A
história do Brasil já está marcada por ele
Quando
Arraes voltou do exílio, não havia TV a cabo, internet, WhatsApp, mas logo se
espalhou o cochicho de “Arraes Taí”. Lembrei disto ao assistir a fala do Lula
na manhã da quarta-feira, depois que o Supremo Tribunal Federal anulou seu
julgamento pela Lava-Jato de Curitiba. Foi como anistia de condenação que está
passando a ideia de ter sido motivada politicamente. Muitos dos que se indignam
e condenam a comprovada avassaladora corrupção na Petrobras, durante seu
governo, desconfiavam das provas contra o Lula nos casos que o envolviam
pessoalmente. Sobretudo depois de o juiz dos casos abandonar a toga para
assumir um ministério. Mais ainda, ao tomarem conhecimento dos diálogos entre
juiz e procuradores, durante o processo.
Por isto esperei a fala de Lula com temor de que voltasse ao discurso desagregador de quando foi solto em 2019, e com esperança de um discurso agregador, como fez em 2002 e durante seus dois governos. Colocando-se à disposição das forças políticas para encontrar o candidato com mais chance de impedir a reeleição do atual presidente. Seu discurso não teve a mensagem desagregadora, nem foi suficientemente esperançoso. Não passou a arrogância do isolamento, nem deixou clara mensagem de que “Lula Taí” para ser um dos líderes, não o monopolizador, de uma aliança pela democracia, olhando o futuro com responsabilidade econômica e empatia social. Mas deixou aberta a possibilidade dele e o PT participarem da construção de uma aliança de todos que desejam superar a atual tragédia que o Brasil enfrenta na epidemia, na incompetência gerencial, nas ameaças à democracia, no obscurantismo e no isolamento internacional.
Quem
gosta e quem não gosta do Lula tem de reconhecer que a história do Brasil já
está marcada por ele: ao demonstrar que um operário retirante nordestino é
capaz de ser um presidente que representou bem ao país no Exterior, que manteve
compromisso com a estabilidade monetária durante seus dois mandatos e atendia
demandas sociais.
Mas
talvez a maior contribuição de Lula ao Brasil, sua “melhor hora”, será a partir
de agora: ajudar o Brasil a eleger um novo presidente, seja ele próprio ou não.
Para isto, seu discurso precisa afirmar sua abertura a participar da aliança em
um bloco maior do que apenas a esquerda tradicional. Abrir-se à realidade do
mundo da globalização, dos limites ecológicos ao crescimento, da inexorável
modernização tecnológica, deve reconhecer as dificuldades fiscais, éticas e
gerenciais da máquina do Estado. Ele tem argumentos para afirmar que sua
condenação foi anulada e que sua consciência está em paz, mas precisa assumir
que houve corrupção avassaladora em instâncias de seu governo, devido ao
aparelhamento pelos partidos que o apoiavam no Congresso. Deve se colocar à
disposição de todos os candidatos já lançados e se propor a participar na
escolha do candidato que terá mais chance de barrar a monstruosidade do atual
governo, seja ou não de seu partido.
“Lula
Taí” e tem diante dele a tarefa maior e mais difícil do que se eleger pessoalmente
em 2002, a tarefa de ser um dos líderes, não o único, a retomar a democracia
plena, com empatia pelos problemas do povo, com rumo para o Brasil.
Se
o STF não voltar a surpreender, “Lula Taí”: esperemos que os outros líderes
reconheçam sua força política e que ele entenda que o Brasil é maior do que
qualquer um de nós e de nossos partidos.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
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