sábado, 27 de março de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - Não, eles não mudaram

- O Globo

Por falar em comitê de combate à pandemia, eis o exemplo do Reino Unido: em março de 2020, início da primeira onda de Covid-19, o Parlamento aprovou legislação de emergência — “Coronavirus Act”, com vigência de um ano — dando poderes ao governo para administrar a crise. Isso incluía desde a decretação de lockdowns e fechamento de escolas até compra e distribuição de vacinas, sem que o governo precisasse voltar ao Parlamento a cada nova medida.

Foi uma decisão delicada para o Reino Unido, onde o parlamentarismo tem sua expressão mais forte. Transferir poderes ao Executivo é um movimento raro, para momentos graves.

Nesta semana, a legislação especial foi renovada por mais seis meses, pois o governo ainda luta para debelar a segunda onda — o que, aliás, tem conseguido, com uma combinação de isolamento social e vacinação em massa. Quase metade dos britânicos adultos já recebeu pelo menos uma dose.

No pico da segunda onda, 20 de janeiro deste ano, o Reino Unido registrou 1.826 mortes por Covid-19. Em 25 de março, 61 pessoas morreram.

O governo prepara, então, a segunda fase de relaxamento de isolamento social, a se iniciar em 12 de abril. Na primeira, desde 8 de março, os alunos voltaram às aulas presenciais. Em abril, serão reabertos salões de beleza, academias, ginásios de esportes, bares e restaurantes, neste caso apenas para atendimento externo.

As lições: um governo (ou um comitê), com autoridade legalmente definida; ações com base em planejamento definido com critérios científicos; testagem e avaliação de cada fase.

Por aqui, esse comitê a ser liderado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por enquanto é rigorosamente nada.

Todo o poder de ação, no nível federal, continua com o Executivo, ou seja, com o presidente Bolsonaro e, no caso, seu ministro da Saúde. Só que não há o menor sinal de um programa de ação, muito menos de regras nacionais para as diversas providências, desde decretação de isolamento social até a compra internacional de vacinas.

Nessa ausência, governadores e prefeitos agem conforme seus próprios critérios. Muitas vezes, uns prejudicam outros. Fechar as cidades do Rio ou de São Paulo significa “liberar” pessoas para viajar a outros municípios. Na falta de critérios e coordenação nacional, as autoridades locais tentam se acertar, mas é sempre mais difícil.

Se vai mesmo coordenar alguma coisa — se vai assumir essa responsabilidade ou correr esse risco —, o senador Rodrigo Pacheco deveria providenciar rapidamente uma legislação de emergência estabelecendo a formação, poderes e limitações desse comitê.

Na falta disso, o que tivemos nesta semana foram encenações, como a tal reunião dos chefes dos três Poderes da República. Presidentes da Câmara e do Senado pronunciam “graves” advertências. Mas o que deveriam mesmo fazer era ao menos prover as autoridades executivas, dos três níveis, de uma legislação emergencial que permitisse lidar com a crise.

Por exemplo: regular de maneira clara quem pode comprar vacina; definir os critérios para aquisição de medicamentos e equipamentos sem licitação; e, muito especialmente, estabelecer normas para a participação do amplo e capacitado setor privado no combate à pandemia.

Mas não. Como se viu na votação do Orçamento, o Centrão só se preocupou com abocanhar nacos do dinheiro para suas emendas (ou seja, os gastos que comandam). Pouco dinheiro para Saúde e Educação, muito para a Defesa. E tiraram dinheiro de despesas obrigatórias, como o pagamento de aposentadorias, para financiar gastos populistas.

Ora, como as despesas obrigatórias são... obrigatórias, o governo vai ter que pagá-las. Como? Com mais déficit — o que significa mais juros, mais inflação, menos crescimento.

Alguém acha mesmo que Bolsonaro e Centrão mudaram ou podem mudar? Bolsonaro e Centrão, essa é a pior combinação.

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