Sem frear Bolsonaro, 'pacto nacional' interessa mais a ele do que ao país
Parecia
que o coronavírus tinha acabado de chegar ao Brasil. Numa
encenação solene, Jair Bolsonaro e outros chefes políticos se reuniram para
pedir harmonia e prometer um esforço conjunto no combate à pandemia. A
iniciativa chegou depois de 300 mil mortes, e ninguém foi capaz de apontar o
dedo para os principais responsáveis pelo atraso.
Bolsonaro
anunciou um comitê que se reunirá toda semana e que pode "redirecionar o
rumo do combate ao coronavírus". O presidente do Senado falou num
"pacto nacional" liderado pelo Planalto, e o presidente da Câmara
cobrou "uma única orientação nacional", segundo diretrizes do
Ministério da Saúde.
Mudar o caminho do enfrentamento à pandemia, liderar esse trabalho e seguir as orientações das autoridades de saúde foi tudo o que Bolsonaro se recusou a fazer nas últimas 54 semanas. A doença está aí há mais de um ano, já existem vacinas, e os protocolos para conter a catástrofe foram testados. Quando teve oportunidade, o presidente empurrou o país pelo caminho errado.
Ainda
que Bolsonaro tenha recebido agora o papel simbólico de coordenador desse
pacto, dificilmente alguém deve acompanhá-lo. O objetivo real é diluir a
autoridade do presidente, compartilhar as responsabilidades pela situação do
país e reduzir a pressão sobre o governo.
As
credenciais de Bolsonaro na função não resistiram aos primeiros minutos de seu
discurso, na manhã desta quarta (24), após a reunião. Ele até fingiu ter
deixado de lado o falso dilema entre saúde e economia ao dizer que a vida
estava "em primeiro lugar". Mas gastou mais tempo em defesa do
ineficaz "tratamento precoce" do que da vacinação.
Num esforço para zerar o jogo, o presidente ainda chamou mutações de “novo vírus”. A insistência em jogar confetes como a cloroquina sobre sua base de apoio e a constante tensão com governadores, porém, mostram que velhos vícios continuarão presentes. Se não for capaz de frear Bolsonaro, esse teatro interessa mais a ele do que ao país.
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