Flávio
Bolsonaro comprou mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Raramente me interesso
por pessoas cujas casas têm banheiros com mármore de Carrara, espaço gourmet,
iluminação LED na piscina, home theater e toda essa papagaiada.
No
entanto os teóricos do bolsonarismo, entre eles Steve Bannon e o chanceler
Ernesto Araújo, sempre afirmam que sua luta é contra o materialismo decadente,
que dará lugar a uma sociedade dominada pelos símbolos e povoada por
sacerdotes.
Uma
das formas de combater essa posição é apontar a distância entre as palavras e a
realidade. Bannon vive como um homem rico, e a mansão do primogênito de
Bolsonaro é mais uma demonstração de que seu grande projeto na vida é
enriquecer.
Existem,
no entanto, outras formas de contestar os teóricos do bolsonarismo, embora
quase ninguém se importe com isso, por achar que eles são autoconstestáveis.
Gosto
dessas discussões, pois, afinal, são parte da minha vida. Nas poucas visitas a
Londres, sempre dedicava meu tempo a passear na querida Charing Cross Road, rua
famosa por suas livrarias, que talvez nem existam mais como antes.
Foi na Charing Cross que comprei cinco volumes de uma pesquisa realizada pela Fundação Europeia de Ciência, sob o título de “Crenças no governo”. O quarto deles foi o que mais me interessou. Chama-se “O impacto dos valores”.
Toda
vez que vejo teóricos da “alt-right” afirmarem que vivemos numa sociedade
materialista decadente, lembro-me desse livro.
Segundo
ele, os pontos da decadência materialista que mais incomodam, o feminismo, a
luta contra o racismo, a ecologia, são na verdade valores que surgiram
precisamente no pós-materialismo, a partir dos anos 60.
A
passagem dos valores materialistas para uma nova fase significa a superação dos
anos de dificuldades econômicas e inseguranças, abrindo espaço para as
necessidades de autoexpressão, pertencimento, satisfação estética, cuidados
ambientais, nesse caso uma ética para com as novas gerações.
Tudo
isso surgiu de mudanças profundas na sociedade. Não houve um processo de perda
de valores, mas sim de câmbio de valores.
As
feministas questionam valores patriarcais, os negros questionam a supremacia
branca, tão cara à alt-right, os intelectuais pós-materialistas condenam uma
ideia de felicidade que consiste na acumulação de riquezas.
Os
teóricos do bolsonarismo, ao se apegar a uma religiosidade popular, são apenas
nostálgicos, pois não examinam as próprias mudanças no interior da religião,
provocadas pelo avanço da racionalidade ocidental, aquilo que os sociólogos
chamam de desencantamento do mundo.
Steve
Bannon dá a impressão de que leu Heidegger. Duvido que tenha feito bom
proveito. Segundo o filosofo alemão, somos um ser no mundo, impossível
descuidar dele.
Trump
e Bolsonaro destroem o meio ambiente em nome de um materialismo vulgar, que
supõe que somos senhores do mundo e o controlamos de uma posição exterior.
Não
quero dizer que as lutas modernas são perfeitas, nem negar que às vezes se
excedem. Também não acredito que a questão identitária possa substituir uma
consciência que envolva o problema de todos.
Quero
apenas acentuar que os líderes espirituais da extrema-direita buscam reviver um
passado que não existe mais e, mesmo quando essa ilusão leva a uma vitória
eleitoral, é completamente incapaz de conduzir o presente. Por isso, volto à
mansão do senador Flávio Bolsonaro e encontro nela um espaço mais adequado para
traduzir os anseios de um grupo político que apenas se aproveita da
religiosidade popular para atender aos anseios de acumular riquezas.
Não é por acaso que o grande líder mundial dessa corrente é Donald Trump. E seu correspondente tropical entope o país com armas, em confronto com a própria religião.
2 comentários:
Gabeira sempre na MOSCA!!!
Concordo plenamente,aquela falsa ilusão de superioridade e sempre levando em conta fatos históricos do senso comum.
Postar um comentário