A
pandemia avança, enquanto o governo encena a paródia da ditadura militar
Pornochanchada
já era. O Brasil vive agora uma chanchada trágica, encenada pelo mais
incompetente e mais desastroso governo de sua História. Não há como estranhar
as obscenidades de Jair Bolsonaro e de seu filho Eduardo, especialmente quando
dirigidas à imprensa. Suas barbaridades apenas expressam, de modo chulo, o
padrão moral, intelectual e político do grupo instalado no centro do poder
federal. Quando manda enfiar em lugar impróprio as máscaras destinadas à
prevenção sanitária, o filho do presidente celebra, como seu pai, a mortandade
dos brasileiros. Essa grosseria, tipicamente bolsonariana, foi postada em 10 de
março, quarta-feira. No mesmo dia, um novo recorde de mortes pela covid, 2.349
em 24 horas, foi registrado. A família presidencial poderia celebrar um novo
marco em sua história.
Também na quarta-feira o ministro Eduardo Pazuello, famoso por sua omissão quando pacientes morriam sufocados em Manaus, negou o risco de colapso nos serviços de saúde. “O nosso sistema de saúde está muito impactado, mas não colapsou nem vai colapsar”, assegurou. Em todo o País, governadores, prefeitos, secretários e médicos apontavam hospitais lotados e filas de doentes à espera de vaga em UTIs. Todos esses fatos eram componentes de um desastre muito maior: o desmoronamento, iniciado em 2019, da administração federal.
O papel
mais patético nessa quarta-feira coube ao chefão da trupe, o presidente Jair
Bolsonaro. Ele apareceu de máscara, num evento no Palácio do Planalto, defendeu
a vacinação e até lamentou as mortes causadas pela covid. Em São Bernardo, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de novo em condição de concorrer à
Presidência, havia criticado a ação federal diante da pandemia. O senador
Flávio Bolsonaro pediu aos seguidores a distribuição, em redes sociais, de uma
foto de seu pai com a frase: “Nossa arma é a vacina”.
Vinte e
quatro horas depois o Bolsonaro de sempre reapareceu, já sem máscara e com a
truculência habitual. Apoiadores o haviam aconselhado, segundo fontes de
Brasília, a desfazer a impressão de ter sido acuado por Lula. Mas havia sido.
Isso foi evidenciado até pelo globo exibido em sua live de quinta-feira, uma
resposta a quem o havia chamado de terraplanista.
Palavras
grotescas, falsas e ameaçadoras compuseram a live. Contrariando fatos conhecidos e documentados, o
presidente negou ter chamado de gripezinha a covid-19. Confundiu com estado de
sítio as medidas preventivas, como o toque de recolher, determinadas por alguns
governadores. Ele obviamente ignora o sentido de “estado de sítio”, tema tratado
na Constituição.
Bolsonaro
lembrou sua condição de chefe supremo das Forças Armadas. Raramente um
presidente democrata menciona esse fato. Mas, além de falar sobre isso, lembrou
o regime militar e pediu apoio ao povo para enfrentar os governadores. “Como é
que eu posso resolver a situação? Eu tenho que ter apoio. Se eu levantar minha
caneta BIC e falar ‘shazam’, vou ser ditador. Vou ficar sozinho nessa briga?”.
O
palavrório é meio estranho, mas, apesar da obscuridade e dos subentendidos, a
convocação lembra as ameaças de promover algo parecido com a mobilização
comandada pelo presidente Donald Trump. Nos Estados Unidos, o presidente
derrotado na última eleição incitou seus apoiadores a invadir o Congresso. Há
alguns meses, Bolsonaro mencionou o risco de algo semelhante no Brasil se a
eleição de 2022 for realizada sem voto impresso.
Bolsonaro
chamou de herói nacional o torturador Brilhante Ustra, criou mal-estar com o
governo chileno ao elogiar a ditadura do general Pinochet e cita com frequência
o regime militar no Brasil. Referências à ditadura estão longe de ser meros
componentes de uma retórica infeliz, grotesca e muitas vezes chula. O
presidente, seus filhos e vários componentes da administração federal têm
conseguido encenar uma paródia sinistra dos tempos ditatoriais.
O
Ministério da Educação enviou a reitores de universidades federais um documento
ameaçador, prometendo sanções, por “imoralidade administrativa”, a
“manifestações de desapreço ao governo”. A censura é aplicável a professores e
alunos. Um processo disciplinar foi aberto contra o ex-reitor e o pró-reitor de
Extensão e Cultura da Universidade Federal de Pelotas. Ambos tiveram de assinar
um termo de ajustamento de conduta para encerrar o processo.
Técnicos
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também foram pressionados.
Receberam recomendação de limitar seus contatos com a imprensa e de evitar a
divulgação de estudos antes de “aprovação definitiva” pela direção. O
presidente do Ipea, Carlos von Doellinger, parece haver esquecido sua
experiência dos anos 1970, quando ele mesmo e outros pesquisadores tinham amplo
contato com jornalistas. Estudos eram produzidos sem censura. Artigos
publicados na revista Pesquisa
e Planejamento Econômico discutiam livremente a política
econômica. Esse padrão, sustentado por João Paulo do Reis Velloso, um dos
criadores do instituto, foi mantido por muito tempo. Talvez faltasse um governo
bolsonariano.
*Jornalista
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