No
Itamaraty, a expectativa é a de que Ernesto Araújo deixe de ser ministro em
março. Seria um alívio para várias gerações de diplomatas, porque ele feriu
normas essenciais da boa diplomacia. Um dos problemas para tirá-lo é saber para
onde ele pode ser removido. Ele gostaria de ir para Paris, mas o risco é o
governo de Emmanuel Macron não dar o agrément, que é o consentimento do país
que recebe. Outro risco é o de constrangimento em sessão do Senado, que
recentemente rejeitou o nome do embaixador indicado para Genebra, num recado
para Araújo. Por isso, uma das possibilidades aventadas é a OCDE, posto que não
exige sabatina, já que é uma espécie de embaixador alterno.
Há uma maioria sólida de adversários de Araújo dentro da carreira, mas os últimos acontecimentos aumentaram a indignação. Os olhos dos diplomatas brasileiros acompanharam com estupefação a atitude de Ernesto Araújo na cena em que Jair Bolsonaro berrou palavras sórdidas contra jornalistas numa churrascaria. O ministro aplaudiu, deu gargalhadas, gritou “mito”. Isso provocou repulsa generalizada. Não é nem mais uma questão de gostar ou não do governo, disse uma fonte diplomática, aquilo aviltou a própria Casa, até porque houve matérias no exterior descrevendo a baixeza da cena.
Ernesto
Araújo tem também adversários fora do Itamaraty. O vice-presidente Hamilton
Mourão recentemente falou que ele sairia, mas com isso lhe deu uma sobrevida.
Na entrevista ao “Valor”, publicada na edição de sexta-feira, o senador Ciro
Nogueira, presidente nacional do PP, define o centrão como “estabilizador do
governo” e diz que “a condução do Itamaraty hoje prejudica o Brasil” e por isso
“tem que mudar”.
Os
críticos de Ernesto podem ter motivos diversos, mas existem fatos concretos
contra ele. Na área científica do governo, a convicção é que o Ingrediente
Farmacêutico Ativo (IFA), que acaba de chegar da China para a Fiocruz, demorou
semanas a mais pelos atritos criados pelo ministro com os chineses. No caso da
Índia, a trapalhada de anunciar a ida do avião antes de conversar com as
autoridades indianas causou o maior ruído no país fornecedor. A diplomacia
existe para aplainar terrenos, desatar nós, dissolver conflitos. O pior
problema não são os delírios persecutórios de Ernesto Araújo, mas o prejuízo
que ele dá aos cofres públicos, anulando o empenho de servidores qualificados
para o trabalho diplomático.
—
A grande maioria dos nossos colegas acha que ele não tem o direito de destruir
o Itamaraty como tem feito. O problema não é ideológico. O caso dele é clínico.
Já há claros sinais precursores de que o tempo dele está terminando. O problema
é achar um posto que o aceite. Ele queria que o Brasil fosse um pária, ele se
tornou um pária — resumiu uma fonte diplomática.
Naquela
série de tuítes sobre o assalto ao Capitólio, Ernesto Araújo fez um raciocínio
tortuoso, quase justificando a violência com a hipótese, nunca confirmada, de
“infiltrados”. Definiu os invasores do Congresso como “cidadãos de bem” e ainda
disse, num comentário descabido, que “grande parte do povo americano se sente
agredida e traída pela classe política”. Queria, claro, transpor para o Brasil.
Esse episódio, o reiterado embate com a China, as trapalhadas frequentes com
vários parceiros obrigam muita gente a consertar seus estragos. Suas ações têm
um amadorismo que envergonha uma diplomacia outrora orgulhosa do seu
profissionalismo.
Quem
poderia ir para o lugar de Ernesto Araújo? Há quem fale na ministra da
Agricultura, Tereza Cristina, se a escolha for de fora da carreira. Ela
impressiona os diplomatas pela sua habilidade em negociação, apesar da
incapacidade de entender o cerne do problema ambiental, que será mais
importante durante o governo Biden. Se for da carreira, há pelo menos um que
faz campanha com bajulações explícitas, e há os que têm chances de reequilibrar
o Itamaraty. Existem muitos que preferem distância do atual governo.
Ernesto Araújo tem levado doutrinadores extremistas para falar para os diplomatas jovens e estudantes do Instituto Rio Branco. Não tem tido sucesso nessa tentativa de lavagem cerebral, como se viu pela última turma, que escolheu o poeta João Cabral de Melo Neto como patrono. Ernesto Araújo, ao violentar tanto as normas da boa diplomacia, tem produzido sua antítese. Está aumentando no Itamaraty a defesa da diplomacia como carreira de Estado.
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