Congresso
busca responsabilizar Bolsonaro
Contra
a armadilha montada por Jair Bolsonaro na reunião de ontem no Palácio do
Planalto, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo
Pacheco (DEM-MG), exigiram o nome do presidente da República no topo do comitê
anunciado para a gestão da pandemia. Trata-se da garantia contra uma investida
do tipo: “Tentei, montei até um comitê que não resolveu nada, talquei?” Um
comitê do gênero foi tentado na primeira minuta da chamada PEC do Orçamento de
guerra, a primeira proposta de emenda constitucional aprovada no início da
pandemia em 2020. À época, Bolsonaro o recusou porque temia a tutela do
Congresso. Desta vez, o presidente parece não ter alternativa senão colocar o
pescoço no guizo.
A
queda de braço em torno desta responsabilidade marcou a reunião a portas
fechadas e também a cena que se seguiu, ante as câmeras. Lá dentro, Rodrigo
Pacheco cobrou que Bolsonaro liderasse o comitê. Na coletiva, como o presidente
disse que Pacheco faria a coordenação junto a governadores e que este comitê se
reuniria toda semana com “autoridades”, Pacheco achou por bem citá-lo no topo
desta estrutura a ser criada. E ainda acrescentou: “Trata-se de um pacto
nacional liderado por quem a sociedade espera que lidere que é o senhor
presidente da República (...) Fiquei incumbido de ouvir as demandas de todos os
governadores e trazer para este comitê”.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, foi na mesma linha, repetitivo: “Que tenhamos rumos coordenados pelo presidente da República, responsável pela coordenação”. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que estava presente à reunião, mas não participará do comitê, falou a palavra mágica. Nada funcionará sem o “exemplo”. Só faltou completar: do presidente da República, aquele que, minutos antes, insistira em citar o “tratamento precoce”, a cargo do Ministério da Saúde e em respeito ao “direito do médico”.
Foi
um movimento de autodefesa de Lira e Pacheco em relação à armadilha montada por
um presidente acuado pela escalada macabra da pandemia. Na véspera Bolsonaro
apareceu como se fosse um adepto de primeira hora da vacinação, com informações
falsas e sem mea culpa do negacionismo. Ontem, Lira e Pacheco resolveram subir
o tom.
A
portas fechadas, Lira cobrou duas vezes do Itamaraty uma postura pró-ativa na
compra de vacinas, na aquisição de sedativos e no suporte a Estados e municípios
interessados na importação direta do imunizante, dependente da burocracia de
comércio exterior e de logística. Sob pressão, o ministro Ernesto Araújo saiu
da reunião antes do fim, levantando a expectativa de que sua saída do governo
seria iminente.
Como
na véspera o Ministério da Saúde anunciara o sexto cronograma diferente para o
fornecimento de vacinas em abril, com 10 milhões de doses a menos do que
anteriormente anunciado, Lira pediu um levantamento diário de dados sobre
vacinas e sobre o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), cobrança por
transparência reiterada pelo ministro do TCU, Bruno Dantas.
Como
estavam diante de um governo acuado, Lira e Pacheco resolveram entregar as
encomendas recebidas em seus encontros com empresários e banqueiros ao longo da
última segunda-feira em São Paulo, nem todas consensuais. De alguns deles veio
a pressão, mencionada na reunião no Planalto, para que a iniciativa privada
possa comprar vacinas, sem partilhar com o SUS, para a imunização de seus
funcionários. As compras já começam a pipocar e despertam forte interesse dos
habituais atravessadores que trafegam pelo Congresso.
Outra
demanda, menos polêmica, mas sem consenso, é o projeto para que grandes
empresas banquem leitos para covid-19 nos hospitais privados. A justificativa é
a de que os hospitais, ao perderem receita com a suspensão de cirurgias
eletivas, seriam recompensados pela doação de leitos covid-19 por empresas
privadas mediante abatimento no Imposto de Renda. Ou seja, os hospitais serão
ressarcidos pelo contribuinte. O projeto, que foi pautado ontem mesmo na Câmara
dos Deputados, é defendido pelos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, em
São Paulo, mas não pela Rede d’Or, baseada no Rio.
Entre
as razões que levaram o presidente a acatar o cerco, ainda que temporariamente,
está a visita relâmpago a cidades-satélites de Brasília no fim de semana. A
saída não estava na agenda, não foi acompanhada pela imprensa nem pela claque
costumeiramente recrutada para eventos do gênero. O resultado foi muito diferente
do teatro montado pela aglomeração da frente do Alvorada no domingo, quando o
presidente lavou as mãos no espelho d’ água do Palácio e enxugou-as na calça
para servir o bolo de aniversário. Na visita clandestina ele foi recebido com
constrangedora frieza. Até uma criança se recusou a ir para seus braços. Para
manter o pescoço acima da linha d’água, não se arvorou a um mea culpa, nem
parou de mentir, mas fez concessões. Por enquanto, mais de imagem do que de
conteúdo.
Seu
novo ministro se disse incumbido da missão de tranquilizar a população, mas
além de posar ao lado do Zé Gotinha, que voltou com máscara, pouco fez para
tanto. Em sua primeira entrevista, Marcelo Quiroga contorceu-se para não
desautorizar o presidente. Repetiu o dado usado por Bolsonaro no pronunciamento
de que o país é o quinto em número de vacinados, “mas a população é grande”.
Com 15,2 milhões de vacinados (7,2% da população), o Brasil permanece na 50ª
colocação no ranking mundial de imunização por 100 mil habitantes.
Disse
não ter sido responsável pela tentativa de mudança na notificação dos mortos da
covid-19 e comprometeu-se a triplicar o número de vacinados para 1 milhão/dia.
Como não fixou data, não se sabe se isso acontecerá antes ou depois do meio
milhão de mortos. Para secundá-lo na pasta, nomeou o secretário-executivo
adjunto e servidor de carreira do Ministério dos Transportes, Rodrigo Cruz,
quadro da confiança do senador Flávio Bolsonaro.
Dali a pouco, vira a resposta de Arthur Lira. Em pronunciamento no plenário, mandou um recado contra a “espiral de erros”: “Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais”.
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