Não
sendo vitória política, dívida é igual a cobrança, e cobrança em política é
incerteza e instabilidade
Os
que viram o fim da possibilidade de impeachment na
entrega da Câmara a comando bolsonarista, ou antes estavam esperançosos
demais, ou agora estão conclusivos demais. Apesar da aparência, o que Bolsonaro
obteve não foi uma vitória política. Antes e mais,
está para negócio bem-sucedido, como podem ser os negócios que operam à margem
dos formalismos legais.
Mas
não faltaram os formalismos próprios de certa clandestinidade. E deles resultou
que Bolsonaro está com centenas de dívidas, é provável que até perto de umas
três, a pagar aos deputados que venderam seus votos por cargos e verbas.
Bolsonaro não pagará essa dívida, não tem como pagá-la a mais do que uma parte
dos credores.
Não
sendo vitória política, fruto de liderança e não de corrupção, dívida é igual a
cobrança e cobrança em política é incerteza e instabilidade. Já no primeiro
momento da nova presidência, isso se mostrou: Arthur
Lira não conseguiu assegurar a presidência da Comissão de Constituição e
Justiça, a principal, à extremista Bia Kicis, como exigido por Bolsonaro no
acordo de ambos.
Ainda assim, o butim de Bolsonaro deu-lhe o que queria —a obstrução do novo presidente a pedidos de impeachment (os problemas criminais da família, citados por muitos, na verdade transitam fora do Congresso, em mãos investigatórias e judiciais).
Controlar
a Câmara, porém, é insuficiente. O procurador-geral da República, Augusto Aras,
por exemplo, decidiu por uma investigação preliminar sobre
a influência de Bolsonaro e do general Pazuello na formação e no desenrolar da
crise asfixiante no Amazonas e no Pará. Mais político do que outra
coisa, Aras se disse movido por um requerimento do PC do B. Para não mencionar
a numerosa manifestação de ex-procuradores, com presenças notáveis,
cobrando-lhe uma denúncia contra a conduta de Bolsonaro na pandemia.
O
objetivo por trás da medida de Aras é incerto. Tanto mais por seu recente e
falso argumento, para escapulir da mesma medida, de que “ilícitos de agentes
políticos são da competência do Legislativo”.
Se
Aras pretende criar a conclusão de inexistência de práticas puníveis, para dar
por infundados novos pedidos contra Bolsonaro, é esperável que passe ele a ter
dificuldade de permanecer. Há ex e atuais procuradores decididos a agir, e
sabem como fazê-lo. Em outra hipótese, a investigação desenvolve-se com
honestidade —logo,
impeachment à vista.
No
Senado, estão reunidas mais do que as assinaturas suficientes para uma CPI
sobre as condutas de Bolsonaro e Pazuello relativas à pandemia. O novo
presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, e Arthur Lira lançaram uma nota cínica com
as alegadas prioridades do Congresso: “soluções e não problemas”.
Nada
de CPI, pois. Pacheco parece não querer demora para desmoralizar-se. Mas não
tem controle de nada no Senado, muito menos das disputas que exprimem maior
animosidade ao governo.
Bolsonaro
voltou à polêmica das armas, para dirigir as atenções gerais. É sinal,
mais uma vez, de que está se sentindo em dificuldade. E que a corrupção, da
qual participaram generais, não afastou a assombração do impeachment. Sua
vitória na Câmara e no Senado foi real em números. Não, porém, na essência da
situação política.
DISTORÇÕES
Um
crime de 1958 volta à tona. Na sua versão pública, esteve sempre distante da
realidade. O estupro e morte da jovem Aida Curi, agora
objeto do pedido judicial de direito familiar ao esquecimento, foi
brutal também na deformação dos fatos tanto pela investigação como no
julgamento. A figura central do crime foi favorecida pela ação articulada de
três pessoas, que usaram de suas influências respectivamente no Judiciário, na
opinião pública e na polícia.
Um
general, Adauto Esmeraldo, ex-diretor da Divisão de Ordem Política e Social do
então Distrito Federal, com ligação estreita aos outros dois. David Nasser, que
lançou pela revista O Cruzeiro “reportagens” escandalosas com uma versão sua do
crime, dos autores e da jovem vítima. E, muito próximo de Nasser, o famoso
Zica, dono de um grande bar na praça Mauá, zona portuária, que era centro de
câmbio negro de moeda, contrabando, tóxicos e, ponto da marujada, prostituição.
Enteado
do general, Cássio Murilo teve reduzido à irrelevância, e transferido a um
companheiro, o seu papel no crime. Esse outro, de família sem influência, foi o
condenado e cumpriu pena. Cássio Murilo, não muito depois, envolveu-se em mais
um caso policial, e mais outro, sempre com o mesmo resultado, pelos mesmos
meios.
O
assassinato a tiros da socialite mineira Angela Diniz, por seu
companheiro Doca Street, numa praia de Búzios em 1976, foi muito simplificado
em sua versão pública e no processo mesmo. Do contrário, muitos nomes notórios
da “sociedade” seriam expostos. Foi, de fato, um crime típico do machismo
enciumado.
Angela
Diniz, em tudo sedutora, sacudiu o meio intelectual e jornalístico mais
destacado. Ibrahim Sued chegou a quebrar todo o apartamento que custara a ele
mesmo. Mas jornalista só é notícia quando morre.
Os
Bolsonaro, Queiroz, Aécio Neves, peessedebistas vários, Sergio Moro, Deltan
Dalagnol, entre tantos, sabem como certas realidades são fracas no Brasil.
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