quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Acabou a desculpa – Opinião | O Estado de S. Paulo

Como Bolsonaro se queixava da falta de colaboração do Congresso, é lícito supor que agora terá força política para tocar sua agenda.

Os candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro venceram as eleições para o comando da Câmara e do Senado. Como Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, passaram toda a primeira metade do mandato presidencial a se queixar da falta de colaboração do Congresso para destravar a votação dos projetos de interesse do País, é lícito supor que agora, com uma direção parlamentar supostamente mais alinhada ao Palácio do Planalto, o governo terá força política para tocar sua agenda adiante.

Ou seja, acabou a desculpa usada frequentemente por Bolsonaro para a impressionante inoperância de seu governo.

Mas é duplamente ingênua a expectativa de que o desfecho da eleição do Congresso dará ao governo melhor condição de governabilidade e permitirá que Bolsonaro, enfim, comece a trabalhar.

Em primeiro lugar, qualquer observador minimamente bem informado sabe que Bolsonaro não trabalhou até agora simplesmente porque é ergofóbico, e não porque não o deixaram trabalhar. Não tem nenhum projeto racional e estruturado de governo, e seu único interesse é se manter no poder e proteger os filhos. Foi um mau militar, na insuspeita avaliação do general Ernesto Geisel, e foi igualmente um mau parlamentar, sem qualquer contribuição para o País; não surpreende que seja um mau presidente.

Assim, mesmo que os novos presidentes da Câmara e do Senado revelem-se governistas leais, o que está longe de ser garantido, nada sugere que Bolsonaro daqui em diante faça mais do que bater ponto e sabotar as raras iniciativas reformistas de seus ministros e de sua base parlamentar.

Em segundo lugar, mas não menos importante, o novo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), é genuíno representante do Centrão – bloco cujos integrantes não saem de casa se não receberem algum estímulo fisiológico. Bolsonaro, que já vinha entregando seu governo ao Centrão, despejou bilhões de reais na campanha de Arthur Lira, na forma de liberação de verbas para deputados em troca de votos.

Mais uma vez, contudo, as aparências enganam. Os impressionantes 302 votos obtidos por Arthur Lira não significam nem que o Centrão tenha tantos deputados nem que todos esses parlamentares tenham se tornado subitamente governistas. Hoje, o Centrão mal tem votos suficientes para aprovar leis ordinárias – quando muito, pode impedir que um eventual processo de impeachment prospere, o que, na prática, é o único interesse do presidente da República.

Seja como for, a vitória dos candidatos apoiados por Bolsonaro no Congresso é um desfecho preocupante, pois um Legislativo amalgamado a um Executivo cujo chefe tem orgulhosa vocação autoritária é obviamente uma ameaça à democracia – a comparação com o assalto ao poder pelo chavismo na Venezuela não é despropositada.

O jogo é bruto, e vai requerer da oposição união e objetivos claros, algo ainda muito distante da realidade. Ao contrário, DEM e PSDB, que pareciam ter pretensões de liderar o movimento de centro contra Bolsonaro, deram vexame na eleição do Congresso, demonstrando imensa fragilidade e confusão de propósitos. Não é possível se apresentar como oposição e, ao mesmo tempo, permitir que seus correligionários se engalfinhem por cargos e verbas oferecidos pelo presidente.

O desanimador resultado da disputa no Congresso pode dar a entender que estamos fadados ao Centrão e ao bolsonarismo, isto é, à escória da democracia. A grandiosa promessa de renovação da política desembocou nisso – a eleição de um deputado condenado por improbidade, apoiado por um presidente que jogou no lixo suas promessas de acabar com a relação fisiológica, tudo ante a impotência de uma oposição covarde. E Bolsonaro, em vez de ser chamado à responsabilidade por suas inúmeras afrontas à lei e aos brasileiros, ganha poder.

Mas, em política, não existem resultados definitivos. As circunstâncias extraordinariamente duras que o País enfrenta demandam um governo sério e um Congresso consciente de seus deveres. Mais cedo ou mais tarde, o País se dará conta de que não temos nem uma coisa nem outra.

O STF nesses tempos estranhos – Opinião | O Estado de S. Paulo

Discurso de Luiz Fux indica um Supremo coadunado com as prioridades do País.

Foi auspicioso o discurso do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão de abertura do ano judiciário. Como convinha, a tragédia da pandemia de covid-19, que já matou quase 230 mil brasileiros, mereceu lugar de destaque na fala do chefe do Poder Judiciário, sobretudo no momento em que a crise sanitária dá evidentes sinais de recrudescimento no País.

