A
democracia brasileira, nos últimos dias, deu mais alguns passos na perigosa
trilha em que entrou. O Supremo Tribunal Federal (STF) aumentou a insegurança
jurídica, ao dar vários sinais de que os ministros tomam decisões que mudam a
vida do país seguindo a lógica das brigas internas da corte. A Câmara entregou
a Comissão de Constituição e Justiça a uma deputada que esteve em atos que
propuseram rasgar a Carta e a Comissão do Meio Ambiente a quem faz parte da
tropa antiambiental. O presidente mais uma vez ameaçou o país com a ditadura,
contando para isso com o silêncio dos generais.
A decisão do ministro Edson Fachin obedece à lógica de que se o caso não é relativo à Petrobras não tem que ficar na 13ª Vara Federal em Curitiba. A dúvida que permanece é por que levar tantos anos para descobrir a procedência da tese sempre apresentada pelos advogados do ex-presidente. Fachin explicou em entrevista a Aguirre Talento e Bela Megale do GLOBO que o assunto havia sido mencionado, mas que ele não recebeu pedido direto da defesa de Lula até novembro de 2020. O ministro disse que a Justiça tem que ser imparcial e apartidária. É verdade. Mas também precisa ser tempestiva. A intempestividade pareceu mais um lance da briga entre duas das onze ilhas da corte
O
ministro Gilmar Mendes afirma que é insuspeito. E explicou por quê: “ao
contrário da ministra Cármen, dos ministros Lewandowski e Fachin, não cheguei
aqui pelas mãos do Partido dos Trabalhadores.” Isso quer dizer que os outros
três ministros são suspeitos em ações do PT? Ou que ele é suspeito para julgar
os casos do PSDB? Ele acusa o ex-juiz Sergio Moro de ter se tornado inimigo do
réu, quando ele próprio dá demonstrações constantes desse sentimento em relação
ao ex-juiz e aos procuradores.
Depois
do duelo jurídico entre Fachin e Gilmar para saber quem tem a última palavra no
destino de um ex-presidente da República, outro conflito emergiu no plenário
virtual do STF. Na quinta-feira, o ministro Marco Aurélio chamou o ministro
Luiz Fux de autoritário e o ministro Alexandre de Moraes de xerife. Foi mais um
sinal ruim. Não é a primeira vez que as divisões na mais alta corte são
expostas, mas esta semana houve um concentrado de votos idiossincráticos e
falas pontiagudas. Quem acredita na democracia defende o STF dos ataques
bolsonaristas, mas, na devastação institucional em que vivemos, certos
ministros deveriam entender que seus ombros envergam as togas não a título
pessoal, mas em nosso nome.
A Câmara
enfraqueceu o sistema de check and balances ao fazer duas escolhas para as
comissões. Não é uma questão partidária que torna a deputada Bia Kicis (PSL-DF)
a pessoa errada para presidir a Comissão de Constituição e Justiça. São as suas
manifestações em rede, ou nas ruas. Ela é uma radical e por isso não terá o
equilíbrio necessário. Kicis esteve em atos que pediram um novo AI-5, o Ato
Institucional que fechou o Congresso e cassou deputados na ditadura. A deputada
Carla Zambelli (PSL-SP) fará o oposto do que se espera de uma presidente da
Comissão de Meio Ambiente. O governo está fazendo uma demolição do aparato
legal que protege o meio ambiente. O legislativo precisava ser o freio e o
contrapeso dessa ação de passar a boiada pela cerca das leis.
O
executivo trabalha contra a democracia. Isso já virou rotina. Basta ouvir o que
o presidente diz. Sua visão distorcida do artigo 142 da Constituição, sobre o
papel das Forças Armadas, é sempre jogada na cara do país como ameaça. Ele está
tentando mudar o que quis dizer com “o meu Exército”, afirmando que se referia
aos seus seguidores, mas a Arma nada fez para lembrar que ela pertence ao país.
Bolsonaro mostrou no Sebrae, no seu habitual tom colérico, que continua prisioneiro da visão conspiratória. Mentiu que o país está há um ano em lockdown e afirmou que isso está sendo feito para atingi-lo. “Até quando aguentaremos a irresponsabilidade do lockdown?” E tudo “só consegue atingir o presidente da República”. Bolsonaro chamou de “estado de sítio” as medidas protetivas tomadas em todos os países do mundo. Houve quem se iludisse, achando que a elegibilidade de Lula iria convencê-lo a mudar. Exceto por aceitar, enfim, a forma esférica da Terra, no resto Bolsonaro continua sendo negacionista. Ele ameaça a saúde dos brasileiros e a democracia. Quando os outros poderes falham, o país fica ainda mais vulnerável ao candidato a tirano que nos governa.
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