Pérsio
Arida foi um exemplo de resistência ao regime militar
O
economista Pérsio Arida é meu herói da resistência ao regime militar. Você
provavelmente conhece ele como uma das mentes por trás do Real. Talvez você não
saiba que Pérsio foi torturado nos calabouços do regime militar.
Pérsio
nunca foi terrorista. Nunca matou um soldado. Nunca explodiu uma bomba. Mas era
membro da seção estudantil da VAR-Palmares. Seu crime foi ter pendurado uma
faixa com os dizeres “Luta armada contra a Ditadura dos Patrões!” numa avenida.
Depois de se esconder numa quitinete durante semanas, foi capturado ao se encontrar com amigos de colégio (considerados “terroristas” pelo regime). Pérsio foi torturado em São Paulo. Ele é asmático. Ter sobrevivido aos choques e ao pau-de-arara é algo fortuito.
O
maior problema do autoritarismo é que ele não tem limites. Como compreender um
regime que usa toda a força da violência estatal para torturar um estudante
inocente? Quem pode isso, pode qualquer coisa.
Mas
essa história tem um final feliz. Após ser torturado, Pérsio contribuiu para
acabar com outro método de tortura, mais silencioso, dos militares: a bomba de
hiperinflação sedimentada por políticas do regime militar.
Entre
1964-84, a inflação média no Brasil foi de 64,5% ao ano. Os militares adotaram
um sistema que ajustava automaticamente preços com base na inflação passada: a
indexação econômica. Esta foi uma condição necessária para a hiperinflação da
década de 1984-94.
Em
64, os militares criaram o Banco Central (Bacen). Até então, era o Banco do
Brasil (BB) — que atuava comercialmente — quem agia como emprestador de última
instância. Para acomodar interesses políticos, os bancos estaduais, controlados
pelos governadores, continuaram sob a tutela do BB.
Para
solucionar o impasse, os militares criaram a “conta movimento”, que balanceava
desequilíbrios entre o BB e o Bacen ao fim de cada dia. Na prática, a conta
movimento significava que os políticos estaduais e federais poderiam imprimir
quantidades ilimitadas de moeda: havia múltiplas autoridades monetárias.
Ministérios podiam ordenar operações de crédito no BB, e os governadores
poderiam fazer o mesmo com os bancos estaduais. No fim do dia, o Bacen era
obrigado a compensar.
A
alta inflação foi o resultado óbvio. O regime militar tentou controlá-la por um
método arbitrário: o “arrocho salarial”. Em bom português, a política significava
que uma parcela menor da renda nacional ficava com os trabalhadores e uma
parcela maior ficava com o governo. Esse era um método que só era possível sob
autoritarismo. Só a perspectiva de um governo que torturava seus opositores
poderia desincentivar as pessoas de protestarem contra uma política que roubava
delas a capacidade de comprar o que queriam e ter vida melhor.
Ao
fim do regime, com as pessoas acostumadas com uma inflação alta e reajustes
anuais, a economia plenamente indexada e uma revolta acumulada pelo arrocho
salarial, a bomba-relógio estava prestes a explodir. E explodiu. É aqui que
nosso herói economista volta à cena.
Trinta
anos após o Golpe, Pérsio ajudou a construir uma Revolução. A estabilização
macroeconômica brasileira foi, de fato, uma Revolução. Ela modificou
completamente as possibilidades das pessoas. A Revolução de 1994 tornou
possível que empresários e consumidores fizessem planos e investimentos e que
governantes pudessem engendrar políticas públicas de uma forma mais ordinária e
transparente.
Em
dois anos, o Plano Real tirou cerca de 9 milhões de pessoas da miséria. Na
década seguinte, uma combinação de crescimento econômico, mudanças demográficas
favoráveis e políticas sociais direcionadas aos mais pobres retiraria mais 20
milhões de pessoas da miséria.
Inflação
e desequilíbrios macroeconômicos são armas de destruição em massa. São armas
que condenam pessoas à miséria, à fome e, consequentemente, à própria morte. E
o desastre hiperinflacionário brasileiro foi gestado pelos militares.As
repercussões humanitárias do golpe alcançaram muito além dos calabouços e dos
alicates dos torturadores (hoje confessos). Elas alcançaram cada pessoa que
teve seu salário comprimido, seu poder de compra destruído, suas importações
encarecidas, suas oportunidades tolhidas.
Hoje, 57 anos após o Golpe, celebro meu herói economista que, apesar de torturado, iniciou, anos mais tarde, a Revolução da Estabilidade Macroeconômica e contribuiu para a superação do legado de autoritarismo, nacionalismo, “exclusionismo” comercial e estatismo da ditadura.
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