De todas as estruturas que Jair Bolsonaro implodiu no Brasil nesses dois anos e três meses, talvez a mais relevante, dado o momento dramático que o país atravessa, seja o Plano Nacional de Imunização (PNI).
A
lista é extensa, e a competição, acirrada. Liquidar o Censo, avacalhar o Enem,
asfixiar a Cultura, estigmatizar as universidades, propiciar sucessivos
recordes de desmatamento é um legado de destruição sem precedentes, pelo qual
gerações de brasileiros pagarão com pobreza, manutenção das desigualdades,
atraso educacional e cívico e exclusão do bonde global do século 21.
Mas
a desmoralização do PNI, um edifício construído ao longo de quase 50 anos, é
diretamente responsável pelo recorde de mortes na atual pandemia, o que a torna
ainda mais criminosa.
Paradoxalmente,
o PNI é obra do governo Geisel. Se Bolsonaro tivesse a mínima ideia da História
do Brasil, e não cultuasse a ditadura militar apenas por ser um autoritário, fã
de tortura e supressão de liberdades, usaria esse fato para promover o PNI
neste momento e para louvar o trabalho dos militares em criar os pilares do
SUS.
Mas ele não sabe nada de nada. E, além disso, pratica desinformação com o mesmo fervor com que se dedica a escangalhar tudo o que seus antecessores fizeram.
A
forma irresponsável com que o presidente investiu contra a vacinação, deixando
de comprar imunizantes, desacreditando a eficácia e a segurança das vacinas,
aparelhando o Ministério da Saúde com paraquedistas militares que nunca viram
uma seringa na vida nem têm ideia da logística necessária para fazer uma
campanha de vacinação nos trouxe a este momento bizarro, em que estamos lá
atrás na fila da imunização e na aquisição de vacinas, ao mesmo tempo que
viramos um mercado livre para a traficância privada, que se aproveita do
desespero da população.
Em
nenhum governo que não fosse o de Bolsonaro Arthur Lira teria a coragem de
ousar propor um projeto em que empresários podem ir às compras de vacinas para
aplicar em seus funcionários e familiares, atestando a falência do governo em
cumprir seu dever.
Não
é apenas moralmente inaceitável, uma vez que faz letra morta do princípio da
equidade no acesso a um bem de saúde pública. Trata-se de um tiro no pé também
do ponto de vista da estratégia vacinal, pois fura as prioridades estabelecidas
pelo PNI e legitima a falsa ideia de que vacinando um pequeno grupo se pode
“retomar a vida normal”, forçando pessoas a trabalhar.
Além
de tudo, é um vexame político. Significa a admissão de que todos os cronogramas
de chegada de vacinas apresentados por Eduardo Pazuello e, no caso do mais
recente, o referendado por Marcelo Queiroga eram peças de ficção para enganar
trouxas.
Por
fim, fica evidente o interesse mercantil que leva parte do Congresso a se
aproveitar da justificada ansiedade de quem está morrendo de medo desse vírus.
Defesa de laboratórios de reputação duvidosa, coalizões sem nenhuma
transparência para aquisição de vacinas sabe-se lá em que mercado paralelo e
venda da falsa ilusão de que será possível “somar esforços” com o SUS são os truques
que lobistas disfarçados de deputados e senadores usam para defender mais esse
atentado à saúde nacional.
O
PNI sempre foi referência para outros países e fez o Brasil, graças à
organização nacional e ao convencimento da população do poder representado
pelas vacinas, erradicar uma série de doenças que muitas gerações, inclusive a
minha, só conheceram dos livros de Ciências.
Assim
como todo o portfólio de retrocessos de Bolsonaro, também a demolição do PNI é
uma jabuticaba brasileira. Não há país importante que, no enfrentamento da
Covid-19, tenha feito um mercado persa da vacina.
No Brasil de Bolsonaro, o bordão “vacina pouca, meu bracinho primeiro” é política de Estado.
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