Para
o mundo, nosso nome é Amazônia. Sem ela, estaremos condenados à irrelevância
Países
têm vocações. A dos Estados Unidos é
clara. No plano internacional, liderar o mundo democrático a partir das
instituições que eles próprios ajudaram a criar – e que atendem pelo nome de
Nações Unidas. No plano interno, beneficiar-se do maior ativo de seu DNA: ser
um país de imigrantes. No período entre as guerras, exilados europeus ajudaram
a consolidar nos Estados Unidos as melhores universidades do planeta. Ao longo
das décadas seguintes, o país atraiu cérebros do mundo todo – talentos indianos
na área digital, por exemplo – dando aos americanos enorme vantagem na economia
do conhecimento.
Por isso era tão estranho ver alguém como Donald Trump – anti-imigração e anti-Nações Unidas – à frente de um país complexo, sofisticado e com ambição de liderança. A eleição de Joe Biden dá a sensação de que os Estados Unidos fizeram as pazes com suas vocações.
Em pouco mais de dois meses de governo, Biden varreu o entulho populista do “America First” e reposicionou o país na liderança internacional. Demarcou linhas claras com China e Rússia – as duas potências rivais, conforme Carlos Gaspar mostra em seu ótimo livro O Retorno da Anarquia (Gaspar, professor da Universidade Nova de Lisboa, é o personagem do minipodcast da semana). Biden também se aproximou da União Europeia, com o intuito de reconstruir o eixo das democracias ocidentais.
E
o Brasil? Qual a nossa vocação?
No
plano interno, ela está inscrita na Constituição de 1988: criar e viabilizar um
estado de bem-estar social. É um desafio complexo numa sociedade desigual. No
plano externo, temos vocação para protagonistas na área ambiental. Abrigamos o
maior pedaço da Floresta Amazônica, temos uma invejável matriz de energia limpa
e somos produtores agrícolas importantes. É natural que participemos das
discussões sobre o problema mais relevante para o futuro do planeta: a mudança
climática. Como lembra Gaspar, o Brasil já foi voz forte nesse e em outros
temas internacionais.
Nossas
vocações, no entanto, estão em crise neste governo. Enfrentamos a tragédia de
300 mil mortos da pandemia – que poderia ser pior se nosso estado de bem-estar
social não tivesse criado o Sistema Único de Saúde. Na área ambiental, o País
enfileira recordes de desmatamento e queimadas, enquanto o governo tira poder e
orçamento das instituições fiscalizadoras. Tal desastre destruiu nossa
credibilidade na área.
Em
2022 teremos eleições. As primeiras pré-candidaturas, mais ou menos explícitas
– Doria? Ciro? Lula? Eduardo Leite? – despontam no debate
público. Esperam-se deles propostas concretas para que o País retome suas
vocações.
O
próprio Biden apontou um caminho. Ele deixou claro que a conversa entre Brasil
e Estados Unidos passa, necessariamente, pela Amazônia. Temos a oportunidade de
recuperar relevância na área ambiental. Para liderar pelo exemplo, o Brasil tem
de ser radical: inflexível na preservação, modelo na agricultura sustentável e
referência na pesquisa sobre energia limpa. Para isso, como sugere Gaspar, os
vários setores envolvidos com o assunto – do agronegócio às organizações não
governamentais – precisam se entender num grande pacto.
Que surja, em meio aos escombros da pandemia, um debate maduro entre nossos aspirantes a Biden. Um dos focos deve ser a questão ambiental. Para o mundo, nosso nome é Amazônia. Sem ela, perderemos nossa voz – e estaremos condenados à irrelevância.
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