A
aproximação, se acontecer mesmo, despertará paixões
O noticiário traz indícios de distensão entre PT e PSDB. Seria algo inédito neste século, desde que Fernando Henrique Cardoso atravessou o rubicão em 1994 e se aliou ao então PFL (hoje Democratas) para formar um bloco anti-Lula na sucessão de Itamar Franco. Foi um movimento e tanto, pois petistas e tucanos vinham próximos e haviam sido sócios fundadores do impeachment de Fernando Collor.
Daí
sobrevieram duas décadas de polarização eleitoral e política entre as legendas.
O PT derrotou o PSDB sempre que teve segundo turno, já os tucanos ganharam duas
vezes no primeiro turno nos anos 1990. Mas a dança do par acabou quando a
Lava-Jato dinamitou primeiro o petismo e, mais perto da eleição de 2018, o
tucanismo. A força de Luiz Inácio Lula da Silva ainda levou Fernando Haddad à
decisão, mas aí deu Jair Bolsonaro.
As almas crédulas podem acreditar que ambas as agremiações estão mobilizadas pelo ímpeto de salvar o Brasil, já os espíritos mais céticos preferirão esperar para saber se não é apenas um enxergando no outro a escada para voltar ao poder em Brasília. É provável que seja uma mistura das duas coisas, mas na política a narrativa é sempre essencial. E desconfiar dela também.
Essa
dita aproximação, se acontecer mesmo, vai despertar paixões. A favor e contra.
“Provavelmente
o bolsonarismo vai dobrar a aposta conservadora na eleição do ano que vem”
Para
buscar alguma objetividade, será preciso ir às questões de ordem prática. Uma,
simples, é imediata: petistas e tucanos apoiariam um ao outro numa decisão de
segundo turno contra Bolsonaro? Pode parecer prematuro discutir isso a um ano e
meio da eleição, e os políticos, espertos, dirão que é mesmo. Mas é só disso
que se trata. Hoje, parece mais fácil o PT aceitar esse compromisso que o PSDB.
Até
porque as pesquisas atuais dão mais chance ao petismo que ao tucanismo em 2022.
Eu
disse que é só disso que se trata, mas talvez não seja bem assim. Outro ponto
importante: aliar-se para fazer o quê? Qual seria o programa de um governo
petista-tucano, ou tucano-petista? É fácil dizer que farão uma “frente de
salvação nacional”, mas no que consistiria essa “salvação”? Estará o PT, por
exemplo, disposto a abrir mão de suas concepções econômicas e geopolíticas, e
assim fechar o espaço para uma alternativa viável de centro-direita?
2022
vai repetir 2002?
Do
lado do PSDB, há outro problema. Aquele partido com tintura social-democrata
fundado na viragem dos anos 80 para os 90 do século passado ficou na história,
e a legenda hoje tem enraizamento mesmo é no eleitorado mais para conservador.
Uma coisa é assinar manifestos conjuntos nos jornais e na internet. Outra coisa
é fazer o candidato a deputado, senador e governador bater de frente com o
eleitor dele.
Porque
provavelmente o bolsonarismo vai dobrar a aposta conservadora na eleição do ano
que vem. Pois, além de tudo, o conservadorismo é a principal força a explicar a
resiliência do presidente da República em meio à blitzkrieg política que a
condução da pandemia permitiu desencadear contra o governo.
Publicado em VEJA de 31 de março de 2021, edição nº 2731
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