Em
dois meses na presidência da Câmara, Lira falou mais alto, mais duro e mais
grosso do que Rodrigo Maia em dois anos
Arthur
Lira não
é nenhum santo. Ao contrário, o presidente da Câmara cometeu tantos pecados que
dificilmente sairia do confessionário sem uma dúzia de rosários para rezar como
penitência. Por isso mesmo, por todas as limitações do principal líder do
Centrão, o sabão que passou no presidente Jair Bolsonaro tem mais valor. Em
dois meses na função, Lira falou mais alto, mais duro e mais grosso do que
Rodrigo Maia em dois anos. Você pode dizer que o Centrão é assim mesmo, morde
forte para depois assoprar e levar alguma coisa em troca. É verdade. Mas o
sinal amarelo de Lira tem outro efeito. O dissuasório.
Não se
trata de
Ernesto Araújo, uma porcaria que não vale nada. O que o presidente da Câmara
divisou foi o seu futuro e o de seu grupo político. Dar apoio a um presidente
fraco é a especialidade do Centrão. É disso que ele se alimenta e se fortalece.
Aliar-se a um estorvo em franca decadência não faz parte do seu receituário.
Foi assim com Dilma Rousseff, de cujo governo desembarcou tão logo percebeu que
aquela canoa não chegaria até a outra margem. Será assim com Bolsonaro. Não é
possível imaginar Arthur Lira, Ciro Nogueira e Aguinaldo Ribeiro ao lado de
Jair Bolsonaro na proa de um navio afundando. Este é o cenário que se avizinha,
e dele estes senhores farão tudo para se afastar.
Bolsonaro mandou dizer que não há nenhum problema entre os dois, e assessores palacianos afirmaram que o deputado segue sendo “fiel ao presidente”. Bobagem, os termos do texto não deixam dúvida do seu destinatário. Embora tenha deixado saídas honrosas, citando todos os Poderes e suas instâncias, o discurso mirou especialmente o Planalto ao mencionar “erros primários, erros desnecessários, erros inúteis”. E é para o seu principal ocupante que estão reservados os “remédios amargos e fatais” mencionados por Lira.
O
discurso pode
ser lido como uma ameaça explícita ao presidente. Todos os termos que constroem
este sentido estão lá. “A política é cruel e busca culpados (...) é um terreno
fértil para linchamentos”, disse o deputado. No caso, o culpado todos sabemos
quem é, não precisa vasculhar muito para descobrir em quem pode ser aplicado o
remédio fatal. Se deixou algumas portas de saída aqui e ali, o discurso aperta
Bolsonaro ao pedir “autocrítica, instinto de sobrevivência, sabedoria,
inteligência emocional e capacidade política” para curar as anomalias geradas
pelo ineficiente combate à pandemia. Deste pacote, o capitão dispõe apenas de
um débil instinto de sobrevivência.
“Tudo
tem limite”, disse
Lira, que em seguida exclamou: “Tudo!”. Poderia ter dito “Chega!”, o sentido
seria o mesmo. Acabou o espaço no Congresso para a política genocida de
Bolsonaro. O sinal amarelo foi claro, o presidente precisa agora agir. O papel
dissuasório do discurso está dado, cabe ao Planalto tomar medidas no sentido
sugerido. Não basta demitir o olavista Ernesto Araújo ou o moleque supremacista
que afrontou o Senado, mas ambos têm que deixar o governo. Se não deixarem,
Arthur Lira será mais do que desautorizado, sairá desmoralizado do episódio. A
mesma desmoralização sofrerá Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, em cujas
costas o moleque racista fez o gesto que alguns entenderam apenas como obsceno.
É
preciso redirecionar
o governo. Trocar ministros esdrúxulos, como o citado Araújo e também Ricardo
Salles. Sim, o discurso de Lira também o alcançou ao afirmar que “esforços no
meio ambiente precisam ser reconhecidos”. O problema é que para reconhecê-los é
preciso primeiro produzi-los, o que não se fará com Salles. O governo precisa
mudar. E já. O Centrão tem tempo, sabe comer pelas beiradas, já provou isso ao
longo dos anos. Mas para isso, precisa sobreviver. E ele não sobreviverá se
continuar abraçado ao negacionismo burro de Bolsonaro.
Desarranjo?
Há
quem diga que as decisões do Supremo sobre Lula desarranjaram o jogo político.
Que alvoroçaram e desalinharam o cenário desenhado para 2022. Prefiro um outro
termo. Mesmo correndo o risco de ser chamado injustamente de petista, vejo os
dois episódios como uma
rearrumação do tabuleiro. Vão dizer que estou defendendo
um político que foi preso por corrupção e, que embora a sentença tenha sido
exarada por um juiz considerado suspeito pelo STF, durante o seu governo deixou
aliados meterem a mão na cumbuca pública. Ainda assim, contando todos os seus
pecados, não dá para compará-lo ao nefasto.
