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O Globo
O
Congresso assumiu o comando de um “comitê de crise” contra a Covid-19, criado
com um ano de atraso pelo presidente Jair Bolsonaro. As lideranças políticas do
país, refletindo o pensamento de setores empresariais, da classe média desiludida,
da maioria não negacionista emparedada pelo medo da pandemia sem ser maricas,
tomaram as rédeas da situação, assumindo seu papel de representantes dos
cidadãos. Assumiram o posto do piloto, que sumiu na tempestade.
Mesmo que formalmente Bolsonaro seja o líder, já perdeu a condição de liderar,
e agora é liderado pelo Centrão, formado por políticos experientes, que não
estão dispostos a seguir as maluquices do presidente eventual quando se trata
propriamente do futuro do país e, por conseguinte, deles mesmos.
Uma relação impressionante de sequências foi feita pelo economista e
especialista em risco Paulo Dalla Nora Macedo para demonstrar como chegamos
aonde estamos, no dia trágico quando superamos a casa dos 300 mil mortes pela
pandemia.
O mundo começou a vacinar em escala em janeiro deste ano. Só os EUA vacinaram
31 milhões de pessoas naquele mês. Até 31 de janeiro, o mundo tinha
aproximadamente 2,250 milhões de mortes por Covid-19. O Brasil tinha cerca de
225 mil, ou 10% do total. De 1º de fevereiro até ontem, terão morrido mais 75
mil pessoas no Brasil vítimas da Covid-19, enquanto no mundo foram 500 mil.
Desde 1º de fevereiro, portanto, o Brasil terá concentrado 15% das mortes de
Covid-19, um crescimento de 50% em relação a 31 de janeiro. Se pegarmos apenas
março deste ano, esse número pode se aproximar de 30%. Ou seja, em março, quase
uma em cada três mortes de Covid no mundo deverá ser do Brasil. “Um espanto que
mostra que a aceleração de mortes aqui é absolutamente desproporcional ao resto
do mundo.”
Na comparação com os EUA, o efeito do estágio da vacinação também é bem claro:
até 31 de janeiro, eles estavam muito à frente do Brasil (+25%) no número de
mortes por milhão de habitantes, o que ainda é verdade. No entanto, para as
mortes apenas de 1º de fevereiro até hoje, estamos empatados em mortes por
milhão de habitantes e temos curvas totalmente distintas: nós subindo, eles
caindo. Por isso, se consideramos apenas março deste ano, já temos um número de
mortes por milhão bem acima dos EUA.
A pressão sobre o governo chegou também à Comissão de Relações Exteriores da
Câmara, onde seu presidente, o deputado tucano Aécio Neves, cobrou do ministro
Ernesto Araújo uma ação mais efetiva do governo brasileiro, com nova postura no
debate na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a quebra de patentes de
vacinas e insumos de combate à Covid-19.
Membros do Brics, como Índia e África do Sul, com o apoio de outros 55 países,
querem uma moratória do acordo que regula os direitos da propriedade
intelectual, mas o governo brasileiro se posiciona por uma solução
intermediária, que preserve as patentes, mas leve a uma produção de vacinas e
insumos em países que já estão atendidos para países mais pobres, licenciamento
voluntário negociado com as farmacêuticas, transferência de tecnologia.
“Um dos principais entraves à ampliação da oferta de vacinas no mercado mundial
é o compromisso de patentes e a proibição de exportação de versões genéricas
das vacinas em circulação. De um lado, criticamos a ausência de oferta de
vacinas e, ao mesmo tempo, nos colocamos contrários a um movimento ou uma ação
concreta que pode de forma célere ampliar a oferta dessas vacinas. Quais são as
perspectivas para que uma solução intermediária possa ocorrer?”, atacou Aécio
Neves.
É possível que, agora, haja uma orientação comum no combate à Covid-19 no
Brasil. O comitê formado para coordenar as ações da crise da pandemia será
comandada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Fica claro que, nesse
assunto, Bolsonaro foi suplantado pela pressão do Congresso. Os políticos
abriram os olhos, viram que, do jeito que estava, o país ia afundar, e
resolveram assumir o controle da situação. O problema para Bolsonaro é que o
Centrão está no comando, então ele terá que fazer avaliação sobre apoios
políticos antes de reclamar de alguma medida que venha a ser tomada, como o
lockdown.
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