quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Fernando Exman - Crônica de uma vitória anunciada


- Valor Econômico

Depois de Cidadania e Saúde, aliados cobiçam Educação

Há meses não se via um movimento daqueles, em plena segunda-feira pandêmica, na conhecida “rua dos restaurantes” da Asa Sul.

Localizado a dez minutinhos do Congresso - de carro, claro, para enfrentar a precária mobilidade urbana da capital federal -, o endereço tornou-se um destino tradicional de parlamentares na hora do almoço ou depois das votações. Nos últimos meses, contudo, os carros oficiais viraram objeto raro na paisagem.

Uma exceção foi justamente a última segunda-feira. A exigência legal de que as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado fossem realizadas presencialmente deu um alívio não só para os caixas dos restaurantes ali instalados, como ajudou também quem foi atrás de informação.

Motoristas à espera, deputados e dirigentes partidários comendo, confabulando. Preparavam-se para as sessões que dali a algumas horas definiriam a nova cúpula do Legislativo. O maior distanciamento entre as mesas não prejudicava quem tentava aproveitar o descuido de alguma excelência um pouco mais incauta.

À frente, um dirigente partidário falava baixo com seu interlocutor. Nada feito. Ao lado, guarda baixa. E o assunto era um só: a perspectiva de vitória dos candidatos governistas, que se confirmaria em breve.

“Bolsonaro vai fazer barba e cabelo. Só não vai fazer o bigode porque não tem uma terceira Casa. Se tivesse bigode, faria também”, falava em voz alta um deputado do Nordeste aos companheiros de mesa. Ele dizia possuir uma lista dos colegas da bancada estadual que, embora tivessem sinalizado apoio a Baleia Rossi (MDB-SP), votariam com ele em Arthur Lira (PP-AL). Inclusive de siglas de esquerda. “Este aqui só disse que vai no Baleia para não perder a chance de ser líder do partido dele, para não perder apoio interno.”

Um dos interlocutores creditou a vitória à experiência acumulada pelo presidente Jair Bolsonaro em seus quase 30 anos como deputado federal: alguém que, nas suas palavras, foi do baixo clero, sabe o que a massa de deputados quer e espera receber do governo. Qualquer governo. E de fato Bolsonaro usou as armas que estavam disponíveis no paiol da Secretaria de Governo, distribuição de emendas e cargos, para emplacar dois parlamentares próximos no comando do Congresso.

Mesmo assim, no Executivo existe a consciência de que fidelidade, nesse tipo de relação, sobretudo com partidos do Centrão, vai até certo ponto. Esta foi a dura realidade enfrentada por governos anteriores, mas na ótica de autoridades do atual governo era o preço a ser pago para que o poder da Presidência da República pudesse ser exercido com amplitude. Contou também, claro, a necessidade de reduzir os riscos de um processo de impeachment ser acolhido.

No governo, há um sentimento de relativa frustração com a demora no avanço das pautas defendidas na campanha de 2018, tanto na área econômica como na agenda de costumes ou de flexibilização no acesso a armas e munições, para citar alguns exemplos caros ao presidente e ao seu eleitor mais fervoroso. Passada a disputa pelo comando do Parlamento, portanto, não haveria mais por que esperar para destravar uma série de votações que vinha sendo postergada por causa da disputa política pelo comando da Câmara, pelas eleições municipais e, depois, pelo recesso.

Aliados do novo presidente da Câmara dos Deputados reconhecem a importância do Planalto nas articulações que levaram à vitória de Arthur Lira, mas destacam o trabalho feito meses a fio pelo próprio candidato e seu grupo. Entre eles, existe a convicção de que a vitória ocorreu a despeito da imprensa, dos formadores de opinião, e que o mercado financeiro precisaria aceitar o resultado do pleito, qualquer fosse ele, para então necessariamente construir uma boa convivência - e interlocução - com o sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Durante a campanha, eles reconheciam que Maia sempre teve um melhor diálogo com os principais agentes do mercado. O agora ex-presidente da Casa fala a mesma língua do ministro da Economia, Paulo Guedes, o que permitiu, inclusive, que eventuais desentendimentos entre os dois pudessem ser superados em determinados momentos. No entanto, às vésperas da eleição integrantes do grupo de Lira passaram a dizer que consideravam incabível o fato de parte do setor privado ver na candidatura adversária mais previsibilidade para a economia, até porque Baleia Rossi havia formado seu bloco com partidos de esquerda.

No Senado, a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) contou com o já conhecido impulso vindo do Palácio do Planalto, mas também foi construída com o apoio de parlamentares que se opõem a algumas das pautas que visam a redução do tamanho do Estado.

Isso não quer dizer que Lira e Pacheco ignorarão o que a equipe econômica disser. Pelo contrário. Ambos pretendem construir saídas conjuntas com Guedes e prometem respeitar o teto de gastos. É provável, entretanto, que ouçam mais a ala política do governo e busquem mais convergências com o próprio presidente.

O ministro Luiz Eduardo Ramos tende a sair fortalecido do processo eleitoral. Depois de ser alvo de insistentes especulações sobre uma eventual exoneração, o chefe da Secretaria de Governo, articulador político do Planalto, pode colocar no currículo sua participação no estado maior dessas duas campanhas vitoriosas.

Onyx Lorenzoni deve mesmo deixar o Ministério da Cidadania para retornar ao núcleo decisório do Planalto. Se conseguir manter a Subchefia para Assuntos Jurídicos sob a Secretaria-Geral, terá controle sobre todo e qualquer ato publicado no “Diário Oficial da União”. A SAJ historicamente foi um braço da Casa Civil, mas foi realocada na atual administração. É um instrumento poderosíssimo e coloca seu detentor muito próximo ao presidente.

A sinalização de Bolsonaro de que não haverá recriação de ministérios já fez com que os interesses da base se voltassem para as pastas da Saúde e da Educação. Agora que ele adotou para valer o presidencialismo de coalizão, será a vez do Centrão fazer barba, cabelo e bigode, até que se defina a pauta que será tocada até o fim de 2022.

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