Ao lado do presidente Jair Bolsonaro, sabotador de primeira hora das medidas indicadas pelas autoridades sanitárias para contenção do novo coronavírus, Fux afirmou que “é tempo de valorizarmos as vozes ponderadas, confiantes e criativas que laboram diuturnamente, nas esferas pública e privada, para, juntos, nós vencermos essa batalha (contra o coronavírus)”.

Na verdade, desde o início desse flagelo, a Nação carece de ouvir “vozes ponderadas”, especialmente vindas da esfera pública. Não foram poucas as vozes que, ao contrário, estimularam a comunicação truncada entre os entes federativos e a desinformação dos cidadãos, a começar pelo próprio presidente da República, que à esquerda de Fux tudo ouvia, impassível.

O presidente do STF fez bem ao relembrar em seu discurso que em momento algum a Corte Suprema “impediu” a atuação do governo federal no combate à pandemia, apenas reconheceu o óbvio constitucional, qual seja, a competência concorrente da União, Estados e municípios. Por meio de seus canais institucionais de comunicação, o STF já havia desmentido a distorção da decisão alardeada aos quatro ventos por Bolsonaro. Agora, o presidente teve de passar pelo constrangimento de ouvir o esclarecimento da boca do próprio presidente do STF.

Não se pode afirmar que tenha sido esta a intenção, mas, na prática, o discurso de Fux serviu como um contraponto institucional à condução da crise por Bolsonaro. Principal fonte do negacionismo no Brasil, em momento algum o presidente reconheceu a gravidade da crise de saúde, com múltiplos desdobramentos sociais e econômicos, e tampouco mobilizou seu governo para atenuar seus efeitos com um robusto programa nacional de vacinação.

Não por acaso, Fux disse que a ciência – em especial a vacina – permitirá que “a racionalidade vença o obscurantismo”. O presidente do STF teve o cuidado de destacar que “as vozes isoladas que abusam da liberdade de expressão para propagar ódio, desprezo às vítimas e negacionismo científico” não vêm de apenas um Poder. Fux disse ter ficado “estarrecido” com um pronunciamento do presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, desembargador Eduardo Contar, que vociferou nas redes sociais contra “picaretas que defendem o discurso do ‘fique em casa’”. Outro constrangimento para Bolsonaro, que, ao compartilhar o vídeo do desembargador Contar, lhe deu chancela e audiência.

O ministro Luiz Fux também falou para os seus colegas de Corte. “No auge da conjuntura crítica”, disse, “o Supremo Tribunal Federal, em sua feição colegiada, operou escolhas corretas e prudentes para a preservação da Constituição e da democracia.” A relação de Fux com alguns dos demais ministros está estremecida desde o julgamento da possibilidade de reeleição dos presidentes das Casas legislativas, no fim do ano passado. “Rejeitamos o estigma das ‘onze ilhas’, como alguns tentam fazer crer.”

A Nação só tem a ganhar com uma Corte Suprema que privilegia a sua “feição colegiada”, tal como estabelece a Constituição, e que se mostre ciosa de seu papel de último anteparo contra as tentativas de violação da Lei Maior.

Tanto melhor quando o STF se mostra atento às prioridades do País, como o combate ao vírus mortal, a segurança jurídica, a paz social e a construção de um ambiente propício ao crescimento econômico.

Mais importante, porém, é o STF servir como inexpugnável fortaleza da democracia diante de uma súcia cada vez mais atrevida que pretende solapar a liberdade no País.

Reanimar a indústria é só o começo – Opinião | O Estado de S. Paulo

A produção industrial se recupera, mas falta cuidar de perdas bem anteriores à pandemia.

Depois de dez anos muito ruins, consertar a indústria será muito mais complicado que garantir algum crescimento em 2021 e 2022. Dinamismo, eficiência e poder de competição só serão reconquistados com muito investimento e ampla mudança na política econômica. Esses dois fatores continuam fora do radar. Se aumentar 5% neste ano, como se prevê no mercado, a produção industrial poderá superar ligeiramente a de 2019, mas ainda será 8,9% inferior à de maio de 2011. Este é o ponto mais alto da série histórica. Mas isso é apenas uma esperança. Com o recuo de 4,5% em 2020, o volume produzido ficou 13,2% abaixo daquele ponto. Além disso, o quadro imediato mostra um setor pressionado pela alta do dólar e pelo custo maior dos insumos.

