Nada
melhor, e às vezes bem fácil, do que sair do alvo terceirizando culpas e
responsabilidades, dando voltas, avançando e recuando, desqualificando os que
denunciam, atiçando os cães de guarda, rindo dos indignados e enganando os
trouxas. O presidente Jair Bolsonaro é
craque nisso, mas ele só acerta porque há quem faça o jogo dele.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, diz que abriu nove “investigações preliminares” sobre a ação, ou inação, de Bolsonaro na pandemia. Motivos não faltam, culminando com o atraso das vacinas, mas as investigações nunca saem das preliminares e quem está objetivamente na mira é o general Eduardo Pazuello. Ele bate no peito para dizer que negocia vacinas em várias frentes, sem se penitenciar por fazer em fevereiro de 2021 o que 50 países sérios fazem desde meados de 2020. Além de submisso e atrasado, ele é atrapalhado.
Em ofícios de julho, agosto e outubro de 2020, revelados pela revista Piauí, o Butantan tentou acordar Pazuello para a corrida das vacinas. Ele não deu bola, como não deu para o oxigênio de Manaus, milhões de testes que perderam a validade, a falta de seringas e agulhas, mais a MP que destinava R$ 37 milhões para a pandemia. Um espanto! Mas ele foi posto na Saúde para isso, para deixar para lá. “E daí?”
Agora,
os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do
Senado, Rodrigo
Pacheco, pressionam o ministro Paulo Guedes para
reavivar o auxílio emergencial, enquanto Bolsonaro fica de espectador, falando
o que o mercado quer ouvir, agradando os dois lados e pronto para capitalizar
no final, como na primeira vez. O Congresso impôs, ele ficou com os louros.
Bolsonaro
também foi rápido no gatilho ao dar uma “solução” para os preços dos
combustíveis: mexer no ICMS, que é... estadual. Assim, lava as mãos e empurra a
culpa, e a conta, para os governadores, que ficam cara a cara com caminhoneiros
em pé de guerra e com a classe média estupefata diante dos R$ 5,15 da gasolina
comum nos postos. Alguém tem que dizer não.
Bolsonaro
também acusou a “vacina chinesa do Doria” de “mortes e invalidez”, cancelou a
compra de 46 milhões de doses, não negociou nada e anunciou que não vai se
vacinar, ponto final. Mas, dessa vez, pegou mal. Até seus seguidores acharam um
pouco demais. Qual a saída de Bolsonaro? Consertar o discurso, repetindo o
tempo todo que sempre quis comprar vacinas, desde que a Anvisa autorizasse.
Então, de quem é a culpa pelo descaso e atraso? O Centrão diz que é
da... Anvisa.
Na
manhã de quinta, o líder do governo, Ricardo Barros,
disse ao Estadão que a Anvisa “não está nem aí para a pandemia” e
iria “enquadrá-la”. À noite, o Senado aprovou MP dizendo que a agência
“concederá” autorização de vacinas em cinco dias. Logo, ela deixa de analisar e
passa a só carimbar os pedidos. É obrigada a autorizar, mas, se houver reações
adversas graves depois, é ela que responde.
O
líder do governo poria a faca no pescoço do contra-almirante Barra Torres,
amigo de Bolsonaro, sem avisar ao presidente? E foi coincidência Bolsonaro
incluir Barra Torres na sua live, horas depois da ameaça do líder e da
aprovação da MP, para dizer que não interfere na Anvisa? Logo, Congresso e
Anvisa se engalfinham, Bolsonaro finge que não é com ele e a falta de vacinas é
culpa da... Anvisa.
Amigos são paus para toda obra, mas os de Bolsonaro são paus, pedras e vidraças. Que o digam Pazuello, Barra Torres, Ricardo Barros, Ernesto Araújo, Guedes, os novos presidentes do Congresso e, dizem as más línguas, Augusto Aras. Perguntei a ele sobre a versões de que as investigações são só “preliminares” para não dar em nada. Ele reagiu: “Segundo meus adversários...” Soou como “eu não estou aqui para brincadeira”. A conferir.
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