Alucinado
É
alucinante o ritmo com que o governo cria fatos negativos e dispara torpedos
contra o próprio pé. As encrencas se empilham e as mais novas acabam sufocando
as antigas. Tanto que o uso indiscriminado da Lei de Segurança Nacional já vai
saindo da pauta. Mas ela é recorrente. Logo voltará para tentar calar outro
crítico do tenente
que virou capitão quando foi aposentado compulsoriamente
pelo Exército por indisciplina. O STF, quase 40 anos depois, vai derrubar
trechos da lei por incompatibilidades com a Constituição. Melhor tarde do que
nunca.
O
bode
Nenhuma
dúvida, Ernesto Araújo é o pior ministro do governo desde a saída de Abraham
Weintraub. Mas nem por isso os problemas do país se encerram com a sua
demissão. Ele é o bode da sala. Vai ser um alívio retirá-lo do ambiente político,
ceifar seu poder executivo em área tão sensível quanto a das relações externas.
Demitir ministro ruim é importante, e se Bolsonaro seguir por este caminho
sobrarão apenas dois ou três na Esplanada. Mas isso não basta. Apenas com o
corte da cabeça apodrecida da cobra o país voltará a caminhar unicamente com os
seus sobressaltos naturais.
Malcriado
O
menino olavista, supremacista e
malcriado era dono de um cursinho preparatório para candidatos ao Instituto Rio
Branco antes de virar assessor internacional de Bolsonaro. Além de
inexperiente, é um desqualificado e apenas por isso deve ser varrido do serviço
público.
Deslocado
José
Maria da Silva Paranhos Júnior (Barão de Rio Branco), Otávio Mangabeira,
Afrânio de Melo Franco, Osvaldo Aranha, Horácio Lafer, Afonso Arinos, San Tiago
Dantas, Evandro Lins e Silva, Magalhães Pinto, Azeredo da Silveira, Raimundo
Saraiva Guerreiro, Olavo Setúbal, Celso Lafer, Francisco Rezek, Fernando
Henrique Cardoso, Luiz Felipe Lampreia, Celso Amorim, José Serra e Ernesto
Araújo. Que tal esta galeria? Tem alguém deslocado aí?
Protocolos
É
correto dar uma chance ao Marcelo Queiroga. O novo ministro produziu uma das
melhores frases da pandemia, e que pode ser lida de várias maneiras. “É hora de
produzir luz, não calor”, disse ele. Boa vontade o ministro tem. Conhecimento
também. Seus primeiros passos foram símbolos importantes, como a visita a hospitais públicos e
faculdades de Medicina e Farmácia de São Paulo. Ele aprendeu a usar a máscara.
Antes era frouxa e ficava o tempo todo escorregando do nariz. Agora são duas.
Outra coisa, em época de epidemia não se abraça as pessoas, nem mesmo o doutor
Kalil.
Funciona,
sim
Bobagem
dizer que não se deve decretar um lockdown porque
não funcionaria, que ficaria apenas no papel, como afirmou o vice-presidente
Hamilton Mourão. Vamos considerar que 10% desobedeçam a orientação. Ainda
assim, 90% atenderiam a ordem e ficariam em casa. Ou 20% contra 80%, não
importa, a
maioria obedeceria o decreto. Veja o exemplo das praias do
Rio. Você anda pela orla e encontra aqui e ali pessoas na areia, na água,
sentadas numa canga. Mas são poucas, teimosas e negacionistas, que não
representam o fracasso da restrição. Ao contrário, provam a sua
eficiência. Lockdown +
Vacinação = Solução.
Nosso
Rio
Não
se pode negar que o prefeito Eduardo Paes quer o melhor para o Rio. É verdade
que ele demorou a se mexer contra a Covid, mas enfim agiu dura e corretamente. Atacá-lo
por impor restrições no funcionamento da cidade é fazer o jogo do negacionismo
e do bolsonarismo. Paes, que até chegou a se nomear “parceiro” de Bolsonaro no
Rio, afinal acordou.
Jabuticaba
Não
se trata de uma jabuticaba. Segundo o advogado Hélio Saboya Filho, cobrar
direitos autorais de hotéis por execução de música em seus quartos ocorre em todo o mundo, não
apenas por aqui. O STJ aceitou o argumento e decidiu que a cobrança é legal,
encerrando longa batalha entre hoteleiros e autores musicais.
O
leitor pergunta
Paulo Pereira, assinante do jornal, escreveu perguntando em que pé estão as investigações do derramamento de óleo no mar do Nordeste, de 2019. Já vamos para dois anos desde o desastre que enlameou praias de 11 estados, inclusive do Rio. A pergunta deve ser enviada para a Marinha, almirante Ilques Barbosa Júnior, já que o país não pode contar mesmo com Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente, originário da mesma cepa de Araújo e Weintraub.
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