Por mais de meio século a indústria funcionou, no Brasil, como um polo de modernização e dinamismo. A reversão tornou-se bem visível na fase final do governo petista. O balanço da produção industrial foi negativo em seis dos dez anos entre 2011 e 2020. O maior recuo, nesse período, ocorreu na produção de máquinas, equipamentos e outros bens de capital. No fim do ano passado, o setor produziu 25,2% menos que em setembro de 2013, pico da série. A longa queda, nesse caso, acompanhou o recuo do investimento em capacidade produtiva e modernização.

Essa perspectiva ajuda a avaliar com algum realismo a recuperação a partir de maio, depois da grande queda ocasionada pela crise sanitária. Em oito meses a indústria acumulou crescimento de 41,8%, na série com desconto de fatores sazonais. Com esse desempenho, o setor superou a perda de 27,1% ocorrida em março e abril e alcançou patamar 3,4% superior ao de fevereiro.

Em dezembro, oitavo mês de recuperação, o setor produziu 0,9% mais que em novembro e superou por 8,2% o resultado de um ano antes. Mas o balanço de 2020 aponta um volume 4,5% menor que o de 2019. Além disso, o crescimento mensal foi o menor desde o início da retomada. Em maio a produção foi 8,7% maior que no mês anterior, quando havia caído 19,5%. A retomada acelerou-se em junho, com aumento de 9,6%. A partir daí as taxas mensais declinaram, até chegar a 0,9% no fim do ano.

Três das quatro grandes categorias tiveram desempenho positivo na passagem de novembro para dezembro: bens de capital (+2,4%), bens intermediários (+1,6%) e bens de consumo duráveis (+2,4%). Nos bens de consumo não duráveis houve recuo de 0,5%. No ano, as quatro categorias encolheram. A maior perda foi a da indústria de bens de consumo duráveis, com produção 19,8% inferior à de 2019. A queda foi puxada pela fabricação de automóveis, 34,6% menor que a do ano anterior.

O consumo das famílias foi o motor principal da recuperação da indústria. Esse motor enfraqueceu com a redução do auxílio emergencial. Na recessão de 2015-2016, a exportação deu algum suporte ao setor industrial, porque a crise era brasileira e o mercado externo tinha algum vigor. Desta vez só o agronegócio teve sucesso nas vendas externas. Muito dependente do mercado sul-americano, especialmente do argentino, a exportação industrial brasileira encolheu.

Em 2020 a indústria de transformação faturou US$ 114,9 bilhões no mercado externo, 11,3% menos que em 2019. As vendas totais para a Argentina ficaram em US$ 8,48 bilhões, 12,7% abaixo da soma obtida no ano anterior.

Essa dependência do mercado sul-americano é efeito de muitos erros de política industrial. A equipe econômica tem falado sobre maior integração nas cadeias globais de produção, mas nada fez de relevante nessa direção. Não basta abrir mercados e chamar investidores. É preciso pensar na preparação da indústria para novos padrões de eficiência e de competição. Isso envolve ações em muitas frentes e se pode começar o trabalho mesmo antes de reformas importantes, como a tributária. Mas isso será possível somente se os formuladores e condutores da política mostrarem uma percepção mais clara de como funcionam a produção e as trocas no dia a dia do mundo real. Essa percepção nunca foi mostrada por essa equipe econômica.

Centrão no comando – Opinião | Folha de S. Paulo

União de interesses fisiológicos com Planalto preocupa por impacto institucional

As vitórias de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e sobretudo de Arthur Lira (PP-AL) para as presidências, respectivamente, do Senado e da Câmara consolidam a ascendência do centrão na política federal. Essa geleia geral de legendas —com poucas ideias e muito apetite por cargos e verbas— selou um pacto de ocasião com um presidente acossado pelo risco de impeachment.

Jair Bolsonaro, por seu turno, consumou o estelionato eleitoral ao despir-se dos últimos fiapos do disfarce de vingador da política que vestiu em 2018. Enganou apenas quem não acompanhou seus sete mandatos como deputado federal especializado na arraia-miúda das transações parlamentares.

Não deixa de ser uma evolução positiva, contudo, o presidente ter deixado de atiçar quarteladas e escaramuças com outros Poderes e passado a fazer política, ainda que no modo rebaixado que lhe restou.

