quinta-feira, 25 de março de 2021

Gabriela Prioli - Bolsonaro não mudou de tom

- Folha de S. Paulo

Quantas vidas perdidas a cada vez que o Congresso dá a última chance a Bolsonaro?

Há alguém que, baseado no que vimos no pronunciamento de terça (23), acredite de fato que Bolsonaro mudou sua concepção sobre o vírus? Que me perdoem os ingênuos, mas crer que o caos que vivemos seja causado pela nova variante do vírus é o mesmo que dizer que o que tínhamos desde o começo de 2020 era só gripezinha. O risco não surgiu agora, ele existe há mais de um ano. Variantes são consequência do descontrole —agravado pelo discurso e pelas ações do presidente—, não o inverso.

Bolsonaro mente sobre a vacina. Divulga dados sobre doses de vacina em números absolutos para mentir sobre o fracasso dos números relativos. Seu fracasso. Não mudou de tom: aproveitou-se da falta de conhecimento das pessoas sobre método científico e estatística para recomendar a cloroquina e também quando usou gráficos de bancos de imagem para divulgar, sem dados, "resultados de pesquisas".

Bolsonaro mente ao prestar solidariedade. Se verdadeiramente sentisse muito pelas vítimas, falaria a verdade, em sinal de respeito. Defenderia o uso de máscaras e condenaria aglomerações. Pararia, ele próprio, de aglomerar. Defenderia as medidas que restringem a circulação de pessoas para evitar o já real colapso no sistema de saúde e anunciaria medidas de transferência de renda dignas para que as pessoas pudessem ficar em casa em segurança.

Mas isso ele não faz. Bolsonaro continua o mesmo.

Se a resposta ao patamar máximo de rejeição à sua gestão na pandemia, às críticas vindas de aliados e à elegibilidade de Lula é o que vimos na última terça-feira, a "mudança" está longe de ser suficiente.

Dizer que Bolsonaro mudou de tom é perigoso porque legitima os atos de todos aqueles que se eximem da sua responsabilidade em conter os seus desvarios que causam a morte de cidadãos brasileiros. Qual o saldo, em vidas perdidas, a cada vez que o Congresso dá a "última chance" para Bolsonaro?
Bolsonaro não mudou de tom.

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