Presidente
continua vinculando desemprego a um ‘excesso’ de direitos trabalhistas
Bolsonaro
ataca de novo, confirmando sua aversão aos direitos trabalhistas. Desta vez ele
pôs em dúvida uma lei a favor da igualdade salarial para homens e mulheres.
Antes de sancionar ou vetar o texto, aprovado no fim de março no Senado, ele
pediu a manifestação de seus seguidores. “Pode ser que o pessoal não contrate,
ou contrate menos mulheres, vai ter mais dificuldade ainda”, disse o presidente
em sua live habitual
de quinta-feira. Se entrar em vigor, a lei aumentará as multas, até agora muito
brandas, aplicáveis em casos de discriminação de gênero, raça ou idade.
Deputadas e senadoras tiveram importante participação na defesa do projeto.
Ao
pedir a opinião dos apoiadores, Bolsonaro reafirmou, claramente, a disposição
de governar para os bolsonaristas. Ele foi empossado em 2019 como presidente do
Brasil, isto é, de todos os brasileiros, mas parece jamais haver entendido ou
admitido esse fato. Essa concepção estreita de suas funções e obrigações foi
evidenciada já no começo de seu mandato. Facilitar o acesso às armas foi uma de
suas primeiras preocupações, embora houvesse 12,7 milhões de desempregados, 12%
da força de trabalho, no trimestre móvel encerrado naquele mês de janeiro.
Bolsonaro tinha uma concepção peculiar, no entanto, das condições de funcionamento do mercado de trabalho. Essa concepção, reafirmada no caso da igualdade reivindicada pelas mulheres, era muito simples e já havia sido exposta durante a campanha eleitoral. O trabalhador, disse o candidato Jair Bolsonaro, terá de escolher “entre mais direito e menos emprego ou menos direito e mais emprego”.
Essa
declaração foi feita em agosto de 2018, durante entrevista a um jornal da Rede
Globo. Quando o apresentador lembrou seu voto contra a PEC das domésticas, o
deputado respondeu ter dado esse voto “para proteger” as trabalhadoras. “Muitas
mulheres”, acrescentou, “perderam o emprego pelo excesso desses direitos.” E em
seguida: “Que tal aprovar todos os direitos trabalhistas para todos os
integrantes das Forças Armadas?”.
Em
dezembro daquele ano, já eleito, Bolsonaro voltou a criticar as normas
trabalhistas. A legislação, afirmou, teria de se “aproximar da informalidade”
para favorecer a criação de empregos. Em 4 de janeiro, pouco depois da posse,
condenou mais uma vez, numa entrevista, a condição do assalariado. “O Brasil é
o país dos direitos em excesso, mas faltam empregos. Olha os Estados Unidos,
eles quase não têm direitos.”
Essa
é uma visão distorcida e primária de como funciona o mercado de trabalho
americano, dos direitos e da segurança do trabalhador nos Estados Unidos e do
poder dos sindicatos. Não há surpresa, no entanto, porque a pobreza de
informações do presidente brasileiro e a simplicidade de suas ideias são bem
conhecidas.
Seria
preciso, disse Bolsonaro naquela ocasião, aprofundar a reforma trabalhista. Ele
se referia às mudanças ocorridas no mandato de seu antecessor. Mas a reforma
proposta pelo presidente Michel Temer e aprovada no Congresso apenas deu
flexibilidade ao sistema, sem anular direitos previstos na Constituição e na
legislação trabalhista. Trabalho intermitente e possibilidade de jornada de 12
horas com 36 de descanso foram algumas das novidades.
Algumas
mudanças, como o trabalho intermitente, têm facilitado a preservação de
empregos na crise atual. A reforma implantada no governo anterior é muito
diferente da redução de direitos proposta pelo presidente Bolsonaro e do
barateamento da mão de obra defendido pelo ministro da Economia.
Parte
do empresariado aplaude as propostas de eliminação de direitos ou, no mínimo,
da redução de custos pela extinção de obrigações trabalhistas e previdenciárias
ou pela contratação de jovens por salários muito baixos. Também há empresários
e políticos, principalmente bolsonaristas, dispostos a aplaudir o corte de
tributos sobre seus negócios, mesmo sem uma discussão séria de como essa
redução será compensada.
Mas
é bobagem associar a criação de empregos, como têm feito o presidente e o
ministro da Economia, à mera redução de custos trabalhistas. Não se contratam
trabalhadores, mesmo a baixo custo, quando a atividade está emperrada. Não é
preciso ser doutor em Economia para conhecer essa verdade simples. Emprego
depende, em primeiro lugar, da atividade econômica, ou, pelo menos, da
expectativa de expansão dos negócios.
Mas
a perspectiva de crescimento maior que nos anos anteriores nunca esteve
presente, no Brasil, desde os primeiros meses de 2019. No começo de 2020 os
otimistas previam expansão de uns míseros 2,5%. Depois da reforma da
Previdência, já amadurecida no governo anterior, nada foi proposto pelo governo
além de mudanças pífias na tributação e na gestão de pessoal. Nem as medidas
econômicas implantadas na crise da pandemia foram mantidas no Orçamento para
2021. Até o auxílio emergencial foi suspenso por três meses, num quadro de
desemprego e fome. Nem o direito à vida – contra a doença ou contra a miséria –
foi protegido. Para que tantos direitos? Bolsonaro é pelo menos coerente.
*Jornalista
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