A nota preocupante nessa acomodação de interesses e interessados diz respeito ao equilíbrio institucional. Desaparece das presidências do Congresso, pelo menos enquanto o butim prometido pelo Planalto estiver sendo entregue, a disposição de confrontar investidas autoritárias de Bolsonaro.

O provável enfraquecimento do contrapeso legislativo vai requerer de outras instâncias de controle, em especial do Supremo Tribunal Federal, uma vigilância ainda mais atenta. Aumentam as chances de novos desafios contra a marcha civilizatória nos próximos meses.

O correr do tempo vai responder às dúvidas sobre o tamanho real da força parlamentar do governismo e sobre o que o presidente da República deseja fazer com ela além de se proteger da deposição.

A perspectiva para a renda e o emprego das vultosas parcelas mais pobres da população é de acentuada deterioração. Qualquer remédio que não inclua impor derrotas a grupos privilegiados pelos orçamentos e as regras públicas vai resultar em desconfiança e inflação.

No combate à pandemia, o horizonte não é menos carregado. Meses de incúria e falseamento da realidade por Bolsonaro deixaram o país de joelhos diante do vírus, com precária capacidade de vacinação.

Ter-se associado a chapas vencedoras na Câmara e no Senado não dota o governo de uma súbita competência ou de uma instantânea disposição para enfrentar essas batalhas cruciais. Pelo contrário, o respaldo de maiorias legislativas acaba com desculpas esfarrapadas de que o presidente não pode fazer nada contra as crises.

Talvez ele não queira fazer nada. Talvez ele não saiba como extrair bem-estar para a população brasileira do imenso e ubíquo aparato do Executivo federal. Nesse caso, as vitórias no Congresso vão no máximo adiar a prestação de contas.

Estrela cadente – Opinião | Folha de S. Paulo

Mianmar volta ao controle militar e vê declínio de ex-símbolo da resistência

Nascido em 1948 pelas mãos de um general e governado por boa parte de sua história mais recente por ditadores ou juntas militares, Mianmar surpreendeu o mundo ao patrocinar uma transição pacífica de poder a partir de 2010.

O país do Sudeste Asiático, empobrecido e de médio porte, com 54,4 milhões de habitantes, logrou uma entrega voluntária de comando dos fardados até a eleição de 2015, vencida pelo partido da mais famosa líder da resistência pacífica ao arbítrio, Aung San Suu Kyi.

Filha do general fundador do país, de início chamado Birmânia, Suu Kyi passara 15 anos em prisão domiciliar até ser solta em 2010.

Tornou-se símbolo para ativistas humanitários do Ocidente, sendo premiada em 1991 com o Nobel da Paz. A compleição frágil dessa mulher, hoje com 75 anos, adicionava dramaticidade à sua luta.
Como não poderia virar presidente por ter tido marido e filhos estrangeiros, galgou o poder ao criar para si o cargo de conselheira do Estado, com poderes amplos.

Foi o início de um caminho descendente em termos de prestígio internacional, culminando em supervisão, acobertamento e defesa do papel de seu país no massacre da minoria muçulmana rohingya.

Suu Kyi negou o evento macabro, reportado por agências humanitárias. Honrarias lhe foram retiradas, embora ela retenha o Nobel.

Em casa, a líder permanecia popular. Mas sua ascensão desagradou os militares que, na transição de poder, mantiveram uma enorme musculatura no aparato do Estado, incluindo uma bizarra reserva de assentos no Parlamento.

Eles sacaram a carta da acusação de fraude eleitoral no pleito parlamentar de novembro passado para voltar a pressionar o governo.

O partido de Suu Kyi venceu com mais de 80% dos votos, vitória vista como suspeita até por monitores estrangeiros. Mas os militares, após exigir um novo pleito, resolveram retomar as velhas práticas.

Um general assumiu o comando interino do país por um ano, prometendo eleições livres depois disso —algo incerto. Suu Kyi e seus lugares-tenentes foram presos.

A China e os países vizinhos, todos com suas próprias tensões internas, evitaram condenação do golpe —que não foi assim chamado pela diplomacia brasileira.

Sobra ao Ocidente o dever moral de criticar o movimento, por inócuo que possa ser o gesto, sem ignorar a decadência do símbolo que um dia Suu Kyi encarnou.

