Só um péssimo estrategista abriria um novo front de batalha, justamente com os militares
A
passividade e a submissão dos militares, ou de militares, ao presidente Jair Bolsonaro são
incompreensíveis, mas o grande mistério está na origem dessa simbiose: como
oficiais-generais, que passam por treinamentos e cursos tão sofisticados,
aderiram com tanto gosto a um capitão da reserva que foi acusado de ter planos
terroristas e que o ex-presidente Ernesto Geisel definia como “mau
militar”?
A
versão de que foi “para derrotar o PT” até explica, mas não justifica. Pode
fazer algum sentido entre civis que nunca ouviram falar de Bolsonaro, mas, para
generais, brigadeiros e almirantes que sabem muito bem quem ele é, o que fez no
Exército e não fez no Congresso?
O mistério aumentou quando, num discurso, Bolsonaro se dirigiu ao ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas: “O que nós conversamos morrerá entre nós”. E arrematou: “Obrigado. O sr. é um dos responsáveis por eu estar aqui”. Foi no terceiro dia de governo e na posse do general Fernando Azevedo e Silva no Ministério da Defesa, a mais prestigiada e a única em que o presidente discursou.
O prestígio do general Fernando durou pouco e sua queda amplia o enigma. Por que Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica logo agora, no pior momento da pandemia e com o cerco se fechando contra ele? Resposta de um general: “Não sei. Não sou psiquiatra”. Bolsonaro cultiva o mandonismo, exige subserviência e vê inimigos por toda a parte. Até entre os militares que lhe são tão convenientes.
Na
posse, a pergunta era quem mandaria de fato, os generais ou o capitão. Esses
dois anos confirmam que quem tem a caneta tem o poder e a caneta está nas mãos
de Bolsonaro, que se cercou de oficiais de quatro estrelas e encheu o governo
de militares, até nomear um general intendente, da ativa, para fazer suas vontades
e executar suas maluquices no Ministério da Saúde, em meio à pandemia
devastadora. Foi humilhante. E respingou na imagem das Forças Armadas. Isso é
que é ser militar?
Mas,
enquanto Bolsonaro e o general Eduardo Pazuello trabalhavam
contra todas as medidas sanitárias reconhecidas no mundo, o Exército fazia o
oposto e seguia a OMS: distanciamento, home office acima dos 60, máscaras
obrigatórias e nada de “tratamento precoce” – apesar de o laboratório da Força
ter multiplicado a produção de cloroquina por ordem do presidente.
Segundo
o novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio, a letalidade por covid é
de 2,5% no País, mas de 0,13% na Força. Ou seja: o Exército fez tudo certo, mas
pagou o pato pelo que Bolsonaro obrigou Pazuello a fazer – e ele fez.
Também
não está claro que tipo de relação Bolsonaro tem, por exemplo, com o general de
quatro estrelas Luiz Eduardo Ramos, que foi comandante em São Paulo e foi parar
na Secretaria de Governo, cargo a ser agora ocupado pela deputada de primeiro
mandato Flávia Arruda. O que têm em comum o prestigiado general Ramos e a
neófita deputada Flávia, do Centrão?
Com
tantos mistérios, a demissão de toda a cúpula militar foi ótima para os
demitidos e para as Forças Armadas, estabelecendo, agora com firmeza, que elas
são instituições de Estado, fiéis à Constituição e às instituições. Ele lá,
elas cá. Aliás, como funcionou perfeitamente, inclusive, com os petistas Lula e
Dilma Rousseff.
Boas para as Forças Armadas, as demissões são péssimas para Bolsonaro. Ele não pode mais insinuar que “o meu Exército” se rebelaria contra Judiciário e Legislativo, usar o QG do Exército como pano de fundo para golpistas e vender a ideia à Nação de que os militares são um monobloco bolsonarista. Não são. Ao abrir um novo front de guerra, justamente com as Forças Armadas, ele mostrou ser um péssimo estrategista, aliás, como todo “mau militar”.
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