- O
Globo
Caminhamos
para uma disputa eleitoral em 2022 com as Forças Armadas sendo utilizadas pelo
presidente Bolsonaro como instrumento político, o que não dá certo em lugar
nenhum do mundo democrático.
O
presidente mistura a incitação de seus militantes contra governadores e o
Supremo Tribunal Federal com uma suposta defesa dos militares.
“Vou ficar sozinho nessa briga? O meu exército, que tenho falado o tempo todo,
é o povo. Sempre digo que devo lealdade absoluta ao povo brasileiro”, inclusive
ao Exército, salientou. “Eu faço o que vocês quiserem. Essa é a minha missão de
chefe de Estado”.
Numa irresponsável atitude política, ele tem lançado ao ar em suas lives
ameaças e advertências: “Até quando nossa economia vai resistir? Que, se
colapsar, vai ser uma desgraça. O que poderemos ter brevemente? Invasão aos
supermercados, fogo em ônibus. Greve, piquetes, paralisações. Aonde vamos
chegar?", perguntou recentemente.
Para complicar, Bolsonaro colocou em pauta o Estado de Sítio, medida drástica
diante de um perigo iminente de declaração de guerra ou convulsão social.
Justamente o que pode acontecer se o presidente da República continuar a
incitar a população a não respeitar os atos dos governadores.
Toque de recolher, que alguns Estados como São Paulo estão adotando, e também o
Distrito Federal, nada tem a ver com Estado de Sítio, e ele sabe disso, está
apenas criando um clima de instabilidade no país, com objetivos
evidentes.
A anulação da condenação do ex-presidente Lula por decisão monocrática do
ministro Edson Fachin, tornando-o novamente elegível e, em consequência, forte
candidato à sucessão presidencial, trouxe de volta os ataques ao Supremo
Tribunal Federal nas redes sociais, e a inquietação nos meios militares com a
possibilidade de sua eleição.
Nas Forças Armadas – e no Exército em particular -, há muita rejeição a Lula e
ao PT, e agora que os processos do ex-presidente voltaram atrás, vai ficar
difícil se essa rejeição passar a ser uma arma da retórica de Bolsonaro sobre o
Exército.
O presidente já esboçou uma “defesa” do General Villas Boas, muito criticado
por ter admitido que o tuíte que soltou na véspera da sessão do Supremo que
analisaria um habeas corpus a favor de Lula foi um aviso dos militares, cujos
comandantes teriam sido consultados, para que não soltassem Lula.
Não creio que a maioria que votou a favor da manutenção da prisão do
ex-presidente o tenha feito com receio de uma reação dos militares, cuja
intervenção na decisão da Corte foi rejeitada, naquela ocasião, pelo decano do
Supremo, ministro Celso de Melo, num discurso histórico.
Agora, com a decisão de enviar todos os processos de Lula para a Justiça do
Distrito Federal, anulando as condenações sem anular as investigações e as
provas, voltou o fantasma de Lula a atormentar os militares.
Bolsonaro aproveitou-se disso para sair em defesa do General Villas Boas, como
se as críticas fossem uma ofensa pessoal, e não a manifestação democrática de
repúdio a uma intervenção indevida. Além das mentiras, o mais grave das
declarações de Bolsonaro é ele se referir ao “meu Exército”, um hábito que não
é coibido.
Volta e meia Bolsonaro relembra ser o comandante em chefe das Forças Armadas –
e realmente é -, como se o status concedido pela Constituição ao presidente da
República lhe permitisse usá-las como instrumento político. Infelizmente, os
militares não reagem a esse abuso, nem mesmo quando fez comícios em frente ao
quartel general do Exército em Brasília, ou quando incentiva ataques ao
Congresso e ao STF.
Por reação, imagino que militares de alta patente pudessem sair do ministério,
para deixar claro que este não é um governo dos militares.
Essa utilização política das Forças Armadas nada tem a ver com a democracia. Os
militares não podem se transformar em uma espada de Dâmocles sobre a política
brasileira, escolhendo quem pode ou não pode concorrer à presidência da
República. O comandante do Exército, General Pujol, tem razão quando diz que a
política não deve entrar nos quartéis. Bolsonaro faz ouvidos moucos.
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