Bolsonaro estende influência sobre comando do Legislativo – Opinião | Valor Econômico

Lira não queimará cartuchos com medidas duras que o próprio Planalto sequer defende com entusiasmo

O presidente Jair Bolsonaro despreza a democracia e o Congresso, mas a maioria dos deputados e senadores votaram em massa em candidatos apoiados explicitamente pelo Planalto para comandar Câmara e Senado: o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Com ofertas de verbas e cargos, a maior parte do Centrão abandonou o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que apoiava Baleia Rossi (MDB-SP) na disputa, e seguiu Lira. O MDB deixou ao relento a senadora Simone Tebet (MDB-MS) para sufragar Pacheco. Em manobras que custarão caro, os congressistas se prontificaram a facilitar o caminho de Bolsonaro para a reeleição.

Desde que os partidos ideológicos (PSDB, PT, DEM) perderam o controle e a hegemonia nas duas Casas diante da maré montante de partidos de aluguel ou oportunistas, que se tornaram maioria, o comando do Legislativo tornou-se uma loteria, com prêmios de todos os tipos e vencedores azarões. Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente da Câmara em 2005, foi simplório e modesto se comparado a alguns de seus sucessores, como Eduardo Cunha (MDB-RJ), cassado por corrupção, preso em 2016 e principal artífice do impeachment de Dilma Rousseff. O ambicioso Lira é réu em dois processos no Supremo, um por corrupção passiva e, outro, juntamente com próceres do partido, no processo do “quadrilhão do PP”. Lira também foi suspeito de envolvimento em “rachadinhas” em Alagoas.

A desmoralização do PT por escândalos de corrupção, que lhe custou a derrota para Bolsonaro - mas não o impediu de apoiar o candidato governista no Senado e de hesitar no apoio a Baleia Rossi - e do PSDB - Aécio Neves defendeu o apoio em bloco a Lira - deixaram-nos em segundo plano na Câmara. Desde então, é o centro que comanda tudo e Rodrigo Maia foi por um tempo seu maestro. Por sua iniciativa, e não do governo, foram aprovadas a reforma da previdência e medidas de modernização da economia em linha com a agenda liberal do ministro Paulo Guedes.

A indistinção política - Maia, Rossi, Lira, Pacheco e Tebet votaram com o governo em questões econômicas - ajudou a obscurecer o que estava em jogo na eleição. Para o centrão, trata-se sempre de verbas e cargos. Maia e Rossi queriam unir forças que barrassem os projetos autoritários do Planalto e, em um segundo momento, formar uma frente que impulsionasse uma candidatura centrista para enfrentar Bolsonaro nas urnas.

Bolsonaro viu a construção de uma base parlamentar como um mal necessário, para blindar-se contra um impeachment, ter mais chances de defender seus filhos às voltas com a Justiça e para promover sua agenda eleitoral extremista no parlamento. Para o Planalto, o preço a pagar não importa, desde que garanta a travessia até as urnas em 2022.

A falta de escrúpulos congênita do Centrão e o alto grau de degeneração partidária resultaram em um ato maior de vilania política do Congresso. Os comandos do Legislativo prestaram-se a um alinhamento em aberto com um presidente de feições nitidamente antidemocráticas e ator de extraordinária incompetência - desde o fim da ditadura, é um dos pontos mais baixos a que chegou o parlamento. E tudo ainda pode piorar.

A mentalidade paroquial de disputas mesquinhas na briga pelo comando do Legislativo produziu outros abalos que podem favorecer Bolsonaro. O DEM deixou Rodrigo Maia falando sozinho enquanto ACM Neto deixava em aberto o voto da legenda, que se bandeou para Lira. Maia foi abalroado, junto com seu projeto centrista de conquista do poder. Doria, candidato que com ele flertava, ganhou um problema. Quanto mais divididos os partidos e mais candidatos aparecerem, melhor para Bolsonaro, que sonha com um novo confronto nas urnas com o PT.

As reformas estruturais tendem a ser desfiguradas pelo Centrão, se é que chegarão a ser votadas. Austeridade não combina com esses partidos, nem com Lira. A pressão por auxílio emergencial, cuja necessidade Guedes refuta, crescerá, assim como a por mais investimentos estatais. A agenda de Guedes dificilmente prosperará, não só porque não terá o apoio de políticos como Maia, que a acolheu, mas pela óbvia e pública inapetência do presidente da República. Lira não queimará cartuchos com medidas duras que o próprio Planalto sequer defende com entusiasmo. O Centrão, porém, não será capaz de impedir o dano à popularidade de Bolsonaro, se continuar governando como está. Tornar-se á então um fardo inútil, a ser descartado.

OB Falta O Globo

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