Assistimos
à destruição do único instrumento que assegura a estabilidade dos governos, os
partidos políticos
Uma
crise que já vinha se arrastando há bastante tempo era a perda de prestígio dos
parlamentos do mundo inteiro, sujeitos a crítica permanente sobre a eficiência
das instituições e a conduta dos representantes.
No
Brasil, essa crise estava superposta à outra muito mais grave, a desorganização
administrativa das duas Casas, Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Recordo-me que, quando assumi a Presidência do Senado pela primeira vez, em
1995, o registro da presença dos senadores era feito pela portaria, à proporção
que iam entrando na Casa. Isso fazia que o plenário ficasse quase sempre vazio,
embora houvesse o pagamento integral, sem desconto, das diárias que
regimentalmente eram calculadas pelo comparecimento às sessões plenárias,
gerando crítica permanente da imprensa. O Diário do Congresso era publicado com
grande atraso, e eu naquele tempo encontrei o Senado com as atas atrasadas seis
meses. Não se sabia que matérias seriam discutidas, porque não existia pauta
antecipada: ela era feita na véspera das sessões. Corrigimos então esses
problemas fazendo o registro em plenário, durante as sessões, e programando,
juntamente com as lideranças e com muita antecedência, a pauta.
Com
o advento da internet, estes problemas se agravaram, pois era um novo
instrumento de fiscalização e crítica das duas Casas. Discutia-se muito, não só
no Brasil como no exterior, que com o seu crescimento, passando a ser
fortemente digital, a mídia entrou como novo interlocutor da opinião pública. E
se perguntava: quem representava a opinião pública era o Parlamento, cujos
representantes eram eleitos de quatro em quatro anos, ou a mídia, que exercia
vigilância diária e daria legitimidade às votações das matérias controvertidas?
Era a famosa “voz das ruas”, que existia desde séculos e que agora tinha
ganhado nova formatação.
Somava-se a esta outra crise, a dos partidos políticos. No Brasil, sobretudo porque o regime militar tinha tomado o que considero sua pior decisão: a extinção dos partidos políticos tradicionais, criando por decreto dois partidos, o MDB e a Arena.
Ora,
a escola de líderes políticos bem ou mal era feita pelos partidos; eles
construíram, no Império e na República, grandes nomes. Desaparecendo essa
escola ficamos à mercê dos outsiders e assistimos à destruição do único
instrumento que assegura a estabilidade dos governos, os partidos políticos.
O
Clinton assim resumiu a crise dos partidos: os partidos políticos não eram
necessários para as campanhas eleitorais, que podiam ser feitas pela mídia, mas
os governos não podiam governar sem partidos — e, quanto mais sólidos fossem
estes, mais estáveis seriam os governos e mais forte seria a democracia.
Essa
dupla crise, dos partidos políticos e do parlamento, criou esse grande problema
que até hoje a democracia não conseguiu resolver. Nos países subdesenvolvidos
politicamente, o desastre é grande, e a instabilidade, maior. Assim, buscam-se
modelos que nada mais são do que arranjos episódicos. Vejam o Brasil. O tal
presidencialismo de coalizão nos tem dado permanente instabilidade política e liquidado
as lideranças, dando margem a acusações de corrupção dentro das Casas
legislativas na votação de diversas matérias.
Acabamos
de assistir a uma dessas crises, em que, não existindo partidos estruturados e
fortes, criaram-se novas denominações, como “centrão” e outras, que até hoje
ninguém sabe o que são. Mas não posso ser pessimista: acredito que vamos
encontrar soluções que fortifiquem o regime democrático e aprofundem o
prestígio do Parlamento.
*José Sarney, ex-presidente da República
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