Aliança
para sempre enquanto dure
Jair Bolsonaro já pagou parte da dívida que tinha com o Centrão ao liberar mais de 3 bilhões de reais para obras em Estados e municípios indicados por deputados e senadores que elegeram Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para presidir a Câmara e o Senado pelos próximos dois anos.
Se
depender de auxiliares de Bolsonaro, porém, a outra parte da dívida – a da
entrega de ministérios e outros cargos importantes da administração pública –
será resgatada em suaves prestações. É para poder avaliar melhor o quanto o
Centrão de fato lhe será fiel. Portanto, nada de reforma ministerial ampla.
O
recomendável é que ela aconteça a conta gotas, na medida em que o governo
consiga aprovar no Congresso projetos do seu interesse. Eles são muitos, e esse
é um dos problemas que Bolsonaro enfrenta porque ele nunca sabe quais deveriam
ser prioritários, e emperra na hora de bancá-los e de ir à luta.
Todo cuidado com o Centrão, pois, é pouco. Para o Centrão, a recíproca também é verdadeira: todo cuidado com Bolsonaro é pouco. Um não confia no outro e tem motivos de sobra para não confiar. Como candidato, Bolsonaro desancou o Centrão e disse que jamais governaria na base do toma-lá-dá-cá.
Quando
começou a dar foi disfarçadamente para não chocar nem ser malhado por seus
seguidores que haviam acreditado em sua palavra. E, queixa-se o Centrão, embora
ultimamente tenha sido mais generoso na distribuição de cargos, posições e dinheiro,
ele ainda está muito longe de entregar tudo que já foi empenhado.
Quem
aderiu a quem – o Centrão a Bolsonaro ou o contrário? A discussão não faz
sentido. O Centrão está onde sempre esteve – na antessala de qualquer governo
que careça de sua prestimosa ajuda. Tem sido assim desde que ele nasceu durante
a Assembleia Nacional Constituinte de 1988. E assim será para todo o sempre.
Bolsonaro
é filhote do Centrão. Enquanto deputado federal, passou por sete partidos do
Centrão e aprendeu com eles o que pôde. Ficou sem partido quando abandonou o
PSL pelo qual se elegeu – queria controlá-lo junto com os seus filhos e acabou
perdendo a parada. Quis criar um novo partido para chamar de seu – perdeu.
Uma
vez que perdeu a parada de intimidar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal
para tocar o país como um governante autoritário, restou-lhe dar meia volta e
pedir socorro ao Centrão. Socorro para salvá-lo de um pedido de impeachment,
salvar os filhos enrascados com a Justiça e salvar o sonho da reeleição.
Não
foram Lira e Pacheco que pegaram carona com Bolsonaro para se eleger. Foi
Bolsonaro que pegou carona com eles para sobreviver. Bolsonaro elogiou Baleia
Rossi (MDB-SP), adversário de Lira, que sempre votou alinhado com o governo,
mas afirmou que não o apoiaria porque ele era apoiado pela esquerda.
Ora,
ora, ora… A esquerda apoiou Pacheco para presidente do Senado e Bolsonaro não
deu um pio. Lira apoiou Lula, apoiou Dilma, apoiou Temer e agora diz que
apoiará Bolsonaro. Amor que será eterno enquanto dure e for conveniente.
A
Câmara faz por merecer Arthur Lira e Bia Kicis
Uma
coisa puxa a outra
Alto
lá! Por que a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) não pode presidir a Comissão
de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara? Só por que ela é
bolsonarista de raiz?
Só
por que ela é investigada pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito que apura
a distribuição de fake news e o financiamento de movimentos hostis à
democracia?
Só
por que ela já postou vídeos nas redes sociais ensinando a não usar máscaras
contra a Covid-19? Só por que em dezembro último ela incitou os amazonenses a
romperem o isolamento social?
A
Comissão é a mais importante da Câmara. Cabe a ela analisar a legalidade e a
constitucionalidade de todos os projetos que ali chegarem – entre eles, pedidos
de impeachment.
É
verdade que a presidência da Comissão sempre foi reservada para políticos de
renome, de passado ilibado e com grande conhecimento jurídico. Ou então para
ex-presidentes da Câmara.
Kicis
não atende a tais pré-requisitos. Mas, e daí? A Câmara também não é mais o que
foi até o final dos anos 90. Há seis anos, seu presidente, Eduardo Cunha
(MDB-RJ), foi cassado e preso.
De
resto, se o deputado Arthur Lira (PP-AL) pode presidir a Câmara, por que Kicis
não pode presidir a Comissão? O passado de Lira depõe mais contra ele do que o
de Kicis contra ela.
Só
no Supremo Tribunal Federal, Lira responde a cinco inquéritos. Três sobre a
eventual prática de corrupção ativa e passiva – incluindo aquele onde se tornou
réu.
O
quarto inquérito investiga crime de formação de quadrilha. No quinto, ele foi
denunciado por crime de lavagem de dinheiro.
Há
ainda uma investigação no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5). A
acusação, neste caso, é de crime contra a administração pública.
Lira
é investigado no Tribunal de Justiça de Alagoas por crimes contra a honra. E
tem contra si, ainda, uma acusação de agressão contra sua ex-mulher.
Presidente
da Câmara é o segundo na linha de sucessão do presidente da República. Na
ausência de Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão, Lira os
substituiria.
Deverá
ser impedido de fazê-lo porque é réu em ação penal no Supremo. Quem substituirá
Bolsonaro e Mourão é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Se a Câmara entende que está em boas mãos com Lira, por que não estará também com Kicis na presidência da Comissão? Os dois se merecem – e a Câmara merece os dois.
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