Crise
militar traz novo e grave fator de risco a exacerbar o clima de elevada
incerteza
Bolsonaro
vem colhendo o que plantou: uma crise desnecessariamente agravada e alongada,
em decorrência de uma sucessão de equívocos perfeitamente evitáveis, cometidos
tanto no combate à pandemia como na condução da política econômica.
Tendo
alongado a crise, o Planalto constata agora, a 18 meses da disputa presidencial
de 2022, que já não terá tempo para enfrentar com um mínimo de tranquilidade o
desafio da reeleição. Aflito como está, Bolsonaro mostra-se mais propenso do
que nunca a se deixar levar pelo desatino.
O
Planalto iniciou a semana às voltas com uma conjunção de problemas graves, que
já superava em larga medida sua limitada capacidade de processamento: uma
pandemia fora de controle, caminhando para quatro mil mortes por dia, a urgência
de desarmar a armadilha orçamentária em que se deixou meter e, ainda, a
inevitabilidade de ceder às pressões do Congresso por mudanças no Ministério e
mais espaço no governo.
Já enredado em dificuldades tão sérias, o presidente não teve melhor ideia do que deflagrar uma crise militar como não se via no país há mais de quatro décadas.
Bolsonaro
já fora obrigado a se livrar de Eduardo Pazuello, o inacreditável terceiro
ministro a quem entregara o Ministério da Saúde. Nesta semana, chegou a vez do
ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, irremediavelmente desgastado
com o Congresso.
Há
meses, assustado com a possibilidade de vir a ser responsabilizado pela
desastrosa evolução da pandemia, Bolsonaro viu-se forçado a contratar um seguro
contra impeachment com o centrão. Não vinha, contudo, cumprindo o acordado.
E,
na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira, viu-se obrigado a
chamar Bolsonaro às falas, brandindo “os remédios políticos amargos”, alguns
deles fatais, de que dispunha o Congresso para manter o presidente na linha.
Não
faltou quem só visse, no pronunciamento de Lira, alusões aos equívocos do
governo no combate à pandemia. Mas o recado era outro. E Bolsonaro o entendeu
perfeitamente.
Já
na segunda-feira, anunciou que entregaria ao Centrão a Secretaria de Governo,
responsável por nada menos que a articulação do Planalto com o Congresso.
A
escolhida para substituir o ministro Luiz Eduardo Ramos nesse cargo foi Flavia
Arruda, mulher do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda,
deputada federal em primeiro mandato, eleita pelo PL de Valdemar Costa Neto.
Ao
entregar as cabeças de Pazuello e Araújo e concordar com instalar uma fiel
representante do centrão-raiz na Secretaria de Governo da Presidência da
República, Bolsonaro viu-se imprensado por outro lado.
Temeu
que, tendo transigido tanto, pudesse perder parte substancial do apoio da
militância bolsonarista mais radical que, bem ou mal, vem dando resiliência à
sua popularidade. Acuado e fragilizado como estava, precisava dar uma
demonstração de força.
E
é aí que entra a despropositada deflagração da crise militar. Há meses,
Bolsonaro vem dando sinais de descontentamento com a resistência da cúpula das
Forças Armadas a seus arroubos totalitários. Embora tenha até chegado a se
referir ao “meu Exército”, ao se manifestar contra as medidas de isolamento
adotadas pelos governos subnacionais, o presidente bem sabia que não dispunha
de um Exército que pudesse chamar de seu.
E
se ressentia da falta de alinhamento das Forças Armadas a suas ideias.
Imbuído
desse ressentimento, Bolsonaro acabou não resistindo à tentação de fazer valer
sua posição de comandante em chefe das Forças Armadas, para tentar demitir o
comandante do Exército.
Acabou
deflagrando uma crise de grandes proporções, que redundou na demissão do
ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Não falta agora quem se esforce para se convencer de que o episódio já está completamente superado e que não deve ser sobrestimado. Muito pelo contrário, o episódio deu indelével realce a mais um grave fator de risco a exacerbar o clima de alta incerteza em que hoje está imersa a economia brasileira.
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