionais
de saúde na trincheira para salvar vidas e que estoicamente ignoram os
delírios obscurantistas de seus superiores. Gente que há quase um ano se
desdobra no atendimento dos doentes e agora tocam a campanha de vacinação.
São
os cientistas e técnicos nas frentes de pesquisa, garantindo que as vacinas
sejam produzidas e aplicadas com toda segurança.
São
nossos diplomatas mundo afora que não se deixaram capturar pelo
tradicionalismo, como o diligente time da representação na Índia, que assegurou
as importações de vacina apesar
do disfuncional que os lidera em Brasília.
Butantan e Fiocruz financiados
pelos nossos impostos se tornaram merecidamente o símbolo dessa resistência
humanitária.
Mas
os heróis da resistência democrática são muitos. Incluem os jornalistas que
nunca trataram a doença como uma “gripezinha”.
Os líderes comunitários que organizam exércitos de mobilização. Os políticos
verdadeiramente comprometidos com o povo sem cair no populismo. Os empresários
que entenderam a gravidade do contexto e abraçaram a agenda da inclusão, sem
filas paralelas ou qualquer outro privilégio.
Muita
gente fez —e faz— a diferença ao enfrentar a miopia e a descoordenação apesar
da insistência em atrapalhar de quem deveria liderar o país atualmente.
Temos de reverenciar a resposta diária dos professores nos estados e municípios e aplaudir os projetos públicos de ensino digital como, por exemplo, do Maranhão e do Rio Grande do Sul, que são ações bem sucedidas, apesar de a educação ter sido jogada às traças por ministros extremistas e alienados do marco democrático.
É
necessário reconhecer o amadurecimento do debate
nacional sobre renda básica e, da mesma maneira, é justo louvar o
esforço do Congresso em 2020, que aprovou o auxílio emergencial, apesar da
insensibilidade social de um governo que nunca priorizou os mais pobres.
Precisamos
celebrar ainda os avanços dos movimentos feministas, LGBTQIA+ e antirracistas,
que conquistaram inédita centralidade na discussão pública apesar da misoginia,
da homofobia e do racismo da narrativa desvairada palaciana desde a posse.
A
discussão nas redes sociais apodreceu de vez? Não se a gente se lembrar
do inquérito
das fake news no STF, da atuação das agências de checagem, da autocrítica
das próprias plataformas e da posição esclarecida de muitos
influenciadores digitais.
Os ataques
contínuos esvaziaram a grande imprensa? Não se a gente verificar que o
jornalismo festeja audiências sem precedentes.
Nossas contas
públicas foram totalmente comprometidas por um governo avesso à
transparência? Estão aí os portais especializados e os tribunais de contas para
mostrar que é difícil esconder até suspeitas de leite condensado superfaturado.
O
momento é crítico, mas temos de manter acesa a chama da esperança.
Apesar
da situação
calamitosa na Amazônia devido ao negacionismo presidencial, o Brasil
tem tudo para reverter as curvas
do desmatamento na região.
Aos
poucos e aos trancos, produtores rurais percebem que a rastreabilidade e o
plantio/pecuária sustentável são imperativos no mercado global. O sistema
financeiro começa a estrangular o crédito de quem insiste em desmatar e ignora
as diretrizes ESG, que cobram uma postura moderna em relação ao meio ambiente,
ao desenvolvimento social e às práticas de governança.
Nossas
exportações vão bater recorde, nossa agroindústria se fortalece, debates sobre
produção e sustentabilidade seguem mais vivos do que nunca apesar da tenebrosa
política externa atual e da orientação federal de fazer
“passar a boiada”.
Apesar
de esforços técnicos, o descompromisso com a pauta verde cria
atrito com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Ao
ponto de o comitê de política ambiental da OCDE cancelar a deliberação sobre
elevar o status do Brasil —de convidado a participante— no órgão internacional.
Há quem cometa crimes nas florestas? Há. Em contrapartida, há muita gente disposta a se sacrificar em defesa do meio ambiente.
E
se as autarquias hoje estão politicamente diminuídas, a maioria dos
funcionários públicos continua cumprindo sua missão de fiscalizar, alertar,
denunciar. A voz dos climatologistas nunca foi tão amplificada.
Falam
que a PGR hoje oscila entre silêncios constrangedores e pareceres equivocados
apesar de manifestações
recentes do Conselho Superior do Ministério Público que mostram parte
da corporação vigilante e pronta a responder.
Dizem
que as Forças Armadas estão desmoralizadas. Quem conhece de perto os quartéis,
os oficiais da ativa e a rotina das tropas, porém, sabe da contínua e inestimável
contribuição dos militares para o país —sobretudo nos rincões mais pobres.
As
Forças Armadas não têm um só sobrenome e nem são reféns do familismo. Prefiro
enaltecer figuras honradas como o general Antônio Miotto, que perdeu a batalha
para a Covid e não para a vaidade.
Não
menciono aqui todos esses casos com propósito acomodatício. Moderação não é
passividade. Não dá para tapar o sol com a peneira. A realidade brasileira não
admite ingênuos. Não sugiro, portanto, guardar as panelas, engavetar o debate
do impedimento, banalizar os crimes de responsabilidade, normalizar a dor e a
violência, deixar de lado a indignação.
Pelo
contrário, faço aqui o devido registro da potência do nosso sistema
imunológico, celebrando nossa capacidade de reagir.
É
importante fazer uma análise em perspectiva, especialmente nesta conjuntura tão
polarizada, conturbada e por vezes contaminada por interesses mesquinhos.
O
vírus expôs a fragilidade do nosso contrato social, que precisa ser repactuado.
E as instituições estão sofrendo em mãos irresponsáveis. Mas os pilares da
nossa democracia seguem de pé graças à intervenção de muitos.
Se
é verdade que a sociedade agora está machucada e traumatizada, também é fato
que temos tudo para sair dessa e emergir mais zelosos com nossos direitos,
fortalecidos pelas conexões que realizamos e tonificados pelas novas reflexões
que fazemos. A mudança depende de nós. Somos nós que construímos nosso destino
coletivo.
Projetos
políticos autoritários e truculentos têm problemas inerentes de sustentabilidade.
Num país como o Brasil, imenso em seu território, imenso em suas desigualdades
e imenso em suas potências criativa e empreendedora, autocratas acabam
quebrando a cara e ficando impopulares.
Uma
presidência desprovida de razão e de coração não tem como vingar por muito
tempo entre nós. Por isso, este governo —sem querer— na sua trajetória errática
vai ajudar a revitalizar
a sociedade civil e a consolidar a percepção de que o messianismo
nunca foi – nem nunca será – um atalho para a prosperidade do país.
O
brasileiro voltará a sonhar quando a boa política sacudir a poeira da
polarização e dos “ismos” e, assim, ajudar a nação a dar a volta por cima.
Então
chegará a hora da generosidade, de reconectar as pessoas, de ouvir e acolher
quem pensa diferente, de buscar pontos em comum e transformar as melhores
ideias em realidade.
Chegará
a hora de ouvir, unir e agir! Estou entre aqueles que se engajam nesta
construção. Amanhã há de ser outro dia apesar da triste realidade de hoje.
Jamais vamos desistir do Brasil. Sabemos que mesmo a pior das tempestades ajuda
a florescer o jardim.
*Luciano Huck, apresentador de TV e empresário
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