Torpe
submissão aos interesses de um lunático resultou na morte de 300 mil
brasileiros
Bolsonaro
quase me matou em 5 de outubro de 2018.
A
dois dias do primeiro turno das eleições presidenciais, bastante tenso com a
possibilidade de o candidato da extrema-direita vencer os dois turnos, tive um
enfarte agudo do miocárdio.
Aos
amigos e ao colunista Ancelmo Góis, de O Globo,
esclareci que sofrera, na verdade, um “bolsonaro agudo do miocárdio”. Ninguém
contestou, nem duvidou. Uma semana e três stents depois, já estava em casa,
pronto para o segundo turno, cujo trágico desfecho, felizmente, não me levou de
volta ao hospital.
A
simples ideia de ouvir “o presidente Jair Bolsonaro” desafiava minhas
coronárias e alentava minha crença na Primeira Lei de Murphy. Se algo pode dar
errado, certo não dará.
Imaginar na presidência da República aquele deputado do baixo clero, inapto, demagogo, fanfarrão, que nada de útil ou relevante fizera em quase três décadas de politicagem, era algo que me soava tão absurdo e inimaginável quanto William Bonner noticiar que Trump restaurara a monarquia nos EUA e agora era rei, ou que Fernanda Montenegro aceitara participar do próximo BBB.
Parecia-me
então que, tão ou mais duro do que metabolizar a presença do ex-paraquedista na
presidência, seria vê-lo a toda hora na TV, a proferir asneiras com aquela
inflexão vulgar de chefe de torcida de futebol: a fala em staccato para disfarçar
a espessa ignorância, o tatibitate de um espírito tosco, inteiramente
despreparado para o cargo a que o oportunismo político e a insensatez de um
eleitorado ressentido e envenenado por distorções e mentiras das mídias sociais
haviam conduzido.
Ao
menos para mim, foi mais duro, sim. E muito pior ficou depois que ele a seu
vastíssimo currículo de defeitos – não sendo a maneira de falar e a compulsão
para a mentira os menos nocivos de todos – acrescentou uma sádica propensão ao
extermínio de pessoas indesejadas.
Bem
antes de tornar-se réu em potencial do Tribunal de Haia, acusado de genocídio e
ecocídio, Bolsonaro, ainda deputado, já defendia a esterilização em massa de
pobres, por uma perspectiva malthusiana jeca: “É gente demais! Não tem mais
lugar para deitar na praia!”, discursou, em 5 de agosto de 2010.
Depois,
como também está registrado em vídeo – e façamos aqui um brinde à
implacabilidade da internet –, ameaçou mergulhar o País numa guerra civil, para
matar, no mínimo, umas 30 mil pessoas.
Era
só o trailer do filme.
Entre
os cabras por ele marcados para morrer estava o mesmo FHC que há dias não
apenas reiterou sua rejeição ao impeachment como avaliou Bolsonaro “mais
competente que a Dilma” em lidar com os interesses que o seguram no poder;
embora infinitamente menos passível de uma punição parlamentar, faltou
ressaltar, mas ressalto eu, contornando, par delicatessen, a palavra “golpe”,
por sinal já admitida até por seu maior beneficiário, Michel Temer.
Afinal,
o que foram as “pedaladas fiscais” da Dilma comparadas aos estragos promovidos,
em todas as instâncias e gradações, pelo capitão, em 28 meses de disfunção
administrativa? E nem estou incluindo nesse passivo as 300 mil mortes por covid
por ele estimuladas de várias formas – ininterruptamente.
300
mil! Dez vezes mais mortes do que os assassinatos prometidos por sua guerra
civil.
Nada
disso (ou pelo menos em tais proporções) teria acontecido se Bolsonaro tivesse
sido cassado quando pela primeira vez, ainda como deputado, exaltou da tribuna
da Câmara o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o Dr. Tibiriçá das
masmorras da ditadura militar e seu mais notório torturador. Ou se, também por
falta de decoro parlamentar, tivessem-no punido com o devido rigor por
hostilizar, de corpo presente, o Palácio do Planalto como “uma pocilga”, cheia
de porcos “com faixa presidencial e broche de ministro de Estado, zombando,
debochando do povo brasileiro”.
O
mais grave senão da carta-manifesto de economistas e banqueiros, divulgada esta
semana, com críticas às ações de Bolsonaro no enfrentamento da pandemia, à
parte a necessidade de sua elaboração (a elite econômica precisando defender a
adoção de medidas de saúde pública!), foi não exigir, explicitamente, que o
presidente fosse afastado, para o bem do Brasil.
Bolsonaro
é o núcleo, o eixo, a medula, o epicentro, a célula-mãe de toda a crise
sanitária, diplomática, econômica, moral e cultural instalada no País, o
teimoso fiador das nulidades, dos robôs e sabujos que escalou em seus
ministérios, dos quais só passou a abrir mão com menor resistência depois que
seu governo começou a afundar inexoravelmente. Inútil trocar ministros e deixar
o capitão fazendo prevalecer, sempre, a sua vontade, as suas doentias e obtusas
certezas e as de sua prole delinquente, abduzida pelo olavismo e os delírios
nível Lex Luthor de Steve Bannon. É preciso cortar o mal pela raiz.
Em
seu comentário da última terça-feira, no YouTube, o jornalista Bob Fernandes
revelou como o governo Bolsonaro, transviado pelo chanceler olavista Ernesto
Araújo, entubou as pressões de Trump para não comprarmos a vacina russa Sputnik
e medicamentos afins da China, Venezuela e outros “países mal-intencionados”,
na visão Guerra Fria do trumpismo.
Essa
torpe submissão aos interesses de um lunático que já deixou a Casa Branca
resultou na morte de milhares de brasileiros e pode ser comprovada no Relatório
de 2020 do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA.
Afastado o Genocida, seus ministros irão para o vinagre. Aí zeramos a fita e tentaremos salvar o que ainda é possível. Não é só o que o Brasil precisa e espera, mas o que o mundo também espera, para não ser contaminado.
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