quinta-feira, 25 de março de 2021

Vinicius Torres Freire – A tentativa de depor Bolsonaro na Saúde

- Folha de S. Paulo

Comitê tenta depor presidente do governo da epidemia, mas mortos-vivos mordem e matam

comitê de combate à epidemia pode dar algum resultado apenas se Jair Bolsonaro renunciar ao comando da Saúde e à propaganda criminosa contra os esforços de controle da Covid-19. Ainda que se retire e se cale, falta saber se o comando do Congresso e Marcelo Queiroga, novo ministro da Saúde, vão apertar o laço de Bolsonaro o bastante para mantê-lo preso e a distância nesse novo “parlamentarismo branco”.

Há sinais de contemporização, de pequenas mordidas e grandes assopros. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara fez na noite de quarta-feira um discurso em que explicita os termos do acordo com Bolsonaro: vai se evitar a escalada que pode terminar em conflito aberto ou com a degola, mas o presidente precisa se colocar no seu lugar. Em 78 linhas, cerca de 65 são de palavras como “também não é justo descarregar toda a culpa de tudo no governo federal ou no presidente. Precisamos ... de alma leve, abrir nossos corações e buscar a união de todos”. Outras 13 têm termos como “remédios políticos no parlamento”, “todos amargos”, “alguns fatais”.

Qualquer tolerância com bolsonarices já será uma rendição, uma farsa completa. Farsa existe, pois o arranjo do comitê é um aditivo do acordo geral centrão-Bolsonaro.

desastre humanitário ampliado já é fato consumado. O que se pode fazer é atenuá-lo a partir de algum momento de abril, o que governadores e prefeitos, nem todos, têm tentado desde o início da semana passada. Mas o combate à epidemia não se restringe ao básico sabotado por Bolsonaro desde março do ano passado (distanciamento, máscara, testagem, vacina). Depende de entendimento científico da disseminação do vírus e planejamento adequado ao que se descobrir a respeito, para dar apenas um exemplo, o que pode exigir medidas duríssimas.

O comando do Congresso, com alguma ajuda ou pressão de parte da elite econômica, fez esse arranjo do “comitê” a fim de evitar um confronto com Bolsonaro, que em parte aderiu ao acordo porque a cena da “união nacional” parece fazer parte de seu novo esquema de propaganda.

No pronunciamento chave de cadeia nacional desta quarta-feira, de mentiras ainda mais repulsivas do que de costume, Bolsonaro posou de líder da vacina, um jogo arriscado que até pode vir a ganhar. Nada disse sobre outras medidas de controle da epidemia, com o que teria de se renegar ou, então, explodir o arranjo do comitê mesmo antes mesmo de sua inauguração. A ideia é refazer sua imagem e ocultar crimes passados, com cumplicidade do Congresso.

Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, tem reunião na sexta-feira com os governadores. A pauta, segundo um governador, é de emergência: mais UTI, mais oxigênio, importação de remédios para intubação (mas não só), sem imposto ou outra trava, e um método nacional e articulado de fazer “lockdowns” ou a versão brasileira, aguada, desse tipo de medida. Muito disso depende de decisão executiva do ministério. Vai ser conversa para inglês ouvir?

Além do discurso, Lira colocou e vai colocar em votação medidas para facilitar importação de remédios, financiamento de UTIs e coisas do gênero, prioridade nos próximos 15 dias.

Queiroga, o ministro, começou a nomear profissionais no lugar dos brucutus do Exército, embora desconverse o quanto pode sobre bolsonarices negacionistas. Até haver uma equipe funcional, no mínimo três semanas, terão morrido outras quase 50 mil pessoas.

Tudo muito pouco e tardio, se é que vai funcionar: para tanto, é preciso que Bolsonaro fique preso na casinha.

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